Opinião

Israel: prefiro receber censuras a receber condolências

A situação no Médio Oriente é complexa? É. Mas, mergulhados na guerra, a escolha é simples. Não é simples porque é fácil, é simples porque não sobra grande alternativa. E foi, aliás, aforisticamente colocada por Golda Meir, recorda neste artigo de opinião o sociólogo Pedro Gomes Sanches: “prefiro receber censuras a receber condolências. E o povo judeu, ao longo da história, já recebeu demasiadas condolências"

Um sheikh local explicou-me sorrindo que os judeus ficavam a perder de qualquer maneira, porque os mísseis ou seriam disparados contra eles ou, se eles atacassem os arsenais, seriam condenados pela opinião pública mundial por causa dos mortos civis. Esta gente não quer saber da população, eles usam-na primeiro como escudos e, depois de mortos, como propaganda. Enquanto eles continuarem a existir, não haverá paz nem tranquilidade.

Não, isto não é sobre o recente conflito entre Israel e o Hamas na Palestina. E o testemunho não é meu. Isto é o testemunho de um médico libanês, Mounir Herzallah, quando em 2006 o Hezbollah, a partir do Líbano, atacava Israel e Israel retaliava. Não é sobre o recente conflito, mas poderia muito bem ser, porque esta história é antiga e o enredo é invariavelmente o mesmo.

Querem saber qual é o enredo? Primeiro episódio: onde, perto de Israel, haja ausência de Estado sindicável, os radicais usam edifícios civis - creches e hospitais incluídos - como escudos e atacam Israel. Segundo episódio: da Síria ao Irão, passando pelo Qatar, há sempre algum ódio anti-semitico disponível para o financiamento da guerra. Terceiro episódio: Israel, atacada por todos os lados desde o primeiro dia da sua existência, retalia para proteger os seus. Quarto episódio e epílogo: querem adivinhar quem são os vilões? Israel, claro.

Já agora, querem adivinhar quem é que está sempre contra Israel? Os suspeitos do costume: a esquerda de sempre e a esquerda de agora. Deixando de parte os primários, atenhamo-nos aos outros. Os outros são aqueles que, cheios de adversativas, de leituras complexas, de direitos humanos invocados, chegam sempre ao mesmo corolário: Israel é o grande culpado. De falcões da guerra a reencarnação do Reich - vejam lá até onde vai a falta de senso, para dizer o mínimo - tudo é epíteto válido para atacar Israel.

Eu, neste caso, não tenho nada contra as adversativas, a invocação da complexidade e a defesa dos direitos humanos. Bem pelo contrário. Até porque, sendo o conflito do médio oriente porventura a questão mais difícil de dirimir da actualidade, e não tendo eu a menor ideia de como o resolver - se tivesse, não estava aqui - compreendo-as bem. O que não compreendo são os double standards.

Não compreendo, por exemplo, como é que se aponta o dedo a Netanyahu, por ser corrupto e estar agarrado ao poder, e se minimiza o estado deplorável em que se encontra, pelas mesmas razões, a Fatah. Não compreendo, por exemplo, como é que se invoca o ataque à liberdade de imprensa por causa do ataque ao edifício da Associated Press, onde o Hamas tinha quartel, feito com aviso prévio e tempo para a evacuação, e se ignora a vocação ditatorial desse mesmo Hamas. Não compreendo como é que se apontam nuances no respeito dos direitos humanos em Israel, assobiando para o lado quanto à absoluta inexistência desses mesmos direitos humanos em qualquer lugar onde os inimigos de Israel governam. Não compreendo - e agora, Daniel, estou mesmo a falar de ti - como é que se afirma o direito à autodeterminação de um povo - e eu sou sensível a esse argumento -, mesmo que essa autodeterminação não conduza à democracia, e não se reconhece o direito vital à autopreservação de um Estado democrático e liberal, quando ameaçado.

Mas não é só. Não são só os double standards que eu não compreendo. É a deplorável acusação de que quem está por Israel está contra o povo e indiferente ao sofrimento do povo palestiniano. Como se a única decência moral estivesse em entoar free Palestine ao mesmo tempo que se censura Israel.

E não compreendo, porque não é verdade. Porque «o Hamas não se importa onde esses mísseis caem: um em sete caíram dentro de Gaza durante esta última rodada de ataques, resultando em 20 vítimas. [Porque] eles veem a contagem de corpos desequilibrada como um desenvolvimento positivo, pois permite-lhes alegar que Israel é a parte agressiva no conflito que eles começaram. Este grupo terrorista islâmico é perigoso para o nosso povo: não podemos continuar a ser um canal para o seu trabalho. O Hamas não está lutando por uma causa de direitos humanos; eles estão cometendo crimes de guerra para aumentar sua posição política.» Quem diz isto não é um “falcão” israelita, é Bassem Eid, um palestiniano, activista dos direitos humanos. Disse-o esta semana na revista The Spectator. Querem adversativas e complexidade? Ei-las.

Pior: o Hamas usa a vulnerabilidade dos mais fracos para fortalecer a sua posição. Das crianças arrastadas para a guerra a, como nos afirma Eid, “homens jovens e desesperados sem perspectivas de emprego, [usados] para lançar ataques de prédios residenciais.” Enquanto que desse lado isto, do lado de Israel um exército profissional, melhor numas vezes pior noutras, cumprindo as convenções internacionais. E defendendo os seus cidadãos, as suas famílias e as suas crianças. Não são dignos disso?

A situação é complexa? É. Mas, mergulhados na guerra, a escolha é simples. Não é simples porque é fácil, é simples porque não sobra grande alternativa. E foi, aliás, aforisticamente colocada por Golda Meir: “prefiro receber censuras a receber condolências.” E o povo judeu, ao longo da história, já recebeu demasiadas condolências.

Post scriptum: o cessar-fogo anunciado 5.ª feira passada é uma boa notícia, mas não só não resolve o problema, como não anula nada do anteriormente dito.