Opinião

As Causas. O mundo, a TAP, os terramotos e a maçonaria

Vejo perigos por muitos lados, mas não na Covid nem na Maçonaria. Os outros já chegam para nos dar pesadelos.

O mundo está muito perigoso

Numa única página do Economist de 6 de março li as seguintes informações:

a) 47 jovens detidos preventivamente estão a ser julgados em Hong Kong por violação das leis de segurança locais. O “crime” foi a organização de primárias para a escolha de candidatos para a eleição do Conselho Legislativo. Estão acusados de conspiração para tentarem … ganhar as eleições;

b) Após um golpe de Estado dezenas de manifestantes foram mortos em Myanmar;

c) No Bangladesh um escritor crítico do Governo detido há um ano sem julgamento morreu na prisão;

d) O Governo indiano criou um regulamento que lhe permite ordenar a remoção de conteúdos nas redes sociais que lhe desagradem;

e) O Senado do México deu o seu acordo a uma lei de iniciativa do Presidente Obrador, segundo a qual deve ser dada prioridade na aquisição pela rede da eletricidade produzida por entidades estatais, ainda que seja mais cara e poluente do que alternativas privadas.

Em outro dia, noutra revista, idênticas notícias podem ser encontradas. Mas estes casos ocorreram em 5 países em que vivem quase 40% da população mundial.

E se juntarmos as Filipinas, a Turquia, o Irão, a Rússia, vários países do Médio Oriente e de África, Cuba, Venezuela, Bielorrússia, Hungria, rapidamente chegamos a bem mais de 4 mil milhões de pessoas – ou seja, mais de 50% da população mundial a sofrer violações muito graves de direitos fundamentais ou em autocracias.

Dir-me-ão que nada disto é novo e que é possível aplicar aqui a teoria do copo meio cheio. É verdade, mas a dinâmica está mais do lado das autocracias, pelo que a situação tende a piorar.

A TAP está muito perigosa. Ou é o Governo?

Costumo guardar recortes em papel ou em modo digital para preparar este programa. De vez em quando faço uma limpeza e encontro “pérolas”.

Em relação à TAP encontrei, entre o que tinha, as seguintes pérolas:

a) Em 4 de julho do passado ano, o agora famoso (e manifestamente um homem da esquerda do PS) Ascenso Simões escreveu no Público um longo artigo cujo título era “TAP – o maior erro político de António Costa”, augurando para Portugal um calvário por 10 anos devido à falta de coragem de fazer o funeral de uma entidade que estava já morta. Tiro-lhe o chapéu pois está a provar-se tudo o que ele na altura escreveu.

b) No mesmo dia, o Presidente Miguel Frasquilho (registo de interesses: tenho admiração e respeito por ele) deu uma entrevista ao Sol onde previa o seguinte: “É possível que os 1200 milhões não sejam todos utilizados, oxalá”. Prova-se assim que um homem corajoso, moderado, excelente economista não tem nenhum jeito para prever o futuro;

c) O Ministro Pedro Nuno Santos anunciou em 30 de julho o seguinte: “Faremos um processo de seleção contratando uma empresa que tem no quadro da sua atividade procurar no mercado internacional uma equipa qualificada para gerir a TAP … O processo de seleção demorará certamente semanas, pelo que, deverá ser encontrada uma equipa transitória para liderar os destinos da transportadora”.

d) No entanto, apenas em 10 de outubro o Governo contratou a empresa Korn Ferry para fazer a seleção do CEO;

e) Passados 8 meses (quando o Ministro dissera que “o processo de seleção demorará certamente semanas”) a SIC soube em 5 de março que “O gestor mais bem posicionado como candidato à presidência da Comissão Executiva da TAP é o alemão Jaan Albrecht Binderberger, ex-presidente da Saudi Arabian Airlines”.

f) Na mesma data, o Expresso refere que “O Ministério das Infraestruturas, de Pedro Nuno Santos, não confirma o nome de Binderberger, que só se irá tornar uma escolha definitiva e pública depois da aprovação do plano de reestruturação da TAP pela Comissão Europeia”.

g) Mas já em 22 de janeiro o Expresso referia que a Comissão Executiva está “reduzida a duas pessoas” (o CEO provisório Ramiro Sequeira e Alexandra Reis). Ela é uma engenheira especialista em procurement, e segundo o Expresso “não tem experiência como administradora financeira”.

h) Em 19 de Março, Frasquilho disse ao EcoOnline que a União só deve aprovar em maio a reestruturação da TAP, digo eu na melhor das hipóteses, ou seja vai passar quase um ano depois de se anunciar o CEO internacional para agosto ou setembro.

i) Entretanto, tudo indica que a TAP – na maior crise da sua história – continua a ser gerida por 2 pessoas de modo provisório e, como disse Fernando Pessoa de Jesus Cristo, que parece que não sabem nada de finanças.

j) Finalmente os 1,2 mil milhões de euros, que em julho talvez fossem mais do que suficientes, passaram em dezembro já para mais de 3,7 mil milhões (disse o Público).

Imaginemos que a TAP estava integrada num grupo privado. O equivalente nesse grupo a Pedro Nuno Santos não teria mantido informados os seus acionistas (na TAP somos nós, os cidadãos, os acionistas)? A escolha de um CEO demoraria um ano? A empresa em crise estaria reduzida a dois administradores executivos?

Por isso a questão é simples: quem é (mais) perigoso para nós (há quem diga que os financiamentos públicos podem ser maiores na TAP que para o NB): a TAP, o Estado a gerir a TAP ou o Ministro a gerir o Estado?

Os terramotos são perigosos?

Sentiu-se um sismo na zona de Lisboa. Acordámos, por uns dias, de um longo torpor de indiferença, os media deram atenção ao tema e o DN fez uma boa entrevista na 6ª feira ao Professor Mário Lopes, chamando para manchete de 1ª página: “Estamos em cima de um barril de pólvora que um dia vai rebentar”.

Menos de uma semana depois já não é notícia e voltamos à indiferença.

Por mero acaso, há semanas tive acesso a um estudo científico que revela:

a) “pouco se conhece sobre a falha geológica ativa que passa a sul de Vila Franca de Xira”;

b) As infraestruturas críticas … como as redes de abastecimento de energia elétrica, água, gás, saneamento, telecomunicações e transportes” não estão preparadas para um sismo de grau elevado, por exemplo com alternativas e back-ups;

c) Apesar de protocolos das câmaras municipais entre elas e com a Marinha, por exemplo para aviso de tsunami no estuário do Tejo, nada foi instalado para informar as populações (placards, sirenes, caminhos de evacuação, etc) e os planos de evacuação para casos de sismos e tsunamis ou não existem ou não estão implementados;

d) A população está pouco ou nada informada de perigos e riscos e por isso “subestima ou desconhece o risco de terramoto ou tsunami”.

Como se lembram (também tenho recortes desses tempos…), o Estado não estava nada preparado para uma pandemia: como sabemos, isso foi muito grave. Mas com um sismo será muito pior.

Como na pandemia, muito gente dirá “vai tudo correr bem”.

Infelizmente este e os outros perigos não nascem de eu ter acordado maldisposto ou deprimido.

Mas, para sossegar quem me honra com a sua atenção, falemos de algo que não é perigoso.

A maçonaria não é perigosa

Há cerca de um ano a Assembleia da República pediu-me para comentar – por sugestão do PAN – um projeto de lei que agora está na ordem do dia sobre pertença a organizações “discretas”.

O que respondi está acessível, mas parece-me útil voltar aqui ao tema.

Um dos advogados que mais admirei, e que fazia o favor de ser meu amigo, foi António Arnaut. Por isso o convidei para ser mandatário nacional da candidatura a bastonário e a outros órgãos da Ordem dos Advogados que protagonizei há 20 anos.

Na altura, um dos meus opositores, Carlos Candal – de quem fiquei amigo após a campanha – perguntou-me se eu era maçon, por ter pedido e ter obtido o apoio de Arnaut (que na altura ainda não era Grão-Mestre). Eu não era maçon, nunca fui e nunca quis ser. Mas Arnaut é um bom exemplo – o melhor que conheço – dos valores que fizeram da Maçonaria uma força de progresso e de defesa dos direitos fundamentais.

Apesar disso, respondi ao pedido do PAN que em minha opinião os filiados em associações “discretas” deviam revelar essa pertença, no caso de desempenharem funções em órgãos de soberania.

E referi, como conclusão essencial, que “entendo razoável, sem que isso possa ser considerado violação de direitos constitucionais como sejam o direito de associação e o de liberdade religiosa, que em certas circunstâncias seja considerada obrigatória a revelação de pertença a uma entidade discreta, porque esse caráter discreto ou até secreto não me parece que integre o núcleo não compressível de direitos fundamentais mesmo que se admita (o que não é a minha opinião) que integre o conteúdo desses direitos fundamentais”.

E enquadrei a minha posição da seguinte forma: “um membro de uma associação discreta, um advogado ou um árbitro, enquanto pessoas, não são obrigadas a revelar nada do que aqui se trata. Mas devem ter de revelar, se em concreto e por sua livre opção se colocarem numa situação em que essas revelações – com base numa ponderação geral ou individual e/ou abstrata ou concreta – sejam necessárias para proteger valores que sem isso poderiam perigar ou gerar situações de dúvida ou preocupação legítimas e substanciais”.

Fiz a seguir uma análise comparativa: “Centrando-me num exemplo que conheço muito bem, seria inconstitucional ou ao menos ilegal que um advogado, por o ser, tivesse de revelar os nomes de clientes. Mas se o advogado optar por exercer funções políticas eletivas ou de nomeação ou se optar por exercer o serviço de árbitro em litígios comerciais, e devido aos valores que se presumem dever ser respeitados, entre os quais os de transparência e/ou independência, deve ser obrigado à revelação de nomes de clientes na medida do necessário à obtenção de tal desiderato”.

Em dadas conjunturas, mais do que em outras, flutuam suspeições. Tenho ouvido dizer a pessoas serenas, respeitáveis, moderadas, e por exemplo, que em certos corpos do Estado, como as Forças Armadas e a Judicatura, a pertença à Maçonaria ou à Opus Dei ajuda carreiras. Não acredito que seja assim, pelo menos mais do que ser sócio do Benfica ou do Porto (para não falar do Sporting).

Mas isso torna essencial que “deveres de revelação” que já existem, sejam ampliados a organizações “discretas”, também - e como referi há um ano – “para proteger os membros de organizações discretas e as próprias organizações”.

E fique claro: faço-o por essas instituições me merecerem respeito e admiração. E não porque a Maçonaria, segundo uns, e a Opus Dei, segundo outros, sejam perigos públicos.

Elogio

A Sérgio Sousa Pinto pela notável entrevista que deu ao Público este domingo. E a Maria João Avillez, pois não há boas entrevistas sem pessoas (como vão dizer no CES) que as fazem.

Uma frase dele bastaria para justificar o elogio: “Ou mudamos ou acabaremos numa Suécia fiscal implantada numa Albânia económica”.

Sousa Pinto é último dos “soaristas” num PS que – como ele explicou – não tem nem quer ter nada a ver com o seu fundador (o mesmo aliás se passa com Sá Carneiro no PSD).

Mas não acredito que quem leia sem preconceitos o que ele disse não concorde que Portugal precisa de um “neo-soarismo”. E o PS também…

Ler é o melhor remédio

Susana Moreira Marques, jornalista e romancista, escreveu no Público um belíssimo Obituário, “O pai que não foi menino”, sobre Victor Cordeiro e o seu filho. A relação entre Cordeiro, um militante comunista, e o seu filho Vitor, é uma das mais belas e bem escritas histórias de amores de Pai e Filho que alguma vez li. Paz à sua alma, que bem mereceu pelo amor filial que o rodeou e fez viver.

Leiam que ficarão a gostar mais dos seres humanos.

A pergunta sem resposta

Com assinalável coragem, ou excessiva ingenuidade, o Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, Carlos Miguel, antigo advogado e autarca, desancou o Estado que em parte secretaria: “a Administração Central tem urdido uma teia de pareceres vinculativos que tudo emperra, trava, demora, chateia, na maior parte das vezes para satisfazer pequenos poderes instituídos”.

Carlos Miguel anda nisto da gestão política desde 2002 e está no governo desde 2015. Teve 20 anos depois uma epifania e descobriu o que nós, pobre mortais, sabemos desde que atingimos a idade da razão.

Seja louvado por isso. Mas as perguntas são estas: quem pode resolver isso? É o Governo ou somos nós, os pobres mortais? Que vai fazer António Costa? Assobiar para o lado, demitir o Secretário de Estado, ou fazer uma reforma do Estado? Acho que vai assobiar, mas posso estar a ser pessimista…

A loucura mansa

Não costumo trazer para aqui o futebol, embora goste muito deste desporto. Mas li há dias que o treinador do Sporting Ruben Amorim arrisca uma condenação a 6 anos de suspensão como treinador, por estar a treinar (e com o sucesso que se sabe) sem ter feito um curso para o efeito, o que alegadamente seria uma fraude.

Esperemos que esta alucinada loucura nos faça perceber que o excesso de regulação para proteger os interesses instalados é um fator do nosso atraso e arcaísmo. E, curiosamente, foi um campo em que a troika nos queria tornar mais livres e nada conseguiu.