Opinião

Portugal: uma visão estratégica para o Turismo

Face a recentes dúvidas sobre a dimensão, importância e real impacto do Turismo na economia e na vida dos portugueses, importa obter um consenso sobre uma nova e exequível “visão estratégica” para um desenvolvimento turístico mais sustentável, adequada aos atributos que tornam o país cada vez mais atrativo e aos recursos disponíveis e com a qual todos se sintam confortáveis em aderir, sem reservas

Escrever um artigo sobre o futuro do Turismo em Portugal, numa conjuntura de grande instabilidade na evolução das economias regionais e nacionais e dos impactos decorrentes dos sérios conflitos que grassam na Europa e no Médio Oriente, torna-se um exercício bastante desafiante.

1. Gestão do Turismo em contextos de crise

Nas últimas décadas, a Indústria das Viagens e Turismo tem conseguido resistir e passar mais ou menos incólume a sucessivas crises económicas e financeiras de âmbito global ou regional (crise do “subprime”, crise das dívidas soberanas na Europa, crise gerada pela pandemia, etc.). Nestes períodos, a indústria demonstrou a sua resiliência, ajustando-se à evolução da conjuntura e “acomodando” os múltiplos impactos e as consequências decorrentes dos efeitos das mesmas sobre a performance das empresas e sobre o rendimento das famílias.

O horizonte atual, tanto em termos geopolíticos como económico/financeiros, revela-se de grande imprevisibilidade, pois tem sido praticamente impossível projetar e/ou estimar os potenciais efeitos e consequências, nas economias nacionais e no emprego e rendimentos disponíveis das famílias, de uma eventual escalada da “anunciada” guerra comercial e tarifária, que envolve os grandes blocos económicos, com interesses cada vez mais “desalinhados”.

A multiplicação de conflitos armados, ainda que considerados “confinados” a certos territórios específicos, é sempre também um fator de dissuasão da realização de viagens e de turismo, em particular porque podem rapidamente escalar e ter consequências imprevisíveis sobre a segurança pessoal dos viajantes e no regresso destes aos países de origem.

A decisão individual ou familiar sobre a realização de viagens de férias para fora do local habitual de residência e a consequente escolha de um destino “sempre especial”, tem associados um princípio de “estabilidade financeira ou rendimento disponível” para suporte de despesas e uma perceção de segurança aceitável, que é hoje frequentemente posta em causa, em consequência da banalização das notícias e imagens dos conflitos, amplificadas pela partilha de informação através das redes sociais.

Nos últimos anos, decisores públicos e privados e, em especial, investidores, empresários e gestores da indústria do turismo, têm aprendido a viver, a gerir e a resistir, em contextos extremos de “grande instabilidade e bastante insegurança” (ex. crises financeiras, terrorismo, guerras regionais, transições políticas, flutuações drásticas dos preços das matérias primas, dos combustíveis e das taxas de câmbio, pandemias, efeitos das alterações climáticas, desastres naturais, etc.), mas enfrentam hoje e, muito provavelmente, vão continuar a enfrentar, situações cada vez mais complexas e imprevisíveis, que podem resultar do impacto “combinado” e temporalmente simultâneo, de vários dos acima mencionados ”fatores de crise”.

2. Papel recente e importância do Turismo em Portugal

Num país pequeno, com recursos do território apelativos mas limitados, é verdadeiramente extraordinário que a indústria das viagens e turismo nacional seja hoje a maior contribuinte para a criação de riqueza e de emprego no país, a que mais gera receitas fiscais, a que mais tem conseguido reabilitar património histórico e arquitetónico, a que mais tem afirmado e valorizado internacionalmente a identidade, as tradições e a riqueza e diversidade culturais, e, literalmente, a única que tem assegurado, com consistência, uma inversão no contínuo crescimento das assimetrias regionais e demonstrado uma efetiva capacidade de atração e fixação de jovens e população em geral, no interior do país.

Pela importância conjugada de tudo isto, julgo que devemos aproveitar o “momento” positivo do turismo nacional, para refletir, discutir e gerar um consenso, tanto quanto possível alargado, sobre as condições a criar e desenvolver, para que o sector e a atividade reforcem a sua resiliência e consigam continuar a crescer, mantendo-se competitivos e sustentáveis e com uma racional e equilibrada utilização dos recursos naturais e culturais, do território e do património, do ambiente e da biodiversidade.

Nas últimas décadas, o Turismo e a indústria turística nacional cresceram alicerçados no aproveitamento das condições intrínsecas da localização e do clima, do património natural e construído, da singularidade e interesse crescente sobre os valores e símbolos da nossa identidade, história e cultura, da tão celebrada hospitalidade dos residentes, da riqueza e diversidade da gastronomia e vinhos, da segurança do destino e, finalmente, da qualidade das infraestruturas de alojamento, restauração, animação e dos serviços turísticos, que continuamos a oferecer a um preço ainda muito competitivo.

A este bom aproveitamento, devemos juntar o efeito continuado no tempo de eficazes políticas de apoio financeiro ao desenvolvimento turístico e de promoção turística interna e internacional, da responsabilidade de sucessivos Governos e o agora mais relevante reconhecimento, pelas autarquias, da importância estratégica do investimento na atratividade e valorização dos seus territórios. Mas foi a correta avaliação das oportunidades e a contínua assunção de risco dos empresários nacionais no investimento realizado ao longo de muitos anos, que teve como consequência a criação de inegáveis ótimas condições de oferta turística, dirigidas a diversos segmentos e nichos de procura nacional e internacional, distribuídas por todo o Continente e pelas Ilhas.

Definitivamente, não foi só a evolução dos comportamentos das procuras e as sucessivas alterações dos mercados internacionais e dos modelos de negócio turístico, o determinante para o reconhecimento do perfil atual da oferta e do sucesso do Turismo português. Tal o devemos também a apostas e decisões certas de várias gerações de gestores e agentes turísticos nacionais e estrangeiros residentes.

3. Os mercados e o planeamento do desenvolvimento turístico

Não se trata hoje de continuar a formular estratégias, planos e/ou programas, a 5 ou 10 anos, certamente bem sustentada(o)s em informação sobre a oferta e serviços que podemos disponibilizar e sobre a procura interna e internacional de consumidores de viagens e turismo. Por muito bem dirigida(o)s e mais ou menos ambiciosa(o)s nos objetivos e nos valores/metas a alcançar, será sempre o comportamento da procura internacional e dos mercados, as acessibilidades momentaneamente ao dispor, o custo final das viagens e as perceções e informações sobre a qualidade e preços nos destinos, ou seja, “a capacidade competitiva das empresas e a atratividade destinos turísticos”, que determinam o sucesso ou insucesso da(o)s mesma(o)s.

É pois fundamental pensar, refletir e discutir, que Turismo e que tipo de crescimento e desenvolvimento turístico desejamos e poderemos conseguir vir a ter nas diversas regiões do país, num horizonte temporal mais alargado e tendo em conta constrangimentos já repetitivamente identificados (ex, o atraso na construção do NAL e da ferrovia nas ligações de alta velocidade a Espanha e à Europa, a escassez de pessoal qualificado, o equilíbrio e integração no emprego de emigrantes, a disponibilidade e eficiência no consumo de água e energia, o impacto das previsíveis alterações climáticas, etc.).

As próprias condicionantes e limitações do território, as questões em torno das “perceções” da segurança e os impactos sobre alguns destinos regionais e comunidades, da presença, em simultâneo, ainda que por períodos curtos e espaçados, durante várias épocas do ano, de um já elevado e ainda potencialmente crescente número de turistas internacionais, tornam urgente e importante uma reflexão e discussão alargadas.

4. Construir uma nova “visão estratégica” para o Turismo português

Em 50 anos, um pequeno país como Portugal, tornou-se uma potência turística a nível mundial, como os números de turistas internacionais que anualmente recebemos e o montante crescente das receitas turísticas geradas comprovam, ano após ano. O Turismo tem hoje um indiscutível e decisivo impacto económico direto ou indireto em muitos outros sectores da economia nacional, como os números apurados pelo INE o comprovam.

De acordo com a Conta Satélite do Turismo, a contribuição da atividade turística para o PIB atingiu, em 2024, 34 mil Milhões de Euros, representando, 11,9% do PIB nacional, bem como 11,5% (28,4 mil milhões) para o VAB da economia nacional. O PIB turístico cresceu 5,8% em termos nominais face a 2023 e, em termos reais, a atividade turística contribuiu com 0,3% p.p. para o crescimento verificado no PIB nacional em 2024, que foi de 1,9%.

Parece pois tornar-se cada vez mais consensual que o país não poderá crescer economicamente, criando riqueza e emprego e melhorar socialmente, sem continuar a apostar no Turismo.

Ainda assim, julgo que, para além da necessidade de continuar criar as condições para crescer e enfrentar, com sucesso, os constrangimentos e desafios acima apontados, importa “consensualizar” uma nova “visão estratégica” para o Turismo do futuro, que pensemos venha a ser a mais adequada para as características, condicionantes e limitações do país e das suas diversas regiões, com que portugueses e estrangeiros residentes se sintam confortáveis em aceitar, aderir e se envolver, sem reservas.

Uma tal “visão estratégica”, entre outros aspetos, deve ser tendencialmente passível de se materializar através de : i.) uma mais equilibrada e sustentável utilização dos recursos naturais, paisagísticos e do mar; ii.) de um ainda melhor aproveitamento turístico do património histórico, arquitetónico e cultural; iii.) de uma aposta contínua nos valores de qualidade, diversidade e diferença da gastronomia e dos vinhos nacionais; iv.) de um significativo investimento na formação e valorização das carreiras dos jovens atraídos para a indústria turística; e v.) de um esforço reforçado na capacitação e integração dos estrangeiros emigrantes, a quem crescentemente necessitaremos de recorrer.

Deve ainda apontar para que o crescimento no Turismo se consiga preferencialmente: i.) através da atração e captação de segmentos de procura internacional que estejam dispostos a pagar substancialmente mais pelo usufruto de uma oferta diferenciada de equipamentos e serviços e pelos recursos colocados ao dispor nos destinos regionais e ii.) fazer integrar na equação, um melhor “planeamento de destino”, com uma melhor distribuição espacial e temporal, ao longo do ano, dos turistas internacionais que nos visitam, e, finalmente iii.) através da garantia de uma maior “consistência” e de um efetivo upgrade na qualidade da oferta disponibilizada e dos serviços prestados a quem nos visita.

Em consequência, será desejável “forçar” uma alteração de paradigma no modo como nos apresentamos ao “mundo turístico” e nas perceções que tentamos criar e sustentar como destino turístico junto dos futuros potenciais consumidores de viagens e turismo, nos principais mercados.

Temos todas as condições para o fazer. Trabalhemos para isso.