Assim que abrimos os olhos, todos os dias somos bombardeados com uma catadupa de notícias de todos os males do mundo. Não é de estranhar que estejamos tão pessimistas, que desvalorizemos as coisas positivas e nos concentremos nas negativas, exacerbando-as até com agressividade e sem noção dos limites que a nossa sociedade há muito que definiu: a civilidade, a verdade, o desejo de ter – e de contribuir – para um futuro melhor para as gerações que nos sucederem.
Como referiu, há dias, Mário Centeno, as dificuldades económicas e sociais em que nos encontramos, sendo reais e que importa enfrentar, são muito menores do que há uma ou duas décadas atrás, pois, na verdade, emprego, salários e consumo nunca foram tão altos como agora. Mas para isso, é necessário fazer duas coisas fundamentais: continuar a investir na formação e capacitação das pessoas, um dos pilares fundamentais para as economias mais digitais e centradas no conhecimento, e também debater os problemas reais com base em dados reais, com informação completa e fidedigna. Não podemos bastar-nos com os dados filtrados pelos comentadores, ou adotar as opiniões mainstream dos círculos em que nos movemos, importa ter o trabalho de procurar factos para formar opiniões conscientes. Porque são essas opiniões que são a base das nossas decisões.
É claro que navegar por entre o ruído informacional quotidiano é difícil e consome tempo. Mas é obrigatório fazer esse investimento pessoal, sobretudo quando se trata de compreender as pistas para o futuro do país e do planeta, refletir sobre elas e decidir qual a posição a adotar, quer na vida privada, quer na vida cívica, incluindo nos atos eleitorais em que assenta a democracia liberal e a nossa sociedade.
Recentemente, a reunião do Fórum Económico Mundial foi lugar de discussão e de procura de soluções comuns para problemas transfronteiriços que são ainda mais desafiantes no contexto geopolítico e geoeconómico mais complexo das últimas décadas. Problemas como a segurança e cooperação num mundo fraturado por diversos focos de conflito; o crescimento e emprego para uma nova era mais próspera; a Inteligência Artificial como força motriz da economia e da sociedade equilibrando a inovação com os riscos sociais; e uma abordagem sistémica para alcançar um mundo neutro em carbono e positivo para a natureza até 2050, proporcionando ao mesmo tempo o acesso seguro e inclusivo à energia, aos alimentos e à água.
Por que razão devemos ocupar o nosso pensamento com estes temas, quando atravessamos várias ondas de contestação social e eleições internas? Porque não podemos ver a vida às fatias: não é possível resolver nada de forma sustentável para as pessoas e o planeta gerando desequilíbrios. Não podemos olhar para nenhuma reivindicação social sem compreender as suas razões profundas e todas as consequências que tem. Nem podemos olhar para quaisquer eleições como uma disputa entre as pessoas A, B e C, mas como os momentos em que escolhemos aqueles e aquelas que, com os seus projetos, melhor conseguirão um consenso social amplo em torno das políticas que proporcionem uma vida digna às pessoas, uma economia próspera e um contributo ativo para combater as alterações climáticas.
Por isso, é preciso ouvir opiniões e recolher dados, porque para formar uma opinião é necessário ter acesso à história toda. Este é um exigente exercício de responsabilidade individual num momento em que facilmente fazem caminho as narrativas pouco objetivas, parciais ou descontextualizadas. Narrativas que podem mesmo colocar em causa os alicerces do Estado de direito, democrático e social, quando se valem valer do descontentamento de alguns para colocar em causa a vida de todos e o funcionamento da sociedade e das suas instituições. Por isso, na Era em que temos mais acesso a dados, melhoremos as nossas capacidades de recolha e análise para formar opinião. E, no que concerne à nossa vida em sociedade, utilizemos essa opinião para escolher quem melhor representa as nossas convicções. Porque os atos eleitorais em democracia não podem ser uma representação de mera revolta autocentrada, mas de uma procura das ideias que melhor valorizam as vidas individuais e defendem os projetos coletivos, com o equilíbrio que se impõe.
No princípio era o verbo, frase com que começa o livro mais publicado do mundo, é uma excelente alegoria do que Yuval Harari conclui no seu Sapiens, História Breve da Humanidade: a criação da narrativa foi o fulcro do desenvolvimento da espécie humana. Não deixemos que se transforme num fator de ignorância, submissão e decadência.