Saímos de um resgate limpos com bancos sujos, o BES faliu, o Banif sumiu, o Novo Banco engoliu dinheiro e vomitou devedores formosos, nos últimos oito anos abriram-se sacos azuis, offshores, Vara preso, Sócrates em preventiva, Salgado detido, um sistema de poder estrondosamente decapitado mas, como as galinhas, o seu corpo ainda vivo, gente presa e gente à solta, Berardo e Vieira nos calabouços, a Ongoing foi-se, a PT vai-se, a TAP há de ir, oito anos é tão pouco, Passos saiu para a reserva, Costa ganhou depois de perder, inventou a ‘geringonça’, Cavaco reformou-se, Marcelo formou-se como centro político, num país que ardeu, roubaram as armas do exército, a extrema-direita foi eleita, oito anos é tanto, num mundo que elege Trump e Bolsonaro, terrorismo na Europa, refugiados da Síria, migrantes a morrer no Mediterrâneo, Angola a virar a mesma camisola do avesso, a expulsar a família Santos, agora vaiada cá como antes se vaiava Merkel, agora aplaudida, neste país que provou brevemente na boca um excedente orçamental e depois veio a pandemia, e depois ficou a pandemia, a ciência, a civilização moderna, e a pandemia, a pandemia…
Escrevo hoje a última coluna no Expresso ao fim de quase oito anos, oito anos é um pestanejo com todas as vidas lá dentro, oito deitado é o infinito, a cobra que engole a cauda, e eu e o Expresso estivemos “numa relação” de alegria e de liberdade e de amores difíceis quando nos quisemos mudar um ao outro, e fizemos tantas coisas bonitas, no que erguemos e derrubámos, acabando hoje para continuarmos sempre, “digo-te adeus e como um adolescente tropeço de ternura por ti” (O’Neill), de aqui em diante como leitor, o Expresso está numa relação com os leitores, que é a única que interessa.
Se os oito anos seguintes ao início de 2014 eram imprevisíveis, os próximos oito, 16, 32, são-no na exata desmedida de que neles somos agentes da transformação. A fatalidade só sobrevém à desistência. E agoiro dos desistidos seria prever que o próximo ciclo deste infinito será o da combustão do mundo, do relógio do clima, do desequilíbrio dos povos, das desigualdades, do controlo pelas máquinas, do descontrolo da democracia, do fim da verdade e do apogeu dos subversivos, do cerco da pobreza, do Ocidente sucumbido nos seus valores. O futuro não é uma fatalidade, é a consequência de escolhas, as escolhas pela democracia, pela renúncia, pela redenção e pela beleza, as escolhas pelo pensamento, pelas ideias, pelo fraterno, pelas palavras, com quase as mesmas letras de digladio se pode escrever gladíolo. As nossas escolhas, coletivas e individuais, mudam todos os dias um bocadinho a fortuna de uma sociedade, se envolvida, se esclarecida, se de homens e mulheres de boa vontade, atores e autores de si próprios e do mundo.
É por isso que o jornalismo pertence à esperança. Pela vocação de alumbrar. E se nestes oito anos o lado de cá foi infligido por mil crises, o jornalismo vive. Porque de cada vez que alguém não desiste, o jornalismo vive. De cada vez que alguém acredita, que alguém não abandona esta venturosa loucura da esperança, que alguém anima a alegria de ser parte ínfima da melhoria do mundo, da sociedade, da vida de desconhecidos, o jornalismo vive.
E agora eu vou-me embora e posso assim dizer o que já não me serve para nada, que no Expresso sempre houve quem não desistisse. Entre muitos, muitas, o Pedro Norton, com quem entrei há oito anos nesta aventura. O Francisco Pedro Pinto Balsemão, gentil príncipe que contra os contra construiu um futuro. E Francisco Pinto Balsemão, que com graça me trata pelo nome com que assino hoje. FPB fez muito mais do que criar no ano em que eu nasci uma instituição da democracia liberal: aviva a cada semana a casa de jornalismo que constrói memórias futuras do país. Este Expresso, sendo dele e da última família dona de jornais, faz-se nosso. Dos leitores. Para vós, a minha última palavra de gratidão, pelo privilégio destes oito anos. A nossa esperança no jornalismo é a esperança em si. E de cada vez que um leitor não perde a esperança, a sociedade vive. Obrigado. Não desista, mantenha o coração aceso. Você pertence à esperança.
Por Paris Saint-Germain