O Espaço, frequentemente idealizado como um vasto território intocado, enfrenta um problema crescente que ameaça o futuro das operações espaciais e a sustentabilidade das atividades humanas fora da Terra. O Síndrome de Kessler, um termo que ganhou popularidade ao longo das últimas décadas, descreve um cenário em que colisões entre satélites e outros objetos em órbita geram fragmentos que aumentam exponencialmente o risco de novos impactos. Este processo, se não for controlado, pode transformar a órbita terrestre numa zona perigosa e intransitável.
A origem do termo remonta a 1978, quando o astrofísico Donald J. Kessler publicou um artigo no Journal of Geophysical Research prevendo que, por volta do ano 2000, a densidade de resíduos orbitais seria suficiente para causar colisões aleatórias entre objetos catalogados. Estas produziriam não só novos fragmentos, mas também aumentariam drasticamente o risco de colisões futuras. Embora o termo tenha sido popularizado como um cenário de destruição imediata, na verdade, descreve um processo gradual, mas inexorável, que já está em curso.
Ao longo dos anos, as observações confirmaram que a ameaça é real e crescente. Atualmente, a órbita terrestre baixa contém mais de 34 mil objetos. Eventos como o teste anti-satélite realizado pela China em 2007, que gerou mais de dois mil fragmentos catalogáveis, ilustram o impacto que uma ação imprudente pode originar. Em 2009, a colisão entre os satélites Iridium 33 e Cosmos 2251 demonstrou que Kessler tinha razão: gerou milhares de fragmentos, intensificando o risco para outras missões espaciais.
O problema é agravado pela natureza exponencial do crescimento dos detritos. Enquanto pequenas explosões ou falhas de equipamentos produzem um número baixo de resíduos adicionais, as colisões têm um efeito multiplicador, criando uma cascata de fragmentos. A órbita terrestre baixa, especialmente entre 800 e 1000 km de altitude, é hoje a região com risco mais elevado. Os avanços tecnológicos e os novos projetos de megaconstelações de satélites, como as propostas de internet global, acentuam o número de objetos em órbita. Sem medidas adequadas, enfrentamos o risco de tornar inviável o uso do espaço para comunicações, observação terrestre, pesquisa científica e exploração espacial.
Várias soluções estão em desenvolvimento, mas exigem ação coordenada e investimento. Entre as medidas mais promissoras estão: a obrigatoriedade de desorbitar satélites e estágios de foguetes após o fim de sua vida útil; o desenvolvimento de tecnologias para remover resíduos existentes, como sistemas de captura; a proibição de testes que deliberadamente criem resíduos orbitais, como testes antisatélite; e as novas tecnologias de gestão e rastreamento de objetos em órbita.
Portugal tem estado na vanguarda no desenvolvimento de algumas das soluções tecnológicas em curso, como por exemplo a missão Clearspace-1 e a recente instalação de um telescópio para seguimento de objetos no espaço, que é parte de um programa mais ambicioso de utilização intensiva de inteligência artificial para a análise de órbitas baixas. As soluções têm custos elevados e podem gerar resistência entre operadores e governos. Mas a alternativa, no entanto, é um custo ainda maior: um ambiente espacial saturado, onde lançamentos se tornam impraticáveis e a segurança de satélites essenciais para a nossa vida moderna fica comprometida.