Opinião

As Causas. As incertezas do outono

Não acompanho os que agora afirmam que o Orçamento para 2025 já passou. No fundo tudo depende sobretudo de Pedro Nuno Santos. Ele tem uma crença natural belicosa e radical. Está a evoluir no caminho de maior sensatez. Mas ainda não está vacinado; e muito menos imunizado

A comunicação ao País do líder do PS foi antecipada para a passada 5ª feira para poder ser notícia no Expresso no fim de semana e para esvaziar a mobilização das tropas laranjinhas no Congresso de Braga.

Mas foi antecipada, sobretudo, para que o PS não sofresse “uma carga de porrada” (perdoem-me o plebeísmo, se puderem…) nesse Congresso, o que irritaria o orgulho dos quadros socialistas, dificultando a aprovação por unanimidade (e seguramente aclamação) da abstenção no Orçamento ontem votada no Largo do Rato.

Mas que decidiu afinal PNS? O Orçamento está viabilizado? Não vai haver eleições? E que vai fazer LM com esta vitória inequívoca?

É a tudo isso que hoje tentarei responder.

PNS: ERROS, TEIMOSIA E CORAGEM

Antes do mais são devidos elogios a PNS.

É verdade: Cometeu erros de estratégica e de tática, foi lunático ao colar a sua estratégia à esperança de que o CHEGA acabasse a viabilizar o Orçamento com voto a favor, foi indeciso num dilema semelhante ao das barbas do Capitão Haddock, mostrou insegurança.

E resistiu teimosamente durante meses ao que era óbvio: o PS se iria abster no Orçamento, como sempre afirmei.

Por isso eu disse, logo em 19 de março, que para a AD “outra das condições de sucesso será apresentar uma proposta de Orçamento para 2025 que não seja ‘ideológica’ (feita para ser chumbada), mas ‘política’ (que torne difícil ser rejeitada), ainda que sendo assim até possa ser útil ao PSD a rejeição”. Foi essa a opção de LM e assim seria sempre difícil ao PS não se abster.

Mas em 7 de maio também afirmei que sobre o Orçamento “apenas se evitará a crise política se o medo do PS a eleições em janeiro de 2025 for maior do que o medo de se abster e ver o CHEGA votar contra assumindo louros de líder da oposição”. O medo de eleições foi mais forte e sabia-se isso há meses.

E finalmente, logo no final de maio o Presidente da República foi claro: o PS tem de se abster na votação do Orçamento no final do ano e não fazer cair o Governo.

Mas, mais importante, PNS teve coragem da sair do dilema artificial em que se deixou acantonar, recusando o passo em frente para o precipício.

E fê-lo optando pela segunda das hipóteses que aqui adiantei há uma semana, continuando assim a comandar a sua própria estratégia até final de novembro e a condicionar o Governo e o CHEGA.

ORÇAMENTO: A PROCISSÃO JÁ SAIU DO ADRO?

O que prometeu PNS? Que com a sua abstenção é seguro que o Orçamento no final de outubro passe à discussão e votação na especialidade, e que na votação na generalidade em finais de novembro se irá também abster.

Também prometeu que nada fará que possa reduzir o previsto pequeno superavit criando um desequilíbrio nas contas públicas em 2025.

Mas não prometeu mais nada.

Por isso, o PS poderá apresentar propostas na especialidade (ou apoiar outras) que – respeitando o equilíbrio orçamental – alterem prioridades do Governo e lhe imponham outras soluções hipoteticamente inaceitáveis.

Se o fizer, uma de duas coisas pode acontecer: (i) o CHEGA abstém-se e a Esquerda consegue essas alterações; ou (ii) o CHEGA vota contra com a AD, inviabilizando-as.

Na primeira hipótese, pode começar o processo de desvirtuamento que se desenrolará ao longo de novembro e colocará ao PSD e CDS a opção entre render-se ou votar contra o Orçamento (em que o PS se irá abster, como prometido) fazendo que seja rejeitado.

Na segunda hipótese, o Orçamento não será (tão) desvirtuado, mas o PS e toda a Esquerda poderão começar a gritar que foi o CHEGA quem salvou o Governo da AD.

CONTENÇÃO, RAZOABILIDADE, PROPORÇÃO

Aqui, como em tudo, a contenção, razoabilidade e proporção são essenciais. O país perceberá que nalguns casos (por exemplo na redução de 1% no IRC) o PS vote contra o que não poderia aceitar e que mate algumas propostas ou elas tenham de ser viabilizadas pelo CHEGA. Mas é muito perigoso exagerar.

E também o CHEGA não deve exagerar (como fez há dias evitando a aprovação da regra – com que concordava - da “participation exemption” nos dividendos pagos a acionistas com mais de 5% e não apenas com mais de 10% do capital), castigando a AD pela forma como supostamente o isola, mas uma parte substancial dos seus eleitores não lhe perdoaria ser lesado em decisões que apoiam e menos ainda se acabássemos em eleições.

E a mesma regra se deve aplicar à AD: não pode ser arrogante e recusar toda e qualquer derrota na especialidade, devendo atuar com contenção, razoabilidade e proporção. Mas sem dúvida que a partir de um certo limite votar contra o orçamento desvirtuado será inevitável.

Por isto é que não acompanho os que agora afirmam que o Orçamento para 2025 já passou, quantas vezes os mesmos que durante meses achavam que seria rejeitado.

Há 6 meses que estou sistematicamente convicto de que vai tudo correr bem, mas continuo preocupado.

No fundo tudo depende sobretudo de PNS. Ele tem uma crença natural belicosa e radical. Está a evoluir no caminho de maior sensatez. Mas ainda não está vacinado; e muito menos imunizado.

LM: DOIS ANOS DE REFORMISMO?

Se tudo correr bem, LM tem quase dois anos até às próximas eleições legislativas, que se seguirão à posse do novo Presidente da República.

Realmente, é muito provável que daqui a um ano o PS vote contra seja qual for a proposta de Orçamento e que o CHEGA faça o mesmo, até porque ambos os partidos estarão a apoiar candidatos presidenciais que se opõem a Marques Mendes.

O que isto significa é que LM tem um ano e meio para revelar mais do que aquilo que com grande sucesso e qualidade conseguiu demonstrar nestes seis meses.

Até agora revelou que é competente, frio, um “fazedor” e um líder. Conseguiu desmontar a imagem de que o PSD é contra os pensionistas e os funcionários públicos e ocupar o espaço central do espectro político, sendo por isso já dificilmente contornável.

A partir de agora – sobretudo para ser derrotado no Orçamento para 2026 e se candidatar com esse programa após as presidenciais – deve preparar e oferecer aos portugueses uma estratégia de crescimento e desenvolvimento, sem falsos pudores ou receios de críticas da Esquerda.

Para isso pode aproveitar os (comparativamente) bons indicadores financeiros de Portugal para criar um ambiente muito mais propício ao progresso económico, feito pela atração de investimento (veja-se o caso Repsol hoje anunciado) e capital humano, que aposte fortemente na Liberdade e na criação de riqueza, que reduza o peso do Estado e do “estatismo”, sem o que Portugal irá continuar a ser atraído para a cauda da Europa.

E, claro, que aposte fortemente na redução do IRC (como lembra hoje o Diretor do “Eco”, “De acordo com o Índice de Competitividade Fiscal, Portugal é o quarto país fiscalmente menos competitivo da OCDE, em 35º lugar de 38”) e do IRS (reduzindo as taxas “across the board” na proposta orçamental para 2026).

Nada disso significa afastar-se da estratégia de preocupação social e assistencial e de atenção à máquina estatal (que levou o Chat GPT a considerar ser este um orçamento de Esquerda), mas antes – com esta consolidação - virar-se a seguir decididamente para a sociedade civil e para a base de apoio da AD.

Será afinal tentar ganhar as eleições autárquicas com um programa de reformas e estímulos que serão o núcleo essencial da proposta orçamental para 2026.

CENTRISMO E IMIGRAÇÃO, VIOLÊNCIA, “WOKISMO”

É nesse sentido que também se deve olhar para as propostas de LM para regular a imigração, enfrentar a perceção de violência e crime e rever o programa de Cidadania libertando-o do “wokismo” instalado.

Politicamente esta foi uma aposta centrista muito inteligente, como revela o facto do PS e do CHEGA terem engolido a minhoca, e com o anzol e a cana de pesca, e de muitos jornalistas não terem resistido ontem a soltar o que têm dentro, mostrando enorme parcialidade.

O PSD tem credenciais democráticas e liberais com que (a exceção é o PS de Mário Soares) nenhum partido pode ombrear. O aplauso unânime e em pé no seu Congresso à proposta sobre acabar com a parte “wokista” do programa de Cidadania não é adesão à extrema-direita, mas o sinal de uma preocupação do seu eleitorado e dos seus quadros. No fundo é líder quem também respeita os seus eleitores.

Enfrentar o problema da imigração desregulada é também responder a uma preocupação generalizada dos portugueses.

E também, por exemplo, dos espanhóis: como lembrei há dois meses, “sondagem recente em Espanha revela que 74% dos cidadãos querem mais controlo nas fronteiras, entre os quais 66% dos socialistas e 44% dos votantes do partido de Esquerda radical SUMAR”.

Aumentar a segurança dos portugueses e diminuir o receio de que a violência alastre (o que se passou ontem à noite na Cova da Moura não se pode varrer para debaixo do tapete) é preocupação que tem também adesão maioritária, sobretudo dos que vivem fora das zonas mais favorecidas em que habita parte muito relevante da classe política e jornalística.

Um partido centrista sintoniza com o eleitorado maioritário. Os radicais sintonizam com as suas franjas. E estes últimos incluem nas suas propostas o que possa atrair moderados descontentes, e que não tem de ser radical, mas radicalizando as soluções.

O PS – ao focar o seu combate à AD nestes temas, para dela se tentar distinguir – está a fazer exatamente o que LM deseja. É tão óbvio que até queima como o Sol de Verão.

O CHEGA – ao dizer que estas são suas bandeiras - está também a fazer exatamente o que LM deseja, a dar o sinal ao seu eleitorado preocupado, mas não extremista, que podem (voltar a) votar no PSD.

Não são os temas que são radicais, mas a forma como são tratados.

Agora o Governo tem ano e meio para tratar destes três temas de forma moderada, equilibrada, sensata e eficaz. Se o fizer, e se o PS continuar a pegar na estratégia do BE como arma de combate, admito que a maioria absoluta seja então alcançável.

Quem nessa altura andar pelas televisões talvez possa fazer-me a justiça de vir a recordar o que aqui digo.

ELOGIO

A Leonor Beleza. Voltou a aceitar ser a 1ª vice-presidente do PSD, que já fora com Marcelo em 1998, e foi a figura mais aplaudida do Congresso do passado fim de semana.

Só não será candidata presidencial se não quiser e acredito sinceramente que não queira.

Mas não tenho dúvidas que não há melhor na área do PSD e acho que será a única possibilidade de uma quinta vitória sucessiva desta área política nas presidenciais.

LER É O MELHOR REMÉDIO

Nem sempre os livros de memórias valem o esforço. Não é caso da trilogia de João Van Zeller (“Johnny Boy”, “Young Johnny” e agora “Johnny Man” que acaba de sair – como os outros nas Edições Afrontamento – e que aborda o período de 1970-1975).

O autor é um bom amigo, que fique registado, e este último livro - também como os outros - é magnífico na revelação de um tempo passado feita com muita qualidade literária e interesse histórico, neste caso sobretudo sobre Angola. Leiam e verão que não conseguem desligar da leitura.

Também muito interessante é o livro de Pedro Boucherie Mendes, “A Década Prodigiosa” (D. Quixote) sobre os anos 80 em Portugal, época da sua adolescência.

Para a geração de cada um deles é um regresso a um tempo que não esquece, mas para os outros revelam-nos Portugal em tudo o que nos define.

A PERGUNTA SEM RESPOSTA

O País ainda não terá sido informado convenientemente, mas o Diretor da Biblioteca Nacional, Diogo Ramado Curto, vai organizar um colóquio a propósito dos 500 anos da morte de Vasco da Gama. Ainda bem.

Tive o privilégio (que agradeço) de ter acesso ao programa, que merece encómios.

Mas, como “não há bela sem senão”, chegaram-me queixas (que o Público relatou na passada 5ª feira) quanto ao que aparenta ser uma desvalorização e menorização de origem burocrática ao Museu de Arte Antiga, que deveria ser a coroa de glória do Ministério, pois parece que a Ministra defende “a autonomia para todos os museus, monumentos e palácios, sem distinções entre si”.

A pergunta é óbvia: Tratar de forma igual o que é diferente passou a ser a boa política? Ou tratar o “museu mais importante do país” (Simoneta Luz Afonso dixit) como, por exemplo, o Museu Joaquim Manso ou o do Abade de Baçal não é uma “despromoção” do primeiro, seja ou não originada no último governo do PS?

A LOUCURA MANSA

Ontem no Jornal da Noite da SIC foi dado merecido relevo ao colapso da rede elétrica de Cuba com três noites em que houve quatro apagões.

Segundo vi na internet, e cito da revista “Exame”, “as autoridades cubanas culpam a crise energética por uma combinação de fatores, incluindo sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos e os danos causados por recentes furacões”.

A SIC, em peça que julgo estar assinada pela jornalista Teresa Canto Noronha, assumiu esta posição das autoridades cubanas sem o revelar, talvez por pudor.

A teoria é que sem sanções dos EUA e sem furações, Cuba seria o “Paraíso na Terra” prometido pelo comunismo. Ser uma ditadura inclemente, não respeitar a Liberdade e a Democracia, ter visto por exemplo entre 2022 e 2023 a população residente cair 18%, nada disso merece referência. Ao Governo de Cuba e, com pena o digo, à SIC.