1.ª fatia) À hora a que escrevo este texto, as únicas “pies” que conhecemos quanto às eleições americanas de 2024 são as “pie charts” (ou “gráficos-tarte”) representados por círculos muito bem divididos, metade azuis, metade encarnados com as respostas de inquiridos. A generalidade das empresas de sondagens não se quer comprometer e prevê uma eleição 50/50, com probabilidades iguais para cada lado, e vantagens muito marginais em cada um dos sete estados que, neste momento, se crê irem ser decisivos na noite de 5 para 6 de novembro.
2.ª fatia) Neste momento, não sabemos quem irá ser o próximo presidente dos EUA (nem quando!) e temos poucas pistas para apostar com solidez quem irá vencer o voto popular e, principalmente, o Colégio Eleitoral (o conjunto dos “Grandes Eleitores” que representam cada um dos 50 Estados que irão votar no próximo presidente).
3.ª fatia) Este Colégio Eleitoral tem raízes históricas: há 250 anos não havia televisões, debates e candidatos conhecidos por toda a América. Em cada Estado, escolhiam o seu “primus inter pares”, os melhores dos melhores, para irem, primeiro, a Filadélfia, e, depois, para Washington D. C., votar a Constituição ou escolher o nome do Presidente. É por isso que a Constituição fixa que as eleições devem acontecer na primeira terça-feira de novembro (o primeiro dia depois do “fim das colheitas”, supostamente não frio ou chuvoso demais) e permitir que carroças trouxessem os Founding Fathers ou os seus herdeiros desde as colónias, agora Estados, do norte, do faroeste, do sul, até à capital.
4.ª fatia) Também em 2024 e 2025 teremos vários passos e datas importantes: até 11 de dezembro, os Estados têm de decidir as controvérsias que possa haver, ao abrigo da lei eleitoral vigente, e, no dia 17 de dezembro, têm de votar no ticket presidencial. Ao contrário do que acontecia nas origens dos EUA, os “grandes eleitores” estão, à partida, vinculados ao resultado do seu estado: não é suposto que haja “faithless electors” (no entanto, só há leis a proibir estes “votos livres”, atualmente, em 33 estados – mas este número pode e tem variado, havendo propostas para tornar estes votos proporcionais aos resultados do voto popular). Chegaremos ao novo dia 6 de janeiro em que se contarão os votos no Senado, em Washington, D. C., antes da tomada de posse, a 20 de janeiro.
5.ª fatia) Para o dia/noite eleitoral deste ano, convém começar por gerir expetativas: há quatro anos, as semanas que passaram entre o dia das eleições e o dia da tomada de posse do Presidente Biden foram das mais agitadas de que há memória na gestão de um processo eleitoral. E passaram quatro dias até que os canais de televisão e restantes meios de comunicação social declarassem o vencedor da Pensilvânia. Não foi na terça-feira, mas no sábado, que Biden veio fazer o seu discurso de vitória (e Trump nunca fez um discurso de derrota).
6.ª fatia) É difícil prever o que vai acontecer em 2024, mas muitos dos fatores que se reuniram em 2020 continuam em jogo. O primeiro desses fatores prende-se com a circunstância de termos uma eleição muitíssimo renhida (mas poderemos perceber, logo com a divulgação dos primeiros resultados, que não vamos ter uma eleição desse tipo e há um candidato com um caminho claro para a vitória). Em segundo lugar, teremos novamente muitos “provisional votes” (votos provisórios, em que falta algum elemento de identificação do eleitor, por exemplo). Como terceiro aspeto, sabemos já, houve muitos votos antecipados ou votos enviados por correio.
7.ª fatia) Quem tem acompanhado mais de perto estas eleições sabe que se aprendeu muito com as eleições de 2020, até porque já não vivemos a pandemia que, então, condicionou muitíssimo as contagens de votos. O número de votos antecipados ou por correspondência foi maior do que nunca, com os “contadores” a terem de estar a 6 metros uns dos outros e as incertezas e as impugnações judiciais a serem enormes, havendo hoje várias leis que supostamente facilitam as contagens e que deverão antecipar a divulgação de resultados em, pelo menos, alguns dos estados determinantes, como a Pensilvânia (que aprovou medidas com apoio de ambos os partidos que incentivam à divulgação de resultados até à meia-noite de Filadélfia – 4 horas da manhã de Lisboa).
8.ª fatia) Caso a Pensilvânia venha a anunciar Trump como vencedor, é muito provável que fiquemos a conhecer o próximo presidente nesse momento, sabendo que dois estados do sul – a Georgia e a Carolina do Norte (dois swing states que se prevê estarem mais inclinados para o candidato republicano) – deverão ter votado no mesmo sentido. É normal haver um dominó de resultados e, então, Estados como o Michigan ou o Wisconsin poderão fazer o que fizeram em 2016 e 2020 e votarem no presidente-eleito (seja republicano ou democrata). Também podemos ter um Iowa a votar Kamala, em vez de Trump, e cheirar uma tarte ou ver um mapa mais azul, mais cedo do que esperamos.
9.ª fatia) Atualmente, na realidade, parece haver mais caminhos para que a noite de terça para quarta tenha uma vitória republicana, especialmente se a Pensilvânia lhes facilitar a vida (e não aconteça algo de completamente inesperado como uma vitória de Kamala na Florida ou no Texas). De qualquer forma, há dois batalhões de advogados no lado de cada partido prontos a contestar regras eleitorais (isso já está, aliás, a acontecer, com os votos antecipados), pelo que podemos demorar muitos dias até ter um discurso de vitória e um candidato proclamado pelos meios de comunicação.
10.ª fatia) Haverá ainda outra data-chave, 20 dias depois das eleições, a 26 de novembro, e Trump, eleito ou não, conhecerá a condenação do tribunal de Nova Iorque que o julgou antes do verão. É certo que é uma decisão ainda de “1.ª instância” (de um único estado, NY) e Trump só foi condenado quanto à matéria de facto (quem aprecia os factos é um júri “de iguais”, que representa o povo). Conheceremos esta decisão, suscetível de recurso, e é pouco provável que tudo fique resolvido e fechado antes da tomada de posse, em janeiro.
11.ª fatia) Note-se que esta decisão terá ainda de fazer as ponderações que se devem fazer para todos os condenados: Trump não tem cadastro criminal; estas são, apesar de tudo, infrações “menores” no sistema jurídico-penal; tem 77 anos e há várias medidas alternativas e não privativas da liberdade que costumam ser aplicadas nestes casos (e uma situação contrária poderá implicar que não há “due process”). Para aqueles que gritaram em sentido contrário: não é nada claro que qualquer condenação penal possa ter qualquer efeito – direto – em eleições (americanas e não só). Quando somos condenados, perdemos a liberdade (física, por norma, quando somos detidos), mas não os nossos direitos políticos, capacidade eleitoral ou outros. Podemos vê-los limitados temporariamente, mas, mesmo isso, é questionável (podemos votar quando estamos presos e devemos até poder ser eleitos).
12.ª fatia) Por fim, temos um mundo em ânsia – das montanhas do Grand Canyon aos desertos do Médio Oriente, dos gabinetes de Bruxelas às fronteiras da Ucrânia com a Rússia – para saber se, aberta a “American Pie” presidencial de 2024, nos saem mais frutos vermelhos ou azuis e se, com uma receita de bolo-rei mais português, nos sai uma fava ou um brinde de presente. Conhecer os resultados eleitorais é importante, mas conhecer os próprios elementos da Administração e os próximos passos do governo dos EUA vai demorar provavelmente quatro anos e até podemos ter boas surpresas (seja com Kamala, seja com Trump que já ocupou o cargo e conseguiu diversas conquistas, entre 2016 e 2020, a nível interno ou externo: bem elencadas pela Economist, no texto em que anunciou o apoio à sua rival, porque nos deixou e deixa a todos sempre em constante incerteza e indecisão sobre se o fruto que vamos comer é uma laranja doce ou azeda).