João Cotrim começou, com justificada ironia por aquele formato ter sido ideia sua, a desejar que o primeiro debate para as eleições europeias entre os candidatos do PS, AD, IL e Livre não fosse muito aborrecido. Foi só um pouco. E ainda bem.
Quem assistiu ao debate na SIC esta segunda-feira assistiu a uma versão próxima da realidade do que é a política europeia. À volta da mesa estavam os principais quatro partidos que negoceiam entre si no Parlamento Europeu as propostas que a Comissão Europeia apresenta. E, no essencial, os mesmos que também as discutem no Conselho, quando estão reunidos os diferentes ministros de cada Estado membro. Se juntarmos os Conservadores e Reformistas, de onde vem Giorgia Meloni e Petr Fiala, da República Checa, a fotografia fica completa. Falta Órban, que não se senta com mais ninguém. E se fosse há uns anos, quando o Syriza de Tsirpas governava em Atenas, faltaria a Esquerda Unitária, onde estão Bloco de Esquerda e PCP. Não por acaso, nessa época, depois da saída de Varoufakis do governo, falou-se em o Syriza se juntar aos socialistas europeus.
O que isto quer dizer, e que o debate mostrou, é que a política europeia é o resultado de convicções, negociações, compromissos e cedências entre opções diferentes mas não irreconciliáveis. Aquilo a que se assistiu no debate, mas não na maioria dos comentários seguintes nas televisões, jornais e sobretudo redes sociais, foi uma memória quase perdida de quando a política não era tão polarizada. E de como é possível não ser, continuando a ser sobre políticas e entre alternativas.
Marta Temido, Sebastião Bugalho, João Cotrim e Francisco Paupério não pensam as mesmas coisas. Nem coisas muito parecidas. Mas pensam coisas compatíveis e, sobretudo, compatibilizáveis. Sobre migrações, impostos, fundos e orçamento da União Europeia, alargamento e fases de integração, mutualização da dívida, alterações climáticas, defesa e a NATO, um eleitor não fica sem escolhas por causa do que os aproxima, fica sem soluções impossíveis por causa do que não os afasta. Daqui a cinco anos, aqueles quatro eventualmente dirão que as regras europeias poderiam ser muito melhores se tivessem sido exactamente como eles as queriam. E mais de metade dos eleitores, de diferentes metades de cada vez, sabem que se não fosse assim as regras europeias seriam muitas vezes menos aceitáveis para si.
O que se decide em Bruxelas é o resultado do que a Comissão Europeia propõe, depois de ter ouvido deputados, governos, e muitas partes interessadas, e os governos e deputados europeus negoceiam e finalmente acordam. E depois têm de ser aplicadas em 27 realidades diferentes. Nada disto se consegue com trocas de insultos, acusações de carácter, insinuações de que o outro é pérfido ou posições irredutíveis.
No fim do debate, lá em casa havia quem tivesse adormecido. Não é grave. A Democracia está bem quando um eleitor decidido quanto ao seu voto acha que num debate entre partidos concorrentes não há ameaças existenciais. E depois irá votar, para que o equilíbrio do prato da balança se faça mais para um ou outro lado. Mas sem correr o risco de virar.