Opinião

A Europa não confia em Trump

Como foi a política externa de Trump no primeiro mandato? Apesar de não ter começado guerras, o resultado não foi positivo. Acordos inconsequentes, isolacionismo impositivo e o pior: o afastamento e desconfiança entre aliados. Que permanece

Nas últimas semanas antes da campanha americana, e agora ainda mais, surgiu a tese de que a política externa da primeira presidência de Donald Trump tinha sido um sucesso. Não tinha começado novas guerras nem os adversários da América se tinham atrevido a fazê-lo contra os interesses americanos. O resto era retórica. A tese tem alguma verdade, mas esconde o essencial. Os Estados Unidos, durante a presidência de Trump, perderam o que tinham de mais importante: a confiança dos aliados. E isso nota-se no começo desta presidência.

A tese parte da constatação de que durante a presidência de Trump a Rússia não invadiu a Ucrânia, mas invadiu-a durante a presidência de Biden. Com Trump, os Estados Unidos não saíram do Afeganistão à pressa, mas saíram durante a presidência de Biden. E que foi com Trump que se assinaram os acordos de Abraão, enquanto que durante a Presidência de Biden o Irão teve influência, o Hamas atacou Israel, o Hezbollah também, e assim se entrou nas guerras em curso no Médio Oriente. Parte desta análise é verdadeira, mas parte é enviesada, e outra parte deixa de fora o mais importante.

Trump, depois de ter patrocinado uma presença mais agressiva no Afeganistão, negociou com os Taliban. Não fez a saída, mas preparou-a, e não foi com os aliados que o fez. A Rússia não invadiu a Ucrânia, mas também não devolveu a Crimeia e a Ucrânia não recebeu o apoio militar que pediu. Por razões mesquinhas e eleitorais de Trump, que uma decisão partidária do Senado não desmente. E, finalmente, no Médio Oriente, é impossível olhar para o que se passou a 7 de Outubro do ano passado e não ver um rasto dos acordos de Abraão. Se a ideia era isolar e diminuir o Irão e ignorar a Palestina para resolver o assunto, não parece ter resultado. Se estes são os grandes sucessos, não parece que valha muito a pena repeti-los. Mas o verdadeiro problema é outro.

No final do seu mandato e perante a eleição de Donald Trump, Barack Obama apresentou Angela Merkel como a nova líder do Mundo Livre. Olhando retrospectivamente, nem Obama foi um grande Presidente americano para a política externa (mesmo na opinião dos seus apoiantes), nem Merkel é hoje vista como uma líder de quem se tenham grandes saudades. Da China à dependência energética da Rússia (que não iniciou, mas alimentou), da Ucrânia à nova opinião sobre a sua política migratória, o legado de Merkel não é visto como positivo, e menos ainda inspirador. Considerando o que fez na crise do Euro, como manteve a extrema direita distante e a Hungria limitada na sua deriva, provavelmente daqui a uns anos teremos uma visão mais distante e equilibrada. Mas essa é outra conversa.

Barack Obama tinha, porém, razão numa coisa. Trump não seria, não quis ser e não foi o líder do Mundo Livre, um título que os presidentes americanos gostam de exibir, para dar legitimidade moral ao domínio americano. E para o Ocidente, o Mundo Livre, essa diferença faz toda a diferença. Muito mais do que o balanço, o deve e haver, das suas decisões. Que, em todo o caso, não foi positivo, recorrendo à mesma análise.

Olhando para trás, a política externa da primeira presidência de Trump tem um rasto de isolacionismo dominante. Trump afastou-se dos aliados, que maltratou, tanto na Europa como no Pacífico; quis negociar um acordo de desmilitarização com a Coreia do Norte que foi apenas um espetáculo inconsequente; acelerou a rota de colisão com a China e conseguiu que alguns europeus alinhassem contra a Huawei, mas teve, e tem, os europeus divididos na forma como devem lidar com Pequim e, sobretudo, não determinados em agir alinhados com os Estados Unidos. Coisa impensável na Guerra Fria relativamente à União Soviética. Com excepção da Ostpolitk de Willy Brandt em diante, que tinha uma explicação regional muito óbvia.

Olhando para os grandes momentos da política externa da primeira presidência Trump, ressaltam duas ideias: uma visão ao mesmo tempo isolacionista e impositiva da posição americana, e uma tentativa de exibição de dotes negociais que não foram consequentes.

Olhando para o que aí vem, Roula Khalaf, num editorial do Financial Times, resumiu bem o que se espera: “uma nova ordem mundial em que a América exerce o seu poder de forma diferente, agindo menos como modelo da ordem Liberal, e mais como uma superpotência que espera que a sua vontade seja implementada”. Isto não é o retrato da América que lidera o Ocidente e o Mundo Livre. É o retrato de uma potência que impõe a sua vontade e que não está disponível para pagar o preço de ter aliados. E isso explica as reações na Europa.

No dia seguinte à eleição, reunidos em Budapeste – a ironia – os líderes europeus focaram-se na necessidade de a Europa investir mais em segurança e defesa. Não tanto porque Trump exige que o façam, com razão e muito mais veemência que outros presidentes americanos, mas, e esse é o grande problema, porque duvidam da determinação americana em manter o papel de garante da segurança do Ocidente. Essa desconfiança entre aliados é fatal. E essa alteração das prioridades nas preocupações dos líderes europeus é eloquente.