O silêncio da solenidade ou da expectativa. E o dos elevadores. O silêncio embaraçoso, embaraçado, dos tímidos e dos melancólicos, dos melindrosos e dos mentirosos. O silêncio dos idiotas e o dos génios. Os monges que fazem voto de silêncio. O silêncio nos concertos de música erudita, caso contrário o pianista vai-se embora. O silêncio nos jogos de ténis. O tão audível silêncio de Deus. “O Silêncio”, de Ingmar Bergman. O silêncio das bibliotecas. O “speaker” do Parlamento inglês que em vez de “silêncio” exclama, em vão, “order, order”. O silêncio como ordem. E como desordem. O silêncio dos mudos ou dos afásicos. Ao telefone, silêncio do outro lado. O silêncio que anuncia a tempestade. O silêncio antes da catástrofe, que já é catastrófico. O silêncio entre amigos ou entre casais, às vezes bom, outras funesto. O silêncio do réu que escolheu não se defender. O silêncio nas igrejas, nos cemitérios. O revisor a quem ouvi dizer num comboio a um passageiro: “estamos na 1ª classe”, associando “classe” e “silêncio”. O silêncio nos hospitais à noite, interrompido pela ronda da enfermeira de serviço ou por um gemido na enfermaria. O cinema “mudo”, que não é bem mudo. O cinema sonoro, que inventou o silêncio. Os 4 minutos e 33 segundos de John Cage. O silêncio concentrado, estudioso. O silêncio lutuoso, desesperado. O silêncio amargo do despedido, do despromovido, do abandonado, do castigado, do humilhado. O silêncio de uma pessoa a quem pedimos conselho ou ajuda e que não entende sequer o problema. As pausas desconfortáveis, significativas, no teatro de Harold Pinter. O silêncio civilizado de saber estar calado. O silêncio existencial, desconsolado, nos quadros de Edward Hopper. O silêncio como meditação, interioridade, exercício espiritual. O silêncio doméstico. O silêncio dos bosques. O silêncio subaquático, ou dos astros, ou dos desertos. O silêncio dos objectos. Dos pensamentos. O silêncio de uma palavra que nunca chega.
Exclusivo
O Silêncio
Sou silencioso por temperamento. E porque preciso de silêncio para o que faço: a leitura e a escrita. Gosto de ouvir. Mas não é fácil falar comigo