Opinião

A eleição da extrema-direita e o aeroporto do regime

Em maio de 2024, após o abril mais quente desde que há registos, após o ano mais quente desde que há registos, subiu um aplauso generalizado na imprensa e na política portuguesa sobre avançar para a construção de um novo aeroporto. Isto acontece no momento antes das eleições europeias que vão resultar na conjugação política mais negacionista climática da história da Europa. Um guião exagerado de um filme explosivo de Hollywood? Nada disso: é o resultado da guerra que o capitalismo suicida declarou à Humanidade

O planeta está à beira de entrar em roda livre, com a circulação do Atlântico Norte em risco e com mais um exemplo da guerra climática no estado brasileiro do Rio Grande do Sul, uma área maior do que o Reino Unido, debaixo de água. As perdas de colheitas de arroz, batatas e soja, entre outras, levaram a uma subida de preços da comida, acompanhando a crise de custo de vida generalizada enquanto são criados mais bilionários do que nunca. Estes factos já nem sequer são negados, mas normalizados e desligados da sua origem: a queima de combustíveis fósseis cujo aumento continua a ser promovido em todo o mundo. Por quem? Pelos decisores políticos e económicos.

Este é o ano em que vemos uma grande ascensão da extrema-direita, cujo programa já é transversal em quase todo o establishment político - sobre migrações, sobre ódio à diferença, sobre guerra e militarismo, sobre o apoio ao massacre na Palestina, sobre o rumo determinado em avançar para o colapso climático. Estes fenómenos estão todos relacionados uns com os outros, são o plano de batalha final do capitalismo contra a sociedade e o planeta. Separá-los entre si é não compreender os cenários de futuro que a crise climática implica. Até este momento o programa de extrema-direita está a “ganhar” de forma total, embora saibamos que essa vitória significa o colapso da civilização.

O aplauso à construção de um novo aeroporto de Lisboa e expansão do velho é apenas mais uma evidência. Portugal, como o continente europeu, precisa de cortar radicalmente emissões de gases com efeito de estufa e preparar-se para um clima e um território muito diferentes do que aqueles que existem hoje. Em vez disso, governantes e empresas lançam novos projetos para aumentar as emissões. Mesmo perante a degradação climática aprovam mais projetos de morte, como a construção de mais pontes e estradas num país que já tem uma cobertura de mais de 16 mil kilómetros de estradas contra perto de 3 mil de ferrovia. A medida do apuro em que estamos a nível nacional é representada no inacreditável acordo político sobre isto, em que nenhum partido se opõe à construção de um novo aeroporto. Isto dá-nos uma imagem clara da divisão entre a maioria absoluta da representação política e a resposta à crise climática, a maior crise da história da Humanidade.

O projeto do aeroporto de Lisboa, como outras fábricas de morte que operam por essa Europa fora, terá de ser travado. Todas as respostas dizem que terá de acontecer sem o apoio da esquerda institucional.

Na Europa, o anúncio desesperado de tentar constituir uma espécie de linha vermelha à extrema-direita por parte do centrão europeu com o apoio da esquerda não passa disso: desespero. A extrema-direita não será isolada por parte da direita europeia, ou sequer pelo centro, diga o que disser. O Partido Popular Europeu já integrou amplamente as medidas essenciais dos dois grupos de extrema-direita ECR e ID. Desenhar a trincheira política dos nossos tempos na definição do que é a extrema-direita é garantir a derrota, até porque as movimentações à extrema-direita podem levar à criação de novos grupos políticos.

Mas Socialistas Democratas no Parlamento Europeu apoiam a política migratória de extrema-direita. Verdes e Social-Democratas alemães (e tantos outros) apoiam a remilitarização da Europa e a criação de Forças Armadas Europeias. O establishment de Bruxelas aplaude a chacina em Gaza. O programa de capitalismo pintado de verde aprofunda a crise climática e ambiental e é apoiado por todo o centrão. Mas o acordo sobre não romper com o capitalismo é muito mais forte. Que espécie de linha vermelhas espera a esquerda conseguir aliando-se com quem, para travar a extrema-direita, lhe adopta o programa quase todo? Que espécie de alternativa espera construir ao aceitar uma linha que desenha uma aliança que inclui o colapso climático? Que alternativa é, quando esta aliança é muito maior do que a aliança pelo autoritarismo, incluindo a quase totalidade do espectro político que se apresenta a eleições no próximo dia 9 de Junho?

As sondagens europeias deixam poucas dúvidas sobre o resultado: bem-vindas a uma Europa cuja representação política será maioritariamente negacionista climática, maioritariamente racista, sexista, anti-LGBT, militarista e autoritária. Que haja uma maioria compreendida por EPP, ECR, ID e as extremas-direitas do AfD alemão e do Fidesz húngaro, em que Liberais, S&D e Verdes se somem pontual ou permanentemente à aliança reacionária é conjuntural.

Mas há algo estrutural: a questão política central não só deste ano, como desta década e da história da Humanidade é sobre a capacidade política para travar a guerra que o capitalismo declarou contra a sociedade? A resposta que recebemos atualmente da esquerda institucional é que não. O que deixa claro que esta guerra terá de ser travada por uma política popular nas ruas.