Num fim-de-semana em que Putin apareceu com Xi Jinping, Lula e mais duas dezenas de líderes internacionais pouco recomendáveis, Zelensky apareceu melhor acompanhado e mais forte. Pareceu. E podia ter sido mesmo. Faltaram os Estados Unidos de Trump, de novo. Mas ficou a imagem. Uma Europa de Estados fortes e alinhados pode ser alguma potência.
O começo do novo chanceler alemão dificilmente podia ter sido pior. A Alemanha afinal sempre tem uma liderança ou não? Nesta altura do mundo e da Europa, a dúvida era absolutamente dispensável. Mas é o que temos e é com estas lideranças que a Europa se fará forte, ou não se fará.
Num momento em que a América é, no mínimo, equívoca sobre onde está na guerra da Ucrânia e o que defende, os líderes da Alemanha, França, Polónia e Reino Unido pareciam os líderes aliados. Fez falta Itália, que tem sido inequívoca no tema, e Espanha que, goste-se ou não de Sánchez, é o único grande país europeu liderado por um socialista, e os aliados europeus têm de ser os democrata-cristãos e conservadores, os liberais e os socialistas. Nenhum destes pode ficar de fora. Mas ficou o retrato de uma Europa possível.
Voltando ao fim-de-semana em Kiev, apesar de não terem dito ou feito nada de substancialmente inédito ou diferente, a imagem que os quatro líderes europeus que foram a Kiev passaram foi outra. Claro que a promessa alemã de entregar Taurus, só não se sabe quando, fez diferença. Mas foi sobretudo o resto: os gestos, os olhares, a cumplicidade, o simbolismo. Até a chamada em alta voz para Trump. Sim, a posição da América decide o jogo. Mas a posição de Trump não decide a posição europeia. Foi esse o facto do fim de semana. E só podia ter sido dado pelos líderes dos principais países europeus. Queixe-se quem quiser, a Europa, mesmo a unida (sobretudo a unida) é feita de Estados. E alguns contam mais que outros. E esta foi a primeira vez que os líderes destes quatro países foram juntos à Ucrânia, em três anos de guerra.
Há umas semanas, quando Merz e os sociais democratas fecharam o acordo de coligação, Úrsula Von der Leyen resolveu dar uma entrevista a um jornal alemão, o ZEIT, que mandou traduzir para inglês e publicou nas páginas da Comissão Europeia. A entrevista diz muitas coisas interessantes que merecem atenção, mas a mais extraordinária é quando Von der Leyen diz que ela, a Presidente da Comissão Europeia, tem de “manter os 27 Estados-Membros coordenados e dar orientações. Eu preciso ter – ou desenvolver – um plano para cada crise”. Não, não tem. E é aqui que entra a visita de fim de semana a Kiev de Starmer, Macron, Merz e Tusk.
Na resposta à Pandemia e no começo da resposta à guerra da Ucrânia Von der Leyen esteve no sítio certo à hora certa com as posições correctas. Mas a presidente da Comissão é apenas isso. Se Estaline perguntou quantas divisões (militares) tinha o Papa, a presidente da Comissão não tem nenhuma. Nem vai ter. Nem tem povo. Nem legitimidade eleitoral directa. Nem coordena ou dá orientações aos Estados membros da União Europeia. Se tudo correr bem, a presidente da Comissão Europeia tem de receber orientações dos Estados membros que, espera-se, estarão coordenados.
Apesar de Starmer ser um líder pouco popular, de Macron estar em permanente crise política e em fim de carreira nacional, de Merz ter começado mal, de Tusk depender do resultado das presidenciais do próximo domingo, de ter faltado Meloni e Sanchéz na fotografia, o facto é que a Europa que podemos ter é esta: com o Reino Unido envolvido, com França a prometer partilhar a força militar única que tem, com uma Alemanha de facto transformada, com a Polónia, em 20 anos, a recuperar um lugar que acredita ser-lhe devido, e com Espanha e Itália a bordo. António Costa devia ter sido convidado para esta viagem, para representar os 24 que faltavam (22, na verdade, porque dois deles, a Hungria e a Eslováquia, nunca iriam). Cabe-lhe agora ser um bom fio condutor desta energia no Conselho. E tirarem todos partido do europeísmo, ocidentalismo ou mera decência geopolítica do novo Papa