Os últimos dias foram marcados pela publicitação de mais um relatório do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas. E não há como negar que o retrato que aí é traçado das consequências que tais alterações poderão determinar para o futuro do nosso planeta é, no mínimo, perturbador.
É certo que nada do que nele se contém é particularmente novo. Como indiscutível é que não careceríamos, sequer, que um conjunto de especialistas nos viesse apontar aquilo que o dia a dia nos vai tornando cada vez mais óbvio, como ficou patente com as cheias que ocorreram no centro da Europa há algumas semanas ou com os fogos que, no momento em que escrevo, destroem ainda partes significativas da Turquia e da Grécia.
Há nele, porém, um sentimento de emergência quanto ao ritmo que a degradação ambiental regista que levou, sintomaticamente, o Secretário-Geral das Nações Unidas a classificar o documento como um “alerta vermelho”. E creio que não é para menos, quando constatamos que, mesmo no cenário mais optimista (que implica a redução progressiva das emissões de gases geradores de efeito estufa, por forma a atingir, em 2050, o nível zero), o aumento de temperatura até ao final do presente século será de 1,5ºC. E que, no cenário mais negativo, esse incremento poderá atingir os 2,7ºC até 2100.
Os cientistas sérios e credíveis (isto é, os que verdadeiramente são dignos dessa qualificação) são unânimes em considerar que o factor humano é o determinante nesta tendência que se vai acentuando. E que, precisamente por isso, se alterarmos radicalmente o nosso comportamento, a começar pela cessação imediata da utilização do carvão e das energias fósseis. ainda há uma réstia de esperança,
Mas aqui surge o primeiro problema – a necessidade de as políticas públicas assumirem esse desiderato como prioridade primeira. Ora, se é certo que, em muitos países, esse caminho está a ser trilhado (ainda que, por vezes, há que reconhecê-lo, sem a rapidez indispensável), noutros a evidência científica foi, até momentos recentes, questionada ou ainda o é, sendo disso casos paradigmáticos os EUA na presidência Trump ou o Brasil de Bolsonaro.
Este género de situações transporta-nos, de imediato, para a questão das relações entre ciência e política (algo que, aliás, tem estado no centro das atenções, igualmente, por força da pandemia que ainda atravessamos). Muitos entendem que estamos perante um tema sensível, mas, pessoalmente, não entendo porquê. É certo que se trata de duas dimensões distintas, uma vez que a ciência se guia pela procura do conhecimento e da verdade, enquanto a política se orienta pela prossecução do bem comum. E que, precisamente por isso, é aos políticos e não aos cientistas que cabe a decisão política.
Não antevejo, porém, como é que os políticos poderão tomar decisões ao arrepio da ciência, quando esta é clara ao indicar que um determinado caminho é o único que garante a realização daquele bem comum. Como é óbvio, não se trata de apoiar qualquer determinismo científico ou de atribuir aos políticos o exercício de um poder estritamente vinculado á opinião científica, mas, tão só, de reconhecer que, nessas situações, havendo um objectivo a atingir – que a ciência identifica –, a sua concretização ficará dependente de decisões e de medidas adequadas, que à política compete construir e implementar.
Resulta daqui que os políticos que, sem bases para isso, rejeitam a evidência científica, não são políticos na acepção que o conceito verdadeiramente implica, pois que, de três, uma: ou são totalmente ineptos e incapazes; ou estão ao serviço de interesses particulares, que pretendem maximizar rapidamente o seu lucro, sem qualquer preocupação com as consequências negativas de médio e longo prazo que originam; ou colocam em primeiro lugar os seus desígnios políticos, porque receiam os efeitos sobre a sua popularidade (e, logo, sobre a sua eleição) que podem advir da adopção de medidas restritivas (ou proibitivas) de práticas ambientalmente nocivas.
Existe, porém, uma segunda dimensão do desafio que é crucial (porventura, até, a mais crucial), que tem que ver com cada um de nós, cidadãs e cidadãos do Mundo
Gerações e gerações foram educadas na ideia de que as riquezas do planeta eram infindas, de que não deveria haver limites às nossas ambições e de que tínhamos muitos direitos, mas nenhuma obrigação. E o resultado está à vista.
Nessa medida, é decisivo que sejamos capazes de nos consciencializar da imperiosidade da mudança do nosso modelo de desenvolvimento, em ordem a diminuir as tendências consumistas e a fazer da sustentabilidade preocupação primeira da nossa existência. Muito do que podemos fazer depende de pequenos gestos e atitudes que, todos somados, representam um valor enorme. Mas não há como esconder que, noutros casos, e não de somenos relevância, se nos impõem sacrifícios que, por natureza, vão impactar no nosso actual modo de vida (e não apenas a nível económico).
Porque o desafio é global, a resposta também terá de o ser. De pouco adianta, por isso, procurar culpados ou apontar a dedo pretensos responsáveis, até porque, em maior ou menor grau, todos (ou, ao menos, a grande maioria) temos o nosso quinhão de culpa. Mais do que no passado, temos de nos centrar no presente e no futuro. E, sobretudo, temos de ser capazes de levar a sério, de uma vez por todas, o desafio ambiental com que nos confrontamos. Porque, ou nos salvamos todos, ou naufragamos todos.
Observando o ponto a que chegámos, não estou nada seguro de que o consigamos fazer, sobretudo depois de termos ignorado tantos avisos e por tantos anos. Mas nenhum de nós tem o direito de não tentar.