Opinião

Sobre o balanço de poder no Médio Oriente

Estamos perante um cenário pautado pela incerteza, com a possibilidade de a guerra contra Hamas alastrar-se e agravar-se regionalmente. Neste sentido, o equilíbrio de uma região é um processo muito complexo, que requer um entendimento aprofundado sobre os múltiplos poderes em jogo, tanto estatais como não estatais, e como estes podem afetar a estabilidade ou instabilidade da região

Aludindo ao artigo anterior que escrevi, a metáfora molecular é uma forma de compreendermos as interações voláteis, que podem levar tanto a entendimentos como também a circunstâncias explosivas, como vimos no ataque do Hamas. Aprofundando esta abordagem metafórica, almeja-se perceber o quão difícil é criar uma estabilidade regional no Médio Oriente, com balanços de poder onde para além das potências regionais, também temos os interesses dos atores externos, que procuram delinear a sua própria visão de como este Oriente imaginário deveria ser. Esta visão tem sido desafiada pelas posições cada vez marcantes de alguns países do Golfo, como a Arábia Saudita, que traçou a sua estratégia em ser o motor da diplomacia na região em prol da estabilidade regional. A semana passada foi importante para observarmos o equilíbrio de poder entre os atores, onde os movimentos das peças de xadrez podem ser indicativos de novas dinâmicas políticas num futuro próximo.

Se por um lado, a normalização das relações com Israel está agora congelada, isso não significa que estejam terminadas. Há um conjunto de fatores que vão determinar o reinício das negociações, e, sem dúvida, que no cerne da discussão estará a Palestina. Aliás, na dinâmica acelerada que temos observado no Médio Oriente, a solução para o conflito israelo-palestiniano foi, de certa forma, deixada de lado, o que terá tido influência nas circunstâncias atuais. 

O Irão emerge como um ator crucial nesta conjuntura, devido ao apoio que oferece ao Hamas. No entanto, a chamada telefónica entre o Presidente Ebrahim Raisi e o Príncipe Mohammed bin Salman, ocorrida há alguns dias, sugere um entendimento mútuo quanto ao apoio à Palestina. Apesar do apoio que o Irão manifesta ao Hamas, a perspetiva de um conflito regional não é desejável para o país. Também se tem falado muito sobre a possibilidade de outros intervenientes, como o Hezbollah, de entrarem na guerra. O movimento expressou a possibilidade de se envolver diretamente no conflito e devemos levar a sério todas as suas declarações, mas os ataques que conduziu foram limitados, e é pouco provável que entre numa guerra, dado que o Líbano se encontra numa situação frágil económica e socio-politicamente. 

Neste sentido, mesmo existindo um risco para a guerra se agravar, os países vizinhos já expressaram que desejam a contenção e não o alastrar do conflito. Vários atores, como a Turquia, o Egito, o Catar e a Liga Árabe, que recentemente se reuniu, manifestam-se contra a saída dos palestinianos de Gaza e procuram evitar uma escalada no conflito, sem, todavia, terem uma força política para mediarem. 

Infelizmente, neste contexto, existem poucas possibilidades de mediação. Mesmo que os reféns fossem libertados, o Hamas continuará e poderá lançar novos ataques e potencialmente, envolver outros atores. Para além disso, a incursão terrestre do exército israelita não garante a aniquilação do inimigo, mesmo que haja uma derrota militar. Movimentos como estes são também ideias abstratas e podem renovar-se com outros indivíduos, por isso, dificilmente desaparecem sem uma subsequente estratégia realista.

A entrada em Gaza será catastrófica, tanto para um lado como para o outro, apontando para uma vitória pírrica. O período que se segue é de extrema importância e incerteza, mas podemos prever alguns cenários. A continuação no poder da atual liderança israelita é pouco provável, e a questão de Gaza e o reconhecimento do lado palestiniano são fundamentais para a estabilidade. Será necessário realinhar interesses e estratégias, onde vários atores podem desempenhar um papel preponderante nas conversações entre Israel e Palestina. Primeiro, os atores próximos, como o Líbano, Síria, Jordânia e Egito, depois, os atores regionais, principalmente a Arábia Saudita e o Catar, sem esquecer o Irão e a Turquia. Para além disso, será necessário ter em consideração os atores não estatais, que estão cada vez mais empoderados. Os atores externos estão inevitavelmente presentes, tanto os Estados Unidos como a China, embora Pequim ainda não tenha manifestado uma posição muito veemente desde o início do conflito.

Os Acordos de Abraão preveem uma parceria com Israel, que, por sua vez, se quiser preservar as relações estabelecidas com esses países, terá que encontrar um entendimento pacífico com os palestinianos. A mudança de liderança palestiniana será crucial para que isto aconteça, necessitando do apoio de líderes árabes e israelitas, porque a paz só será possível se Israel reconhecer o outro lado. Um modelo alternativo para a ação palestiniana é imperativo, principalmente num momento em que o poder do Fatah está a decrescer, e o apoio ao Hamas, embora não seja maioritário, acaba por condenar o coletivo, tornando muitas vezes difícil a distinção entre quem poderá ser simpatizante ou não. Muitas destas pessoas, quando confrontadas com situações difíceis e injustas, acabam por ser empurradas para um caminho obscuro. Nada disto justifica o horror causado pelo ataque da semana passada no festival, nem a resposta arrasadora que atinge as populações inocentes de Gaza.

O tempo presente revela, de forma cada vez mais contundente, que nos encaminhamos irremediavelmente para uma direção, na qual a nossa humanidade se desvanece, e nos transformamos em meros receptáculos desprovidos de essência e vitalidade, subjugados unicamente ao anseio da violência e ao inevitável perecimento. A polarização e a extremidade, tanto da opinião pública como do comportamento humano, estão a agravar-se cada vez mais. Assistimos a tudo em direto, sem qualquer capacidade de influenciar o desenvolvimento dos acontecimentos.

O balanço de poder assemelha-se a uma arte química, na qual os elementos da distribuição de poder exigem muito trabalho, envolvendo vários atores com estratégias, diplomacia incisiva e negociação cuidadosa. Neste processo, as alianças e os acordos desempenham papéis importantes na busca de um equilíbrio, mesmo com distribuições de poder onde há várias potências dominantes. O Médio Oriente encontra-se num momento muito frágil, passando por uma transição e, agora, novamente numa situação incerta, embora favorecido pela mudança de paradigma com uma nova geração de líderes no Golfo, num ambiente que sugere a emergência da multipolaridade.

Nos últimos tempos, a palavra paz foi omitida do vocabulário político, sendo a guerra vista como a melhor solução para tudo. No entanto, a paz é parte integrante do equilíbrio de poder e não só é desejável, como também essencial, sendo o farol da nossa humanidade. Quiçá no final desta guerra, o Médio Oriente deixará de estar constantemente à beira do abismo, mas aspirará a estar à beira da plenitude.