De forma surpreendente, o Ministério do Interior húngaro confirmou estes mês que agentes de polícia chineses poderão, em breve, participar em patrulhas conjuntas nas ruas da Hungria. Ao abrigo de um acordo com o Ministério da Segurança Pública da China, os agentes dos dois países vão patrulhar zonas com grande afluência de turistas. De acordo com o ministério, esta medida vai “aprofundar a cooperação em domínios como a luta contra o terrorismo, o combate aos crimes transnacionais, a segurança e o reforço da capacidade de aplicação da lei”. Receia-se, porém, que a motivação do governo chinês seja mais simples: manter o controlo da sua diáspora a viver na Europa, sobretudo dos dissidentes.
Esta medida inclui-se no padrão de comportamentos do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que está constantemente a aprofundar as relações com Pequim. Numa altura em que a UE e os EUA alertam para a necessidade de não se tornarem demasiado dependentes de uma China cada vez mais autoritária, Orbán tem-se empenhado em construir uma “Abertura ao Oriente” na política externa húngara e em tornar-se o parceiro mais fiável de Pequim no interior da UE.
Em outubro, Orbán foi o único líder da UE a participar na cimeira da Nova Rota da Seda (BRI, sigla em inglês para “Belt and Road Initiative”) – estratégia de investimento do governo chinês em infraestruturas globais –, onde manteve conversações com o presidente chinês, Xi Jinping, e com Vladimir Putin. “Estamos convencidos de que esta é uma iniciativa que irá mudar o mundo, mudar a economia global e transformar o mundo num lugar que servirá o bem-estar de mais pessoas do que antes”, disse Orbán na capital chinesa. Durante o mandato de Xi Jinping, afirmou, as relações entre os dois países “atingiram um nível sem precedentes”.
A importância destas colaborações não deve ser subestimada. A Hungria tem impedido ou dificultado repetidamente as declarações da UE que criticam a China, nomeadamente no que respeita aos direitos humanos em Hong Kong. Ao mesmo tempo, Orbán tem aliciado as empresas chinesas para se instalarem na Hungria.
A CATL, fabricante chinesa de tecnologia e baterias, aparentemente com laços estreitos com o Partido Comunista Chinês, tem planos para instalar na Hungria uma fábrica de baterias no valor de 7,3 mil milhões de euros. Também a BYD, gigante chinesa de veículos elétricos, anunciou que iria construir a sua primeira fábrica europeia de automóveis na Hungria. Por sua vez, a maior base logística e de fabrico da empresa de telecomunicações Huawei fora da China situa-se na Hungria.
Um dos projetos mais emblemáticos da Nova Rota da Seda, o caminho de ferro Budapeste-Belgrado, atravessa a Hungria. Trata-se de um projeto que tem sido alvo de muitos atrasos e que causou controvérsia devido ao seu custo, alegadamente elevado, e à decisão do parlamento húngaro de tornar confidencial qualquer pormenor sobre o mesmo. O empréstimo para a construção deste caminho de ferro tem, sobretudo, origem chinesa.
No seu discurso eurocético, o enquadramento ideológico que Orbán faz da Hungria é com Estados autocráticos, como a China, a Rússia e as repúblicas da Ásia Central. Para Orbán, é lógico que a Hungria aprofunde os laços com estes países, dado o declínio do Ocidente. No entanto, o projeto ferroviário é um exemplo de como a corrupção é o principal motor das políticas de Orbán que se aproximam da China. A este respeito, foram divulgados documentos que revelaram que a família de Lőrinc Mészáros, o homem mais rico da Hungria e amigo de infância do primeiro-ministro húngaro, é um dos principais beneficiários económicos do projeto ferroviário.
Embora o conceito genérico de “Abertura ao Oriente” tenha servido de base ideológica, a elite no poder considerou-o sobretudo como uma oportunidade de negócio para acelerar a riqueza. As elites empresariais ligadas a Orbán já estão posicionadas para beneficiar dos investimentos chineses em fábricas de baterias na Hungria. O VSquare, que se dedica ao jornalismo de investigação, divulgou que as empresas chinesas estão a planear construir centrais de energia solar para satisfazer as suas necessidades energéticas, num investimento estimado em 2,5 mil milhões de dólares dos EUA. Segundo o VSquare, esta situação vai beneficiar as empresas húngaras ligadas ao governo que trabalham como subcontratantes, uma vez que dominam certos segmentos da indústria solar.
Aqui, o principal risco é que a expansão dos laços comerciais entre a Hungria e a China possa ajudar as elites políticas a consolidar o poder sobre o Estado e a sociedade, uma vez que se tornam um sorvedouro de fundos e carecem de transparência. Estes projetos aprofundariam, deste modo, a rede clientelista que Orbán construiu ao longo da última década e meia, e viriam a minar ainda mais a qualidade da governação e a confiança nas instituições democráticas do país. A China está a utilizar o “capital corrosivo” – que carece de transparência, responsabilidade e orientação para o mercado – para influenciar a elaboração de políticas na Hungria e noutros países, contribuindo assim para a deterioração da democracia na Hungria.
É com o objetivo de se apresentar como ator global que Orbán está a promover os seus laços com a China. Os investimentos chineses apoiam e legitimam a sua rede de corrupção clientelista e é provável que Orbán continue a contar com os investimentos de estados autocráticos como a China para reforçar o seu apoio interno. Por conseguinte, é provável que a Hungria de Orbán continue a ser um obstáculo no que respeita à tomada de decisões conjuntas da UE destinadas a contrariar a crescente influência global da China.
Para a UE, que tem pressionado os Estados-membros a “tomar medidas com menos risco de dependência” e, em alguns casos, a “dissociarem-se” de Pequim, deve ser motivo de preocupação a forma como determinados investimentos estão a ser utilizados para apoiar um governo cada vez mais antidemocrático.
Esta situação torna-se mais evidente no que diz respeito ao fornecimento de tecnologias limpas, um sector que a China domina. Na Hungria e no seu parceiro de Visegrado, a Polónia, há uma corrida para liderar a transição da Europa para os veículos elétricos. Esta corrida colocou a ênfase na necessidade de aumentar a produção de baterias de iões de lítio e, por sua vez, criou um clima em que o investimento direto estrangeiro está a ser ativamente aliciado pelos respetivos governos. No caso da Polónia, as dependências são tais que 70% dos painéis fotovoltaicos do país são agora fabricados na China. Embora este facto tenha começado a fazer parte do debate nacional, pouca gente, para além dos círculos de especialistas, parece preocupada com o jogo duplo em curso, dado o papel de Pequim como facilitador da agressão russa nas fronteiras da Europa.
A realidade é que, sem contramedidas adequadas, estamos a aproximar-nos rapidamente de um ponto em que áreas significativas da Europa Central e de Leste correm o risco de se tornarem dependentes da China e de se vergarem às suas exigências. Os impactos dessas dependências também não devem ser vistos exclusivamente através de uma lente local, umas vez que tais dependências prejudicarão e colocarão questões a longo prazo sobre a viabilidade futura do mercado europeu, dado o historial de Pequim em matéria de erosão da regulamentação e de promoção da corrupção nos países investidores.
O atual comportamento da Hungria – um país que já se encontra numa trajetória democrática descendente – e dos seus vizinhos deveria servir de aviso aos líderes da UE sobre a escala das dependências dos Estados-membros e os danos que, pela influência chinesa, podem ser causados na Europa.
Tradução de Nelson Filipe