Opinião

Do Estado Novo de Salazar ao Estado Velho do PS, a esquerda é a principal herdeira da ditadura

E quem são os novos censores? Os mesmos que condescendem tudo à extrema-esquerda e aos seus ditadores, dos branqueamentos das revoluções bolivarianas às subtilezas mansas para com a Coreia do Norte e a China, das tolerâncias para com os partidos comunistas às relativizações do 25 de Novembro

Portugal, país antigo, tem hoje um Estado Velho. Sim, disse velho, como quem diz anquilosado, lento, cansado, apático. Eu sei que os polícias da linguagem recomendam que se diga idoso. Já lá vou a esses. Agora, é mesmo velho, com os seus anátemas todos, que quero dizer. Com uma democracia estafada a derrapar para fora das zonas verdes de vários índices sobre Democracias Liberais, e uma economia devastada com cidadãos cada vez mais pobres, Portugal segue surdo aos avisos. Cantando e rindo.

Mas disse velho, também, não para sublinhar o contraste, mas para assinalar a sucessão ao que antes se designou de novo; e para afirmar que deste, a esquerda é a sua principal herdeira. Leu bem: a esquerda é a principal herdeira do Estado Novo. Ninguém, neste país, se apropriou tanto da sua memória - a esquerda chamou-lhe fascista e o país acreditou -, dos seus tiques e de algumas das suas ambições, como a esquerda. Ninguém referenciou tanto o debate político à ditadura como a esquerda. Ninguém se conformou tanto com os males estruturais do Estado Novo, que passou a incorporar, como a esquerda.

Custa a crer? Então vejamos.

A União Nacional controlava o aparelho do Estado, agora é o PS; não deve haver lugarejo da Administração onde os tentáculos do Largo do Rato não tenham tocado. Os poderes fiscalizadores independentes, na ditadura, não existiam livres, agora também não: do Banco de Portugal à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, da Procuradoria Geral da República ao Tribunal de Contas, se são independentes não são livres, se são livres não são independentes. A Assembleia Nacional escrutinava pouco o governo, já a Assembleia da República acabou - por proposta de Rui Rio! - com os debates semanais porque “a democracia e os consensos não se conseguem com duelos” - palavras de António Costa. Na verdade, entre as diferentes alas da União Nacional, em que mandava Salazar, talvez fosse possível encontrar mais diferenças do que entre o PS de António Costa e o PSD de Rui Rio; em que manda o primeiro. Na economia abandonámos o "pobres, mas honrados" para abraçar o "pobretes, mas alegretes"; honrados ou alegres, mas sempre pobres.

Mas se isto é assim nas instituições e na economia, e já é muito, lamento, mas não é só. Em 2021 acordámos, placidamente, como se estivéssemos em 1933. Se em 1933 queríamos "impedir a perversão da opinião pública", agora queremos combater quem quer "enganar deliberadamente o público", se em 1933 queríamos impedir que os inimigos do regime "desorient[assem] contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum", agora queremos impedi-los de "causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e bens públicos", se em 1933 lhe chamávamos "censura", agora eufemisticamente declaramos que "o Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos".

E quem são os novos censores? Os mesmos que condescendem tudo à extrema-esquerda e aos seus ditadores, dos branqueamentos das revoluções bolivarianas às subtilezas mansas para com a Coreia do Norte e a China, das tolerâncias para com os partidos comunistas às relativizações do 25 de Novembro. Os mesmos que levantam processos de intenções sobre todos os que lhes desafiem o monopólio narrativo sobre o Estado Novo, a sua herança mais querida. Para este efeito difamam, insinuam, mentem. O episódio recente que envolveu Nuno Palma, um académico português que ousou falar numa conferência de direita sobre o Estado Novo, é um exemplo flagrante disso. Depois de um PIDE de esquerda ter chibado mentiras à entidade empregadora de Palma com o propósito de o prejudicar profissionalmente, não houve Torquemada canhestro que não publicasse o seu editozinho a reforçar a fogueira: do Twitter ao Público, consoante a patente. Neste último, no Sábado, entre o artigo do Pacheco Pereira e o de um funcionário socialista, lê-se sete vezes a palavra fascista. Esta obsessão paranóica por aquilo que nunca existiu em Portugal, e a complacência com os extremismos de esquerda, é parte da explicação do estado comatoso do país.

Aliás, neste país pouco literato, a ofensa política preferida dos indígenas sempre foi chamarem-se fascistas uns aos outros. Quero dizer: a ofensa política preferida sempre foi chamarem fascistas a todos os que estivessem à direita do PS. Isto, porque a esquerda domina as narrativas e não há mal algum que se lhes possa apontar. Eu cá sempre preferi chamar-lhes, pelo menos a alguns, comunas. Mas deixei-me disso, no dia em que percebi que eles entendiam a coisa como elogio. Mas divago.

Neste país de sombras, de vielas difamatórias, a desinformação que o camarada José Magalhães quer combater com a carta não é esta e não passa por onde convinha que passasse, nem usa os métodos da Liberdade. Esta semana, por exemplo, se estivéssemos distraídos, saberíamos que se se critica a nomeação de Adão e Silva é porque não se quer celebrar Abril, se à direita se critica o Estado Novo é porque a crítica não é tão gongórica quanto necessário, se há um gravíssimo atentado às liberdades que, sendo questão política, responsabiliza Medina, discute-se burocracia. Neste particular vale a pena sublinhar o essencial: Portugal, pelas mãos do poder socialista, forneceu dados de identificação pessoal de opositores ao regime de Putin; um regime que persegue, prende e mata os seus opositores.

E isto tudo, numa miscelânea sem sal para não prejudicar os hipertensos, sem açúcar para não contribuir para a obesidade, sem glúten por causa dos celíacos, carregado de guias de estilo para o condicionamento da linguagem, "recomendações" sobre linhas editoriais, obliteração da Lei para suprimir touradas, imposições alimentares em nome da saúde. Tudo terreno de castração e imposição para o dealbar do Homem Novo.

O que é que querem controlar estes herdeiros do Estado Novo, pergunta o estimado leitor? Depois de manietarem as instituições e estrangularem a economia? A moral, o gosto e o pensamento, claro. Nada de novo, portanto. As mentes totalitárias pensam igual. No fim, o poder, martelado ad nauseam como um mantra Orwelliano: à esquerda a virtude, à direita o hediondo.

A verdade é que, mais de 50 anos depois da morte de Salazar, e quase 50 anos depois do 25 de Novembro (a data que verdadeiramente cumpriu Abril), o país ainda é instado a curvar a cabeça e a tirar o chapéu à esquerda. E, não o fazendo, é porque é fascista, é porque é saudosista, é porque é Salazarista, é porque é… de direita. A desqualificação dos não socialistas é o pão nosso de cada dia nesta república socialista.

O Estado Novo tinha como lema Tudo pela Nação, nada contra a Nação. O Estado Velho tem como lema Tudo pela esquerda, nada contra a esquerda. Noutro lugar Winston Smith pergunta a O’Brien se o Grande Irmão existe, ao que este lhe responde que sim, claro que existe. Winston, não satisfeito, pergunta-lhe: – Mas existe mesmo? Como eu e tu?. O’Brien responde-lhe então: – Tu não existes!