Com sucessivos máximos de temperatura, baixos valores de humidade relativa, ventos mais intensos e longos períodos sem precipitação, colocam-se desafios que exigem um novo compromisso internacional de governança para melhorar a gestão do risco de incêndio.
A severidade das alterações climáticas pinta-nos um cenário negro para o futuro do nosso território. Apesar desse quadro, não baixamos os braços e reforçámos a ação climática com reformas estruturais.
Não foi por acaso que a Agência de Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) promoveu a Conferência Internacional de Incêndios Florestais (International Wildland Fire Conference - IWFC) a qual contou com a presença de mais de 1.200 participantes, de cerca de 80 países e na qual foi possível: i) reforçar a partilha de conhecimento; ii) intensificar a cooperação e a inovação; e iii) propor um modelo de governança do risco de incêndio.
Deste fórum resultou uma discussão técnica e partilha de informação, tão necessárias para assegurar que todo – e o melhor – conhecimento está disponível para habilitar uma eficiente cadeia de processos de apoio à decisão política.
Desde maio de 2021 o país passou a dispor de um Programa Nacional de Ação (PNA), que concretiza, no território continental, as opções estratégicas definidas no Plano Nacional de Gestão Integrada de Fogos Rurais (PNGIFR) aprovado em junho de 2020. Do mesmo modo, foram aprovadas – em outubro de 2021 – as regras de funcionamento do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR), foram constituídas a Comissão Nacional, 5 Comissões Regionais, 22 Sub-Regionais e 204 das 278 Comissões Municipais do SGIFR. Este edifício jurídico e institucional permite-nos afirmar que existe uma profunda reforma estrutural em curso. Temos cerca de 120 pontos focais identificados que representam 75% das entidades fundamentais para o SGIFR e para a atualização do cumprimento das metas, do progresso dos indicadores e da respetiva execução orçamental.
Agora, todos os (5) Programas de Ação a nível regional (PRA) estão aprovados num exercício bottom-up que dará frutos no médio e longo prazo. Com a descentralização de competências e com os contratos-programa, cada região e a respetiva Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) terá um quadro de metas para executar. Vários passos estão a consolidar esta reforma, mas este trabalho continuará para além de 2030, porque a reforma estrutural da floresta é um desafio para décadas e todos os anos o risco de incêndios aumenta com as alterações climáticas. Projetando a transformação geracional da paisagem podemos imaginar o tempo que é necessário para essa mudança.
Prevenir incêndios rurais graves não é uma tarefa individual: é uma responsabilidade partilhada que nos define enquanto nação. A forma como trabalhamos e organizamos, em comunidade definirá os resultados do nosso empenho coletivo. Com esta visão, teremos de enfrentar a adversidade da meteorologia e do despovoamento: i) olhando com ambição para as atividades económicas que podemos promover; e ii) convertendo as desvantagens do rural em oportunidades económicas de desenvolvimento. Com as matérias primas disponíveis, temos de dar valor ao tempo da natureza, dar valor à árvore, dar valor aos animais, dar valor aos ecossistemas, dar valor à biodiversidade. Podemos transformar e inovar com estes recursos, aplicando-os, para potenciar os setores farmacêutico, têxtil, agroalimentar, construção civil, transportes ou turismo.
O investimento em prevenção e combate de fogos rurais mais que triplicou: de 143 milhões de euros, em 2017, para 529 milhões de euros em 2022. Assim, foi possível aumentar 33% dos recursos humanos, 39% dos recursos terrestres e 23% de meios aéreos, mas a profunda reforma está, de facto, na alteração de paradigma passando do foco de investimento no combate para a prevenção: dez vezes mais em 2022 (324 milhões de euros). Assim, conseguimos baixar a exposição do património natural e da atividade económica ao risco de incêndio transmitindo confiança e previsibilidade nesses territórios.
Num estudo recente da Boston Consulting Group sobre "Perspetivas para a Valorização da Floresta Portuguesa" antevê-se que prosseguindo a integração das fileiras para a criação agregada de valor, o contributo do setor pode aumentar em 6 a 7 mil milhões de euros. Muito embora a produção florestal represente cerca de 1,9 mil milhões de euros por ano, o seu valor é limitado pelas externalidades negativas, entre as quais, os incêndios, que se estimam atingir cerca de 600 milhões de euros anualmente. Ora, investindo na prevenção gerimos melhor o risco de incêndio e podemos potenciar, desde logo, o setor industrial florestal que tem cerca de 18 mil empresas e emprega diretamente 92 mil pessoas.
As exportações dos principais produtos de origem florestal aumentaram consideravelmente dos 4,7 mil milhões de euros, em 2015, para os 7,1 mil milhões em 2022. Esta produção contribuiu para melhorar o nosso saldo da balança comercial, que aumentou cerca de 800 milhões de euros, desde 2015, atingindo os 3,3 mil milhões em 2022. Este é um contributo muito relevante para a estratégia de desenvolvimento sustentável do país, assim como, por outro lado, de melhoria dos salários dos trabalhadores.
A criação de valor permite aumentar salários e esta é uma trajetória que tem de melhorar no setor. De 2015 para 2021 o ganho médio mensal dos trabalhadores na Agricultura, Pesca e Floresta subiu dos cerca de 800 para 1.000 euros. Apesar deste aumento de 25%, a remuneração destes trabalhadores está cerca de 300 euros abaixo do ganho médio mensal dos trabalhadores do país e é claramente aquém das necessidades para fazer face à evolução da inflação. Por isso, temos de lutar por maior redistribuição de riqueza, acompanhando a tendência de criação de emprego e valor, aumento de exportações e melhoria do saldo comercial.
Apenas como referência para os próximos anos, com a concretização do PNA até 2030, Portugal beneficiará de 60.000 novos postos de trabalho no interior: 21.000 empregos diretos na gestão ativa do território e 39.000 indiretos em infraestruturas, logística e serviços gerados.
Estamos a transformar Portugal e o Plano de Recuperação e Resiliência também está a fazer o seu papel. Com as Agendas Mobilizadoras foram apoiadas a Agenda From Fossil to Forest e a Agenda Transform com um investimento para a área florestal de 289 milhões de euros. Por outro lado, também a Missão Interface apoia os Laboratórios Colaborativos (CoLab) com profunda vocação para facilitar o acesso de empresas às exportações nos mercados internacionais e para apoiar a atração de investimento estrangeiro em áreas de grande intensidade tecnológica. Na área agroalimentar e na área florestal temos cerca de 20 milhões de euros aprovados para os CoLab: Vines&Wines, Colab4Food, FeedInov, Food4Sustainability, SmartFarmCoLAB, ForestWISE, InnovPlantProtect e MORE. Todos eles, sem exceção, estão a prestar um enorme serviço ao futuro do nosso país.
Na gestão do território, tanto precisamos da sóbria visão republicana, como precisamos da inquietação típica dos empreendedores ou da iniciativa privada que procura arriscar criando valor onde ele não existe. Precisamos ainda, do sobressalto – cívico e institucional –, porque só assim conseguiremos prosseguir um caminho de recuperação do caos próprio dos incêndios. Só assim materializaremos o valor económico da floresta através da resina, da biomassa residual, da madeira, da cortiça, do papel, do mel, dos passadiços, do turismo, da agricultura biológica, da conservação da natureza e da biodiversidade… que cuida dos territórios vulneráveis, protege a natureza, cria negócio, gera investimento e investigação, fixa população, proporcionando um património natural saudável, qualidade de vida e criação de riqueza. Temos um Portugal inteiro por cuidar, gerindo ativamente o território, desde o caos dos incêndios à criação e distribuição de riqueza.