Na passada semana, aquando da sessão em que participou na Assembleia da República de Portugal, a senhora presidente do Parlamento Europeu achou por bem desafiar a presidente do Grupo Parlamentar do PCP, deputada Paula Santos, a ir a Kiev, ao Parlamento ucraniano, dizer o que tinha dito nesse debate a propósito da guerra na Ucrânia.
Descontado o facto de se tratar de um mero passe de retórica inconsequente, revelador até de alguma estultícia, este pretenso desafio tem um sentido político que deve ser assinalado – até porque foi notícia – e que suscita alguns comentários.
O primeiro comentário é que a senhora Metsola não conhece a fibra de que o PCP é feito e finge não conhecer o que é hoje o Parlamento de Kiev. Se conhecesse o PCP saberia que este partido nunca se furta a defender publicamente as suas posições seja diante de quem for. Se algum partido português pode ser acusado de cobardia na defesa das suas posições, por muito contra a corrente que elas se apresentem, não será decerto o PCP. Mesmo quando essas posições são repetidamente falseadas para poderem ser atacadas, não com base no que são, mas na base do que se diz que são, o PCP não se acobarda. A defesa intransigente de uma solução de paz para a Ucrânia e a recusa de andar a toque de caixa dos tambores da guerra, são um exemplo disso mesmo.
Já quanto ao Parlamento de Kiev, a senhora Metsola não ignorará certamente, embora finja ignorar, que se trata de um simulacro de instituição parlamentar de onde foram banidos todos os partidos que se opõem ao partido da guerra, erigido numa espécie de partido único. Como sempre acontece quando forças neonazis assumem as rédeas do poder, os comunistas foram os primeiros a ser ilegalizados e presos, mas não foram os únicos. Depois foram outras correntes de esquerda, outros democratas, todos os pacifistas. Certamente que nem este Parlamento de Kiev estaria interessado em ouvir a posição dos comunistas portugueses nem o PCP estaria interessado em impor a si próprio o enxovalho de lá ir.
Mas passando à substância, o que disse afinal a deputada Paula Santos?
Cito:
“A escalada armamentista só traz mais destruição e sofrimento e prolonga e intensifica a guerra. É preciso parar de instigar e alimentar a guerra na Ucrânia, abrir vias de negociação com todos os intervenientes, que permita alcançar uma solução política para o conflito, a resposta aos problemas de segurança coletiva e do desarmamento na Europa, o cumprimento dos princípios da Carta da ONU e da Ata Final da Conferência de Helsínquia.”
Ao contestar esta afirmação, o que nos diz a senhora Metsola é que pretende mais destruição e sofrimento, o prolongamento e a intensificação da guerra. Pretende continuar a instigar e alimentar a guerra da Ucrânia em vez de abrir vias de negociação com todos os intervenientes. Recusa uma solução política para o conflito (mesmo sabendo que não pode haver outra) e que o que menos a preocupa é a segurança e o desarmamento na Europa.
Note-se que a solução defendida pelo PCP não está distante do que defendem as diplomacias de quase todos os países do mundo. As únicas exceções são os beneficiários da guerra (os EUA), a União Europeia (apesar de divisões cada vez mais evidentes), os demais países da NATO (e nem todos), e pouco mais.
De todos os continentes, da Ásia, de África ou da América Latina, surgem apelos e iniciativas de paz que recusam a visão maniqueísta que o autoproclamado “mundo ocidental” procura impor a propósito da guerra na Ucrânia. Posições como a da China, da Índia, do Brasil ou da África do Sul não significam o apoio a uma guerra em que, aliás, se recusam a participar. Significam o reconhecimento de que o caminho para que a NATO, a UE e Zelensky continuam a empurrar o povo ucraniano, recusando trabalhar para uma solução política que dê garantias de segurança a todas as partes envolvidas, é o caminho para o aprofundamento de um desastre que, desgraçadamente, se acentua a cada dia que passa.
Sucede, entretanto, que o discurso da senhora Metsola perante o Parlamento português foi feito numa semana em que centenas de imigrantes perderam a vida em mais um naufrágio no Mediterrâneo, onde milhares de homens, mulheres e crianças morrem por falta de auxílio das autoridades da União Europeia. Já que senhora Metsola gosta tanto de desafios, não quererá ir a um dos países de onde estes imigrantes são originários, por exemplo à Líbia, explicar as responsabilidades da União Europeia na destruição daquele país? Pode ser que eles compreendam.