Opinião

Já correu mal tantas vezes que quando começa a correr bem uma pessoa nem sabe o que fazer

Não basta ter um carro potente e todo o combustível necessário se não (souber) usá-los. A mudança que todos desejamos está na coragem de romper com o conhecido a fim de seguir na direção do desconhecido. Uma crónica da psicóloga clínica Sara Ferreira

Uma vez alguém disse-me que sempre que uma pessoa está para dar um novo e importante passo na direcção de se tornar mais inteira e completa, morremos de medo. Que o medo – este medo, misto de apreensão e de ansiedade diante de algo incrível que vai acontecer – nada mais é do que o ‘Ego’ a acusar o toque de que sabe que algo vai ser transformado para sempre e que, de alguma forma, nada mais vai ser como foi um dia. E o ‘Ego’, que passou anos e anos ocupado em construir uma identidade (muitas vezes associada a um determinado “problema”), detesta mudanças de grande porte - porque nestas mudanças, uma parte dele acaba por morrer.

Há pessoas que agem com a felicidade como um cão “neurótico” que enterra o osso, mas que nunca o tira de lá. Passam uma vida toda a adiar essa responsabilidade boa de usufruir uma parte essencial e presente a cada minuto da vida.

O medo da felicidade, ou o medo da mudança, é o entrave que o mantém no exacto ponto em que você se encontra agora e que impede grandes avanços. Temer sair da actual situação significa ter a ilusão de estar no controlo de tudo. No fundo, quem receia qualquer mudança tem medo de viver, pois a vida é feita de transformações, sob pena de, se não as conseguirmos acompanhar, ficarmos fadado(a)s à estagnação, à frustração e à insatisfação crónica.

O medo de sofrer que carregamos é fruto, na maior parte das vezes, da tentativa excessiva de controlo e até uma certa presunção de sempre ter cada passo monitorizado. Estranhamente as pessoas que nunca mudam ou se arriscam são aquelas que mais reclamam de tédio e infelicidade.

O medo pode realmente atrapalhar imenso a nossa vida, mas só se o permitirmos. As situações de mudança exigem que nos preparemos para lutar e esforçar por uma nova adaptação, quando já estávamos acomodados (e acostumados) a uma realidade que,
boa ou má, era aquilo que já conhecíamos e da qual já sabíamos o que esperar.

Tudo isto contribui também para que as pessoas temam as mudanças e resistam a deixar a ‘comodidade’ incómoda da sua “zona de (des)conforto”, mesmo quando sabem antecipadamente que as mudanças serão positivas.

Sim, a necessidade de controlo e o medo de mudança andam juntos, mas podem ser trabalhados e superados a fim de uma pessoa conquistar a coragem necessária para alcançar os seus objectivos.

Sabe quais são os dois maiores e mais secretos medos dos seres humanos? Eu digo-lhe. O medo do fracasso e (por incrível que pareça) o medo do sucesso.

Você já percebeu como o medo do fracasso pode ao longo do tempo estar a sabotar muitas conquistas?

Preste atenção:

– Quantas vezes você deixou de solicitar alguma coisa só porque tinha medo de ouvir um “não” como resposta?
– Alguma vez deixou passar a oportunidade de fazer uma declaração de amor porque pensou que poderia ser rejeitado? E se não fosse?

– E aquela ideia brilhante que você teve um dia, mas por medo de não conseguir implementá-la, nem sequer a colocou como meta futura e hoje, tempos depois, a vê realizada por outra pessoa mais corajosa?

Pense nisso… Porque é sempre tempo de fazer algo por si mesmo(a). Afinal, a verdade é que só você poderá realizar os seus sonhos, ninguém mais!

Nós, portugueses, além deste 'pânico' em relação ao fracasso, ainda temos muito medo da felicidade e do sucesso, e de toda a responsabilidade que eles nos trazem.

Por isso, vemos diariamente tanta gente com um potencial luminoso escondido numa angústia "inexplicável", sem coragem de mostrar ao mundo a sua própria finalidade de existir – e inclusive de fazer o melhor pela evolução deste planeta, bem como de dar oportunidades de crescimento aos outros, descobrir a cura para as suas doenças, ensinar o que sabe fazer tão bem, fazer a diferença na vida de muitos.

Então, aqui entre nós, você sabe porque vive o que vive?

Obviamente que a resposta a esta pergunta será diferente para cada pessoa, mas – regra geral – existe sempre um factor que colabora (ou não) com o que seria o alcance da felicidade (seja lá o que isso for para cada um): auto-sabotagem.

Porém, note o seguinte. A auto-sabotagem não é uma bruxa má que habita no seu inconsciente só à espera de destruir as suas melhores realizações. Ela é uma tentativa da sua mente de manter o ‘status quo’ dos modelos internos dinâmicos do Self (sorry pelo chorrilho de ‘palavrões’) e garantir que nenhuma grande mudança ocorra e abale a manutenção do equilíbrio aparente da sua vida.

Ainda que o resultado final seja uma estranha sensação de que está tudo mal, o objetivo da auto-sabotagem é garantir o seu bem-estar (o cérebro procura despender o mínimo possível de energia e não *necessariamente* assegurar a sua felicidade).

A base da auto-sabotagem é uma mentalidade primária e infantil que nos habita e ainda anseia por viver sem grandes responsabilizações ou obrigações. É aquela parte da mente que quer comer loucamente tudo o que, o quanto e quando quiser, que não quer tomar banho, que quer brincar para todo o sempre com o(a)s amiguinho(a)s e sentir-se uma princesa ou o super-homem, sem esforço ou interrupções.

Ou seja, a auto-sabotagem é um mecanismo de protecção da sua identidade.

Na maior parte das vezes, as pessoas que acabam sempre por sabotar a sua própria felicidade possuem uma megalomania secreta que as impede de tentar algo com acções práticas e efectivas, simplesmente, porque temem ter a sua auto-imagem idealizada corrompida.

Com este mecanismo, conseguimos inconscientemente uma proeza: não confrontamos a realidade (e isso é o mais importante para a defesa do nosso “ego”) e mantemo-nos no sonho potencialmente bom, ainda que nunca comprovado.

Penso que a vida – na sua parte mais substancial – nada mais é do que este enfrentar as borboletas no estômago e esperar que elas se mantenham sempre coloridas; arriscar mesmo com medo de ‘perder’ e avançar na direcção do desconhecido ainda que, na maior parte do tempo, você nem saiba ao certo o que é que está a fazer (a não ser seguir o seu coração).

Porém, na vida, tudo é Experiência... Tudo o resto é mera percepção. Então, que vivamos “A Experiência” da forma o mais intensa e significativa que pudermos.

Vamos fazer um exercício.

Para isso, precisa olhar para si com honestidade, sem se julgar e com um olhar construtivo, tudo bem?

– Diga-me exactamente de que formas você se sabota, se abandona, se atrasa com atitudes inadequadas para a realização dos seus sonhos?
– Diga-me agora, a partir de um olhar de quem se quer transcender e, para isso, precisa de maturidade para se percepcionar de forma objectiva e realista, o que gostaria de mudar? Não como quem está a reclamar de não conseguir fazer diferente. Por ora, deixe isto para trás e venha(-se) a si mesmo (pardon my french) com uma energia aberta e com o olhar para o futuro.

Que este espacinho seja uma oportunidade de treinar a auto-análise sem auto-julgamento ou auto-punição. Apenas clareza e direcção. De quem quer parar de se sabotar e passar a levar(-se) a si e à própria vida mais a sério. Primeiro passo? Oh mais oui, ooh, Inteligência emocional.

Como muitas pessoas, houve um época em que eu também ficava o tempo todo a choramingar pelos cantos e a perceber nítida e dolorosamente como a minha vida era diferente daquilo que eu realmente queria. No mansinho plenilúnio de certos serões ao luar, de beicinho caído costumava perguntar: “ Mas porque é que as coisas boas estão tão distantes?”

Pois é, eu ficava a pensar em coisas longes, futuras e equivava-me do único tesouro que *realmente* existe: o agora.

Sabe a tal da cura, o foco ou a solução para o seu mundo interno que você diz que quer? Começa com aprender técnicas para tornar o único espaço de tempo que você tem agradável: o agora. Em si. Enquanto você não souber acalmar-se, acolher-se e centrar-se perante os desafios a vida (os Outros, Deus ou o Universo, conforme lhe queira chamar!) parecerá sempre sua inimiga.

Não basta ter um carro potente e todo o combustível necessário se não (souber) usá-los. A mudança que todos desejamos está na coragem de romper com o conhecido a fim de seguir na direcção do desconhecido. Este mergulho no escuro requer fé mas é tão assustador quanto excitante pelas perspectivas que ele representa. O famoso “desapega” precisa começar por quem somos na direcção de quem desejamos ser. Caso contrário, nada mudará (para melhor). E provavelmente o mau só piorará.