Vai longe o ano de 1979 em que conheci o José Manuel Galvão Telles. Era eu um jovem estudante a quem o pai tinha acabado de faltar e que precisava de trabalhar para custear os estudos. Pessoa amiga e minha próxima proporcionou-me o contacto e, por essa via, o trabalho. Esse foi o primeiro favor que lhe fiquei a dever. Entre muitos outros.
Concluído o curso, comecei o estágio com ele. Que orgulho! Era um Advogado de mão cheia; costumava dizer-lhe que seguramente deveria ter começado a arguir assim que respirou pela primeira vez. Advogar estava-lhe no sangue, não fora ele de uma ilustríssima Família de juristas, em que despontavam, a par, os seus tios, Inocêncio (quem nesta profissão pelos seus brilhantes livros não estudou) e José Maria (este advogado e, porventura por isso, menos conhecido, mas seguramente não menos ilustre e sábio).
Grande no coração e no espírito, democrata de gema e Homem Livre, soube acolher-me prontamente, sabendo de antemão o quanto éramos diferentes na maneira de pensar, politicamente e não só. Quantas discussões fevrosas, quanta paciência ele teve. Para me ensinar, Direito e não só. Com ele aprendi muito, em todos os aspetos. Se hoje sou advogado e, porventura, melhor ser humano, a ele o devo. Não o esqueço e nunca o esqueci, mesmo nos momentos menos bons em que quis a vida que seguíssemos profissionalmente caminhos diferentes.
Com ele mitiguei inseguranças, abri o espírito a outros interesses – o que ele gostava de pintura – e absorvi saber. Saber como advogado; saber como pessoa e ser humano. Era um homem de esquerda e eu um imberbe à sua direita, provocador e assertivo, como a inexperiência da juventude o permite. Quantas horas de conversa, umas vezes amena e outras bem viva, mas sempre interessante, no seu gabinete ao final da tarde; eram autênticas palestras de ensinamento de cuja importância para a minha formação, profissional e pessoal, só mais tarde me apercebi.
Quantos exemplos de integridade me deu, nunca cedendo à advocacia de influência que os seus vastos contactos possibilitariam, sem esforço e que o poderiam ter feito rico a exemplo de outros que não resistiram ao vil metal e cederam a essa má prática cancerosa da profissão. Que sentido ético no tratamento e respeito pelos colegas e pela profissão e na intransigente defesa dos clientes. Que força e denodado empenho colocava nos seus casos. Oferecia a vida por eles, se necessário fosse. E arriscava. Os seus interesses pessoais e até a sua integridade física, como sucedeu no mediático caso em que foi advogado da viúva de um afamado líder palestiniano, assassinado por um comando terrorista no Algarve.
Se assumia uma causa, era até à morte. Dando tudo; sacrificando tudo. Era um Advogado de mão cheia. E um Homem grande. Amava a Justiça e a busca da Verdade e por elas tudo enfrentava. Fossem juízes, procuradores, interesses económicos, o que fosse necessário. Que Exemplo.
Obrigado por tudo Zé Manel. Perdemos um Grande Advogado e um Grande Homem. Ganhamos a sua memória. Para sempre.
* sócio da sociedade de advogados Vieira de Almeida