Opinião

Quando a liberdade não sobe à Universidade

O que falta, mais do que medidas, é uma ideia de país. Um projeto de ensino superior como motor de coesão territorial, de afirmação internacional, de mobilidade social

Há palavras que soam bem de tão certas. Liberdade, por exemplo. Ou diversidade. São conceitos nobres, ancorados na Constituição e no bom senso. Aparecem, aliás, no programa da Aliança Democrática (AD) para as eleições legislativas, sob o lema “Diversidade e Liberdade para Aprender”. Evocam uma educação plural, onde cada estudante possa encontrar o seu caminho, onde o talento floresça independentemente da origem. E, contudo, assim que se vira a página percebe-se que essa liberdade é de curto alcance. Vale, aparentemente, até ao 12.º ano. No ensino superior, desaparece. Evapora-se. Nem a AD, nem o PS parecem dispostos a defendê-la.

É estranho. Porque se há momento em que a liberdade de aprender deveria ser levada a sério, é no ensino superior — onde se formam os futuros médicos, engenheiros, artistas, juristas, professores, investigadores. Onde se cruzam, ou deviam cruzar-se, a vocação e o pensamento crítico. E onde coexistem, numa paisagem rica e diversa, instituições públicas, privadas e cooperativas. No entanto, a diversidade institucional é tratada como um detalhe, e a liberdade como um bem administrável.

A AD propõe, com confiança, continuar o caminho feito no anterior Governo. Promete reforçar a autonomia das instituições, rever o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, flexibilizar a oferta e atrair estudantes internacionais. O PS contrapõe com promessas de contratos de legislatura, financiamento previsível, revisão de carreiras docentes e uma descida progressiva das propinas até à sua eliminação. Em comum, têm o tom: técnico, arrumado, de gestão pública diligente. Ambos parecem confundir reforma com manutenção e ambição com cautela.

Mas o que falta, mais do que medidas, é uma ideia de país. Um projeto de ensino superior como motor de coesão territorial, de afirmação internacional, de mobilidade social. Um sistema que reconheça, valorize e integre todos os seus atores — e não apenas os que cabem nas molduras tradicionais do Estado central.

Veja-se o silêncio sobre o papel das instituições particulares e cooperativas. São referidas, é certo, mas nunca pensadas. Não há proposta concreta que reconheça a sua função pública, que as integre nos grandes instrumentos de política, que promova o seu contributo para a inovação e a equidade. Para a AD, que valoriza a liberdade de escolha no ensino básico e secundário, este apagamento é, no mínimo, incoerente. Para o PS, que se procura apresentar como defensor da justiça social, é uma omissão reveladora da sua visão ideológica restrita sobre o papel do sector social, particular e cooperativo no sistema educativo.

O mesmo se diga do financiamento. O PS promete a gratuitidade das licenciaturas no prazo de uma década. Em tempo eleitoral, soa cativante — como todas as que parecem dispensar esforço ou custo. Mas é um erro de palmatória. Tornar o ensino gratuito para todos, indiscriminadamente, não é um gesto de justiça, mas uma ilusão fiscal. A resposta não está em uniformizar, mas em distinguir com critério: apoiar quem precisa e valorizar o esforço. A AD, embora mais contida, também não apresenta um modelo que reflita essa exigência.

Nas carreiras académicas e científicas, há sinais de boa vontade, mas falta a afirmação clara do mérito (que surge quase de forma decorativa) e da liberdade académica (subentendida, nunca estruturante).


O ensino superior não é apenas um lugar de qualificação técnica. É um território de pensamento, de liberdade e de construção cultural. Enquanto os partidos o continuarem a tratar como um dossiê de gestão, e não como uma escolha de civilização, estarão a falhar não apenas numa política — mas numa visão de país.