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Opinião

O mito da virgindade

A meu ver, a vida sexual de alguém inicia-se quando a pessoa tem a sua primeira experiência consciente de prazer sexual, seja sozinha ou acompanhada

O que nos dizem sobre a virgindade

“Os homens não querem ficar com mulheres que andam a esfregar o pipi em todo o lado.”

“Já foste rodada, né?.”

“Se foi só sexo oral ainda és virgem.”

“Disseram-me que ainda era virgem porque só tinha sexo com outras mulheres.”

“Mãe católica apregoava a abstinência até ao casamento.”

“É uma pena, porque não a podes recuperar.”

“Senti imensa pressão para escolher a primeira pessoa, tinha de ser especial. Quando perdi a virgindade culpabilizei-me porque não era o rapaz ideal. Deveria ter esperado mais tempo.”

“[A virgindade] é a tua honra”.

Estes foram alguns dos imensos testemunhos que recebi sobre o que disseram a mulheres sobre a sua virgindade ao longo do seu crescimento. A verdade é que, por muitos anos que já tenhamos civilização, continua-se a dar um peso enorme à virgindade da mulher e não à do homem. (Depreenda-se aqui pessoas cisgénero — pessoas que nascem com órgão genital masculino e se identificam como homens, pessoas que nascem com genitais femininos e se identificam como mulheres. Se isto a/o faz revirar os olhos com um “lá vem a juventude com estas modernices”, não desista já de mim e prometo explicar estas modernices numa outra vez).

Antigamente, era um clássico mostrar o lençol com sangue após a noite de núpcias. A mulher tinha de sangrar para garantir a sua honra. Ai dela se não sangrasse!

Lembro de ler esta questão em clássicos da literatura; de saber de raparigas que só faziam sexo anal para não perderem a virgindade; de ver séries e filmes de época em que se simulava a virgindade da mulher na noite de núpcias ao provocar sangramento em segredo ou com um corte noutra parte do corpo. Um destes últimos casos está presente na série Princesa Branca — em que Henry Lancaster, na noite de núpcias, faz um pequeno golpe no pé de Elizabeth York para que esta sangre e a corte pense que ela é virgem.

A verdade é que o preconceito continua lá, até na expressão “perder a virgindade”.

O verbo “perder” e a “primeira vez”

Tão tabu é a sexualidade da mulher, que não lhe vigiam “a honra”, como ainda se criaram eufemismos para a “perda da virgindade”, como “perder os três”. Ainda, deparamo-nos com este verbo: “perder”. Mas, afinal, perde-se o quê? Como escrevem a Dra. Nina Brochmann e a Dra. Ellen Støkken Dahl, em Viva A Vagina, esta noção encontra-se de igual forma na linguagem médica:

“A ideia de que a mulher é uma flor inocente e quetirar-lhe a virgindade’ é a mesma coisa que arrancar um botão de uma flor encontra-se inclusive codificada na linguagem médica. O sangramento que supostamente tem lugar quando uma mulher faz sexo pela primeira vez chama-se desfloramento.”

Além disso, a ideia da primeira vez é ligada a “tirar” algo, a “perder” algo, como se as mulheres se tornassem menos valiosas, como se perdessem algo. Uma vez ouvi que “as mulheres querem que aquele homem seja o último [com quem fazem sexo], e eles querem ser o primeiro homem delas”.

A primeira vez de alguém com outra pessoa não precisa de ser com alguém que se ame, necessariamente. Precisa de ser com alguém que se confia, precisa de ser com consentimento — senão nem é sexo, é violação. E, acima de tudo, a primeira vez deve ser como a própria pessoa sente que deve ser, sem expectativas acrobáticas, sem pressões sociais, sem obrigações. Queres que a tua primeira vez seja com o teu namorado/a que tanto amas? Força, usem proteção. Queres que a tua vez seja com um/a amiga/o de confiança? Força, usem proteção.

Enquanto a realidade de provar a “virtude” com o lençol manchado nos parece super distante, o mito da virgindade continua, quer no nosso país, quer em situações mais extremistas e distantes, como na Indonésia, que recentemente passou a considerar ser crime ter sexo antes do casamento. Isto põe-nos muitas questões, como, por exemplo, o que afinal pode ser considerado sexo?

Tradicionalmente falando, uma mulher “perde a virgindade” quando é penetrada por um pénis de um homem e o hímen é rompido. Fácil de definir, não é? Não.

E se o hímen não rasgar?

E se não houver sangramento? E se não houver penetração? E se for entre duas mulheres? E se for sexo anal?

E se for só sexo oral?

E se for só mãos e roço?

E se for penetração com brinquedos?

Mas afinal, o que é sexo?

Com consentimento, sexo é tudo o que dá prazer sexual. Não há um menu de entrada e prato principal.