Para cada país há diferentes factores a explicar o crescimento da extrema-direita, mas há duas realidades que são comuns a todos esses países e talvez fosse conveniente prestar-lhes alguma atenção: vivemos em sociedades altamente desiguais e altamente manipuláveis. Os injustiçados estão fartos de que não mude nem a realidade, nem a conversa. Portanto, como a realidade é esta há já algum tempo, é fácil gostar de quem lhes dá conversa. Cito um amigo de Pedro Gomes Sanches que o próprio já tinha citado numa crónica do Expresso: “somos de baixo e vamos aí acima reclamar o que é nosso”. E há também aquilo a que Pacheco Pereira chama “ressentimento [como] atitude social, presente em todos os movimentos de protesto”.
O combustível é a crescente desigualdade, a injustiça, o ressentimento. As razões para votar na extrema-direita e abraçar o perigo derivam daqui. A ignição são as redes sociais onde a memória perdeu terreno para a desinformação e onde é fácil atear o fogo. Se o crescimento da extrema-direita fosse resultado directo de uma imigração descontrolada, Bolsonaro nunca teria chegado ao poder no Brasil, onde os imigrantes não chegam a 1% da população. Se o crescimento da extrema-direita fosse resultado directo dos vícios dos velhos partidos, o Fiedsz não tinha chegado ao poder apenas oito anos depois das primeiras eleições livres na Hungria e Órban não governava há 19 dos últimos 27 anos. Se fosse possível travar o crescimento da extrema-direita reduzindo o peso do Estado para permitir um maior crescimento económico, a extrema-direita não teria chegado ao poder nos Estados Unidos, onde o estado federal está reduzido ao mínimo e a riqueza é destacadamente a maior do mundo.
Podemos encontrar as desculpas que quisermos, mas não podemos fugir à realidade. E a realidade é que o dinheiro é a ideologia dominante e a plutocracia o sistema vigente, agravando e perpetuando a injustiça social. Os muito ricos estão, aliás, normalmente alinhados com a extrema-direita (veja-se a maioria dos multimilionários norte-americanos ou os financiadores do Chega), porque podem pagar para não terem problemas. Mas a extrema-direita cresce em democracia com o voto dos mais desiludidos, antigo eleitorado dos democratas na América ou dos socialistas e comunistas em Portugal (o mapa colorido não engana). Cresce também fruto de uma estranha coligação entre os que estão no fundo da hierarquia social e uma parte da classe média que temendo ser submergida pela onda prefere surfá-la e apontar o dedo aos que consideram inúteis.
Por cá, invocam-se muitas razões para votar no partido de André Ventura: uns votam porque os do Chega são os únicos que dizem as verdades sobre os políticos e a corrupção; outros porque é preciso acabar com o modo de vida dos ciganos; outros ainda porque os imigrantes querem acabar com o nosso modo de vida. Há quem vote contra a subsídio-dependência e há quem vote no Chega porque não gosta de ver os islâmicos a rezar no Martim Moniz ou os imaginam a cometer toda a espécie de crimes. A lista de razões invocadas não se fica por aqui e acolhe todos os justiceiros que querem ver os pedófilos castrados, os assassinos presos perpetuamente e os que são dos outros partidos insultados. O que é difícil de encontrar é um só eleitor que vote neles porque o Chega tem a melhor proposta para a Saúde, a Habitação ou a Educação.
Regressemos ao que há de comum em todos os países onde a extrema-direita se aproveita de uma democracia doente para prosperar:
1. Crescente desigualdade
A ladainha sobre a necessidade de produzir riqueza para depois a distribuir, que me desculpem os liberais democratas, não tem provado ser verdadeira porque, apesar do grande crescimento económico global, o que tem aumentado é a concentração da riqueza. Quem, com o mínimo de bom-senso, pode achar que é sustentável que metade da riqueza global esteja nas mãos de 1% das pessoas mais ricas, enquanto metade da população mundial tem de esgravatar para encontrar migalhas em 2% da riqueza. Numa formulação mais simples para não haver enganos: 1% (mais ricos) = 50% da riqueza versus 50% (mais pobres) = 2% da riqueza.
É absolutamente insustentável que um em cada dez trabalhadores seja pobre, o mesmo é dizer que cerca de meio milhão de pessoas não tem uma vida digna apesar de trabalhar diariamente. Como se esta realidade não fosse já suficientemente má, é preciso lembrar que, como consequência desta má distribuição, há uma discriminação estrutural no acesso à saúde, à educação e a empregos de qualidade. Como sabemos, a desigualdade dificulta que as pessoas de famílias pobres possam ascender economicamente, perpetuando desigualdades de geração em geração.
2. Crescente manipulação
As redes sociais usam algoritmos que destacam conteúdos emocionalmente fortes ou polarizadores para maximizar o engajamento e, dessa forma, espalham desinformação e propaganda. Empresas e organizações contratam "tropas cibernéticas" para direcionar campanhas de desinformação ou ataques coordenados contra adversários. A manipulação é de tal forma que já não vale a pena desmentir as fake-news, porque esses desmentidos são vistos como a confirmação das “verdades” que a elite quer esconder.
Bots e contas falsas (58% das contas no X que promoveram o Chega nesta campanha eram falsas) amplificam narrativas específicas, criando a ilusão de consenso em torno de ideias ou figuras públicas. No Facebook, o vídeo de Ventura no hospital, onde foi repousar depois de um espasmo esofágico, teve mais de três milhões de visualizações. A diferença do líder do Chega para todos os outros líderes partidários, em todas as redes sociais, é a diferença entre um profissional e amadores. Mede-se em milhões de visualizações onde só Ventura consegue chegar.
Não há novidade nenhuma no que acabo de escrever sobre a mentira e a manipulação, o que há é falta de vontade para obrigar as redes sociais a cumprirem regras que se aplicam a todas as outras formas de vida em sociedade. Também não há novidade sobre a escandalosa concentração de riqueza nas mãos de uns quantos, o que há é um profundo desprezo pelos que nada têm. Ainda acham estranho que cresça exponencialmente o número de pessoas que está disponível para fazer implodir o sistema e vir cá acima buscar o que é delas?