Opinião

Um COP meio cheio

Terminou este fim-de-semana, em Baku, a 29.ª Conferência do Clima (ou COP29). Depois de anos a discutir se tivemos good cops, bad cops ou terrible cops, podemos ver algo de bom aqui?

1) Não é fácil ser verde

Quando olho para os regimes de incentivos ou regulação ambiental que vão sendo anunciados um pouco por todo o mundo, mas, com maior intensidade, na nossa União Europeia (UE), nunca consigo resistir a recordar o velho sapo chamado Cocas que, no final dos anos setenta, cantava, no seu pântano, que “não era fácil ser verde” (na versão original: it’s not easy being green).

Também aos vários países e mercados não tem sido fácil ser “verde”, “sustentável” ou garantir que haja formas concretas de medir e incentivar que determinados valores (os chamados “ESG”, do original, em inglês, Environmental, Social and Governance) sejam prosseguidos por empresas e investidores.

Como escrevia há uns anos, se é fácil sabermos que o sol é amarelo, as cerejas são vermelhas ou o céu é azul, não é fácil sabermos o que é um “investimento verde” ou o que é que cada uma daquelas palavrinhas quer efetivamente dizer: o que é um investimento que proteja o ambiente, que fomente ou contenha preocupações sociais, ou que incorpore e considere a “boa governação” empresarial?

No passado fim de semana terminou a 29.ª conferência do clima da Organização das Nações Unidas, mais comummente referida “COP29”, em Baku, no Azerbaijão e, como escreviam no balanço do Financial Times, se tiverem com dificuldades em compreender o que lá se passou, isso é perfeitamente compreensível. Foram “duas semanas furiosas” de negociações quanto a novos objetivos globais, com uma tempestade de propostas contraditórias e sem que seja claro se os resultados atingidos são positivos ou negativos. Vou tentar dar aqui a visão de “copo meio cheio”, aproveitando um trocadilho evidente, também já usado numa análise da COP de 2021, aqui no Expresso.

2) Good cop, bad cop

Gosto sempre de tentar ser otimista, mas, ao longo dos últimos anos, fomos sentindo que passámos de good cop a bad cop e, depois, a, aparentemente, a terrible cops, para recuperar uma imagem de 2022 da The Economist, em que os jornalistas Jason Palmer e Catherine Brahic comparavam a COP26 (Glasgow, Escócia, 2021) e a COP27 (Sharm El Sheikh, no Egito, 2022) nestes termos, antes da COP28 que foi muitíssimo criticada por acolher ditadores e responsáveis por empresas altamente poluentes num Dubai que serviu para uma mega operação de greenwashing (ou “esverdeamento” de capitais).

A COP29 foi vista, logo à partida, de forma menos ambiciosa: (i) também se realizava num país polémico; (ii) um dos seus principais responsáveis (um dos Ministros do país organizador) foi filmado a negociar petróleo nas vésperas de uma conferência que deveria abordar a transição para outras fontes energéticas; (iii) recebeu muito menos responsáveis “de primeira linha” de países participantes (muito menos chefes de estado ou de governo do que em outras edições) – também não ajudou coincidir com a realização do G20 -; (iv) previa-se que maiores decisões fossem adiadas para a COP30 que se irá realizar em Belém, no Brasil, em 2025; (v) começou imediatamente após uma nova eleição do Presidente Trump que será, à partida, menos favorável a compromissos climáticos, como a sua postura perante o Acordo de Paris de 2015 em que diversos governos se comprometeram a unir esforços para limitar o aquecimento global.

Tudo isto levaria a adotar um olhar perante a COP29 mais como um “COPinho”, quando comparado com as suas antecessoras. Ora, por vezes, descobrimos surpresas onde menos esperamos.

3) Dos castelos da Escócia às pirâmides do Egito

Se o good cop foi a COP26 sonhadora entre os escoceses e o bad cop resultou da descida aos desertos nas COP27 e 28, a COP29 foi o espaço em que se aprovou um novo pacote – New Collective Quantified Goal (“novo objetivo coletivo quantificado”?) – que poderá ser mais realista (e eficaz?) do que iniciativas anteriores. É certo que já foi muito criticado pelos países beneficiários (os “países vulneráveis” ou “em desenvolvimento”) que são aqueles que precisam de maior apoio para tentar atingir as metas ambientais, mas é um passo, para tentar chegar a biliões de dólares envolvidos.

Adicionalmente, participaram nesta conferência – talvez com maior destaque, pela desvalorização que lhe foi dada por políticos e diplomatas – diversos empresários dos setores envolvidos e podemos estar perante regulamentação que é mais comum nos países anglo-saxónicos do que na UE que, infelizmente, adota e se embrulha numa lógica de regula(menta)ção top-to-bottom que prejudica as instituições financeiras da UE, que, esmagadas por uma burocracia redutora de oportunidades, as impede de competir em mercados globais, uma vez que o enquadramento americano ou asiático é menos sufocante e mais compreensivo (e, provavelmente, permitirá mais crescimento a longo prazo, o que faz com que as entidades europeias não beneficiem de um level-playing field adequado, sendo inevitável que os mercados europeus, a longo prazo, saiam prejudicados.

Destas divergências também se ocupam sempre os participantes das COP’s, desde Sharm El Sheikh até Baku, com as discussões em torno da criação de fundos de investimento para apoio às vítimas de calamidades relacionadas com alterações climáticas. No entanto e no essencial, a discussão de fundo (e, mais uma vez, uma tentativa de determinação de conceitos) prende-se sobre quem irá beneficiar desta iniciativa. Os representantes da UE pretendem que a maior parte destes investimentos sejam direcionados a países “particularmente vulneráveis” em vez de “países em desenvolvimento”, que, segundo as definições desatualizadas da Convenção das Nações Unidas sobre o Clima, ainda incluem países não pobres como a China ou Singapura (cuja riqueza, por cidadão, será o dobro da de cada europeu). No entanto, em Baku, houve avanços e delimitações de países (que queriam mais, claro).

4) A caminho de Belém

A votação com que terminou a COP29 foi surpreendentemente rápida (cronometrada por jornalistas que a acompanhavam) e terá desanimado alguns dos participantes mais esperançosos, mas quando se esperava que esta COP fosse um placeholder (marcador ou “base para COPos), parece ter sido aberto algum caminho para determinação de conceitos climáticos e para compromissos de investimento, públicos e privados.

Enquanto o Presidente Joe Biden desparecia na selva da Amazónia no meio de uma estranhíssima conferência de imprensa paralela ao G20, dias depois de ter sido reeleito um sucessor que já se revelou avesso tanto a intervenções em prol do clima, como a apoio financeiro ao estrangeiro, enquanto o consenso sobre o clima enfraquece na Alemanha, no Canadá ou no Reino Unido, ao menos este texto deixa gravados apelos (e compromissos) para que todos os atores atuem e parece que vão atuar.

O mesmo Financial Times já citado, noutro texto, editorial, veio afirmar que esta COP foi a prova de que “o multilateralismo ainda funciona” e criticar os ativistas climáticos que afirmam a conferência foi como pôr um “pequeno penso numa ferida de bala”, defendendo que o acordo de Baku demonstra o quão fácil e rápido é, hoje, envolver instituições financeiras e criar fontes inovadoras de receitas para tratar do tema do clima, dos transportes ou das encomendas. Não vivemos num mundo ideal, em que poderíamos ter um “preço de carbono” global ou uma coordenação perfeita entre países, mas, no mundo possível e real, em Baku tivemos uma COP melhor do que podíamos esperar e devíamos olhar para o lado meio cheio, e não desanimar até à COP30 do próximo ano no Brasil. Façamos como os Magos e tentemos seguir a estrela, com esperança, até Belém!