Opinião

Costa e o lobo

António Costa, encostado ao seu grande programa – o OE chumbado no Parlamento – dedica-se a alertar-nos contra os perigos da direita. O problema não seria nenhum, salvo o de estar a banalizar, através do enredo que monta e do engano que propala, quais os verdadeiros perigos de alguma direita

Não vale tudo para se chegar ao poder? Perguntem ao líder do PS. Primeiro contra Seguro, quando uma vitória era poucochinha; depois, ao perder as eleições com Passos, saltando o muro e anichando-se nos regaços do BE e do PCP; depois, ao ganhar as eleições em 2019, deixando os regaços e tentando impor o seu jogo; agora, que há eleições, porque a última jogada não comoveu a sua esquerda, apelando ao voto e à maioria absoluta como única forma de travar uma direita terrível, que só ele e uns incondicionais veem.

Dessa direita faz parte Rui Rio, talvez o líder menos à direita que o PSD alguma vez teve. Mota Pinto ou Freitas do Amaral, que se coligaram com o PS de Soares, eram bem mais direitistas; mesmo Marcelo Rebelo de Sousa, que por diversas vezes deu a mão a Guterres, não será mais à esquerda. Mas – Costa dixit – não é bem de Rio que se deve ter medo; mas sim dos aliados. Quais? A Iniciativa Liberal? O CDS? Não, também não é bem desses; é de André Ventura e do Chega. Porque Rio não soube demarcar-se bem do totalitarismo e propostas violentas da extrema-direita.

Quem assim nos fala, propõe-se governar com o apoio de um partido proibicionista (já muito bem descrito no Expresso por Miguel Sousa Tavares, e ontem mesmo por esse perigoso reaça que é Manuel Alegre) e governou quatro anos abengalado por um partido (pelo menos) que deseja a extinção da NATO, ou seja a defesa da Europa; dois que apoiam regimes desumanos como a Venezuela e Cuba e um que também defende a ação dos russos onde for preciso, até no apoio aos ditadores da Bielorrússia e da Síria ou nas intimidações à Ucrânia (PCP).

A direita terrível que o PS nos pede para rejeitarmos tem propostas como a pena de morte. Quer dizer, não tem, mas podia ter; ou a prisão perpétua (na verdade só o Chega tem essa proposta, os outros partidos são frontalmente contra); quer a castração química (idem, idem, aspas, aspas) e, como o primeiro-ministro, recusando qualquer laivo de demagogia, afirmou: quando a prisão perpétua não é bem prisão perpétua (numa indireta a uma tirada infeliz de Rio, no seu primeiro debate), a pena de morte pode não ser bem pena de morte e a igualdade homem/mulher não ser bem igualdade. É verdade! Rui Rio, Cotrim de Figueiredo e Francisco Rodrigues dos Santos podem bater com a cabeça numa coisa qualquer, e passar a defender o que condenam.

Revertendo os argumentos: quando a extinção da NATO leva à preponderância militar de russos e chineses; quando os modelos de Cuba e da Venezuela são elogiados; quando o Euro é uma moeda da qual nos devemos retirar, quando a caça deve ser proibida e o veganismo recomendado, rapidamente se cai para a ideia de destruir a nossa sociedade liberal democrática.

Assim, pela lógica de Costa, temos frente a frente um bloco protofascista, de que Rio é o comandante; e um bloco pró-comunista, de que ele próprio é o chefe.

Ficamos elucidados.

Bem sei – tenho mais de 40 anos disto – que as eleições são propícias a exageros. Mas vivemos tempos difíceis, tempos de incerteza a mais, combinados com o exagero e excesso de convicções. Nada disto teria importância se o primeiro-ministro, o nosso primeiro-ministro, o líder de um partido fundador da democracia e alicerce do nosso estado social, não pretendesse confundir o que existe e o que não existe, com o mero fito de obter votos.

Há coisas que não se fazem e penso que António Costa sabe bem quais são. Que o debate seja em torno dos impostos e escalões do IRS e IRC, da TAP, das pensões e reformas, do modelo de desenvolvimento económico, das alterações do ambiente, das liberdades pessoais (vulgo temas fraturantes) é um bem. Que se tente dividir o país entre vulgares arruaceiros (a direita) e praticamente santos, a esquerda que Costa admite no clube, é triste. Costa chama pelo lobo quando ele nem vem a caminho …  o que faria se ele viesse mesmo por aí?