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Opinião

O Estado capturado

Um dia inverteremos a pergunta de Kennedy: “O que é que este país faz por nós?” E, se não nos perguntarmos isso, não merecemos sequer o direito à indignação

Das muitas mudanças radicais que o 25 de Abril nos trouxe — quase todas inevitáveis, tardias e bem-vindas — houve uma que foi sendo feita subterraneamente mas que aos poucos mudou também a estrutura do regime: a passagem do Estado Corporativo ao Estado das Corporações. O Estado Corporativo, inspirado no modelo social-fascista italiano, visava o controlo do mundo laboral, substituindo o sindicalismo livre e democrático pela sua integração numa amálgama de interesses opostos e naturalmente conflituantes, mas onde, sob a autoridade do poder político, patrões e trabalhadores viveriam supostamente no melhor e mais pacífico dos mundos. Após o 25 de Abril, o PCP, como em tudo o resto, ensaiou a preservação do controlo do Estado sobre o mundo laboral através da unicidade sindical e então em nome do invocado interesse exclusivo dos trabalhadores contra o capital. Essa foi a primeira separação de águas entre democratas e ditadores do proletariado após a Revolução, e devemos a Salgado Zenha a decisiva derrota dessa tentativa. Porém, o “ano de todos os perigos”, entretanto decorrido, deixara marcas profundas nos espíritos e nas lutas populares e, acima de tudo, a fatal crença de que o Estado, se não tinha de regular tudo, tinha de resolver tudo e a tudo acorrer. E, com o 11 de Março de 1975, essa crença degenerou na febre das nacionalizações — de bancos a tinturarias, de siderurgias a oficinas automóveis — como solução milagrosa para toda a economia. E, claro, descambou na primeira falência do Estado.