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Opinião

Breve manifesto sobre a vida contemporânea (2)

Os novos alcoólicos, hoje, bebem pelos olhos e pelos ouvidos. É uma pandemia de cegueira, entre outras maleitas que pululam dos ecrãs para as existências

Estamos divertidíssimos dos pés à nuca, do cerebelo aos pelos das axilas; estamos distraídos como bovinos, ruminamos como os animais de grande porte e quatro patas, e se a postura ficar bem no ecrã, se necessário, comemos erva da boa e da verde. No fim, tudo será pó, dizia a Bíblia. No fim, tudo será imagem — podemos dizer. Mas a grande diferença talvez seja esta: é difícil atrelar publicidade ao pó — o pó é, por natureza, material pouco disponível para qualquer acrescento mais sólido; a imagem, essa, tem costado suficiente para nele se afixar propaganda em circulação acelerada. No futuro, tudo será pó, imagem e publicidade. No presente, estamos vivos, até ver — mas pouco, pouquito. No futuro, se alguém filmar o nosso cadáver, ou até a nossa poeira que pelos ares se distribua, talvez tais imagens atraiam alguma empresa em vias de expansão.