Há um ano, teria ignorado. Somos as nossas circunstâncias. Todos aqueles títulos sobre o assunto ter-me-iam, no máximo, irritado. Agora, não consigo deixar passar. Elle Macpherson, a supermodelo que nos anos 80 ficou conhecida por “The Body”, está há sete anos a lutar contra o cancro da mama e encontra-se, pelos vistos, em “remissão clínica”. Bom para ela. O busílis foi anunciar ao mundo, para publicitar a sua autobiografia, que chegou a este ponto por recusar a quimioterapia prescrita por 32 médicos. Dá um certo ar de valentia e arrojo, não é? Bem sei que todo o doente tem o direito a recusar tratamento. Mas a questão é que a ex-modelo, ao contrário do que alega, não enfrentou o “grande complexo industrial farmacêutico”. Ao dar a entender que a quimioterapia é algo opcional, fez com que as suas palavras se tornassem “perigosas”, “irresponsáveis e “enganadoras” como afirmaram fundações do cancro da mama por todo o mundo. Posso falar como companheiro de quem continua a passar por este processo — o que é completamente distinto de estar a passar pelo processo em si, bem sei. Mas é impossível ficar indiferente ao ler que a empresária que promove produtos de bem-estar de dondoca rica com achaques negacionistas, um sucedâneo da banha da cobra da Goop de Gwyneth Paltrow, foi para uma praia em Miami ouvir a sua voz interior para “ser verdadeira consigo própria e a natureza do seu corpo”. Que lhe disse para recusar a quimio, imagine-se. E a ex-modelo australiana comprou um rancho em Phoenix, no Arizona e juntou uma equipa de terapeutas alternativos, que incluía um “dentista holístico”. Mas a questão é que se Macpherson afirma que a quimioterapia é “um beijo da morte” é porque sabe que no seu caso até era possível arriscar negar o tratamento. Porque a quimioterapia é exatamente o que salva a vida de milhões de pessoas. Claro, podem sempre optar por acreditar numa modelo com aspirações a guru do wellness.