Muito foi dito sobre a campanha da Ikea desta semana e o buzz que se seguiu. Li, acima de tudo, sobre a polémica relativa à parcialidade política da marca (que foi rapidamente esclarecida), avaliações do estilo de publicidade dita ‘de contexto’ ou da eficácia do humor.
Teve piada, sim, mas para quem está atento à evolução dos indicadores de confiança nos últimos anos, a leitura deste gesto e do seu sucesso poderá ser outra.
Entre o clima de descrença generalizada nos Governos e nos media, as empresas têm-se revelado consistentemente a excepção. O barómetro anual de confiança da Edelman, publicado a semana passada em Davos, continua a confirmá-lo. Lembro que a Edelman estuda a relação dos cidadãos com algumas das principais instituições na sociedade há mais de 20 anos. Não é pouca coisa. Nos últimos anos tem sido constante a culpa que é atribuída aos governos e aos media por serem forças desagregadoras. Mais, o facto de mais de metade dos inquiridos em países como Espanha, Alemanha, Reino Unido ou Estados Unidos considerar as principais instituições não confiáveis sustenta discussões sobre o colapso das democracias.
Quanto às empresas, 63% dos inquiridos concorda que são confiáveis (quarto ano consecutivo em que o valor aumenta) e, comparando com Governos, ONGs e Media são a instituição mais fiável e a única considerada ‘ética’ e ‘competente’ de acordo com o juízo da Edelman, a dita empresa de research e comunicação que tem um histórico de mais de 20 anos.
Outros estudos feitos à saída da pandemia já revelavam a crescente expectativa de que as marcas fossem propulsoras de estabilidade num mundo fracturado e em rápida mudança, mas, como é comum, todos os estudos que podia comentar não olham ao nosso país. Importa fazê-lo porque acontece a nossa realidade não coincidir com a internacional. Durante a pandemia foi isso que aconteceu. Era unânime que, em termos globais, a confiança nunca teria sido tão testada como naquele tempo e, na maioria dos países, as entidades oficiais não corresponderam com a segurança que as populações exigiam. Em Portugal, não só temas como as vacinas geraram muito menos polarização, como a confiança nas instituições não foi tão abalada. Nessa altura o nosso Barómetro C-Lab, que já tem hoje 14 anos de existência, provou que, não obstante variações de confinamento para confinamento, a confiança no Governo e nos Media, entre outros, estabilizou em valores próximos do histórico pré- pandemia. Isto é, não se podia considerar que tivesse havido degradação da confiança. Fomos constatando, aliás, que a obediência ou uma espécie de ‘pacto social’ foi sempre caracterizando a sociedade perante as restrições e regras.
Mas isso foi passado. Desde 2022 que a desconfiança nas instituições em Portugal regista deterioração. Os nossos dados, acabados de apurar agora em janeiro, voltam a confirmá-lo.
No meio deste cenário, o capital de confiança das marcas demonstra estabilidade e a nossa mensagem tem sido clara: este é um tempo de oportunidade para as marcas afirmarem a sua estabilidade num clima de crise permanente e ocuparem o vazio de confiança criado pelas demais instituições.
Voltando, finalmente, à campanha da IKEA.
Não sabemos qual será o seu impacto, mas sabemos que a ousadia de brincar com a falta de credibilidade das instituições foi tida no tempo certo. Sabemos que foi um momento importante para assinalar esta ‘distância’ das marcas ao Governo ou aos Partidos Políticos. Porquê? Porque esta distância é fiel ao que os portugueses realmente sentem.
Enfim, veja-se uma campanha que sabe ler o contexto a um nível bem mais profundo do que se supõe. O contexto para lá do contexto. Não é só saber ter piada.