Opinião

Lisboa-Porto: uma alternativa ao projeto de alta velocidade

As possibilidades de ligação entre as duas principais cidades portuguesas através de sistemas inovadores de pavimentação das rodovias terão certamente vantagens económicas em relação ao sistema convencional de alta velocidade ferroviária

A recente divulgação por membros do governo português e pela imprensa, rádio e televisão sobre a intenção de se realizar a obra de execução da ligação ferroviária em alta velocidade entre as cidades de Lisboa e Porto tem tido repercussões de vária ordem.

O facto de essas notícias mencionarem que para o efeito seria disponibilizada uma verba de 4.500 milhões de Euros, numa época em que os políticos debatem o Orçamento do Estado para 2021, onde se mencionam verbas superiores a 213.000 milhões de Euros (valor do PIB de 2019), deixam muitas pessoas preocupadas com o futuro do País, a curto e a longo prazos. Também se menciona o montante da dívida externa acumulada, que já alcançou os 268.000 milhões de Euros, temendo pelo futuro dos nossos filhos e netos.

É óbvio que estes constrangimentos orçamentais do Governo português, apesar da contribuição extraordinária da União Europeia, só justifiquem investimentos elevados para projetos de rentabilidade positiva, o que até ao presente nunca foi detetado na gestão pública dos caminhos de ferro, da TAP e muitas outras empresas públicas.

Consequentemente, interessa analisar com rigor quais as verbas previsíveis no projeto em causa, levando a estimar a respetiva viabilidade e comparando-a com novas tecnologias de transportes que oferecem oportunidades reais de economicidade, proteção ambiental e benefícios à população.

1 – INTRODUÇÃO

O transporte ferroviário tem um passado relevante, com início no século 16 nas minas da Europa Central, evoluindo para o transporte humano um século mais tarde, usando tração animal e mais tarde com equipamento mecânico. É reconhecida a utilização dos primeiros comboios na Inglaterra no século 17, após transferências da Alemanha, permitindo uma evolução rápida, estendida aos E.U.A. e outros países europeus.

Merecem destaque o uso das primeiras locomotivas a vapor na Alemanha em Dezembro de 1835 e os primeiros carris de aço na Inglaterra em 1857 (dados da Enciclopédia Britânica).

Após a 2ª Guerra Mundial o desenvolvimento do sistema ferroviário expandiu-se pelos 5 continentes, com destaque para a eletrificação das linhas ferroviárias e mais tarde o uso de locomotivas diesel-elétricas. A evolução tecnológica não parou e seguiu-se a utilização da alta velocidade (300 km/h), com destaque para o Japão (desde 1972), e seguindo-se a ultra-alta velocidade como o Aero-Trem francês, os motores de indução linear (Grã-Bretanha), a levitação magnética (E.U.A.) e sistemas com tubo de vácuo, ainda em processo de pesquisa.

Não existem dúvidas que estas tecnologias se vão expandindo no planeta, procurando sistemas de uso humano cada vez mais confortável, mais rápido, mais seguro e mais económico. Será um progresso imparável.

2 – EXEMPLOS EUROPEUS DE TGV

Objetivando analisar o caso português, considera-se importante revelar os dados mais significativos da construção e exploração de três sistemas de alta velocidade na Europa, com ligações a partir das suas capitais Madrid, Paris e Roma (ver Tabela 1).

A população de Portugal (10 633 006) é bastante inferior à dos outros estados vizinhos: Espanha (45 257 696), França (63 779 059) e Itália (60 017 335).

Também a área territorial é menor, sendo que esta realidade possui reflexos significativos quando se abordam questões ligadas às redes de transporte e aos projetos nacionais exclusivos do país.

Entre as diversas comparações que poderão ser efetuadas, apresenta-se o cálculo dos custos de construção por quilómetro e por habitante de cada um dos países (ver Custo final por km, na Tabela 1)

Tabela 1 - Informações básicas sobre comboios de alta velocidade construídos entre capitais europeias e cidades importantes

No caso de Portugal esse custo unitário será:

4.500 M€ / (332 x 10 633 006) = 1.27 M€/km x hab

Nos outros países, os custos correspondentes são os seguintes:

  • Espanha: 15.2 / 45 257 696 = 0.33 M€/km x hab
  • França: 16.5 / 63 779 059 = 0.25 “
  • Itália: 31.9 / 60 779 059 = 0.53 “

Deduz-se assim que a incidência dos custos de construção previstos das linhas de AV é mais penalizadora para cada habitante de Portugal, do que nos outros três países. Esta avaliação é aproximada, na medida que nas outras linhas o custo de construção por km está calculado sem atualização para o ano de 2020.

Também se confirma que o projeto da ligação AV entre Lisboa e Porto sem ligação com os países vizinhos conduz a uma penalização maior para os habitantes de Portugal do que nos outros três países onde tais ligações existem.

3 – A LIGAÇÃO LISBOA – PORTO E SUAS ANTERIORES DIFICULDADES

As principais informações relativas à eventual ligação em comboio de alta velocidade entre Lisboa e Porto, são as seguintes:

  • Lisboa – População da cidade (0.52 M) e área metropolitana (2.45 M)
  • Porto – População da cidade (0.25 M) e área metropolitana (1.54 M)
  • Distância entre as duas estações – 332 km.

Será conveniente obter informações técnicas adicionais sobre este projeto, dado que já aconteceram estudos anteriores sobre o tema e até acerca das razões que interromperam essa intenção.

Destaca-se o relatório intitulado “Análise Custo-Benefício da Ligação de Alta Velocidade Ferroviária entre Lisboa e Porto” – Relatório Final de Março de 2009, para a RAVE (Rede Ferroviária de Alta Velocidade S.A.), editado por Steer Davies Gleave e VTM.

O objetivo principal seria o projeto promover o “alargamento da área de influência da Frente Atlântica à escala da Península Ibérica – da Galiza até Setúbal e articulação deste corredor com Madrid e a restante rede de AV em Espanha”.

Esta abordagem visou a determinação da análise de custo-benefício, sendo os custos totais de implementação do projeto avaliados em cerca de 4.400 milhões de Euros e os benefícios apresentados como mostra a tabela seguinte.

Seria assim gerada uma diferença entre Benefícios e Custos da ordem de 3.000 M€, que o relatório considerou “uma probabilidade mínima de o projeto não se tornar economicamente viável”, apesar de afirmar que o projeto na sua globalidade não possuía viabilidade económica, dado o fraco desempenho financeiro do operador da infraestrutura(verTabela 2).

A realidade foi que o projeto era impulsionado pelo primeiro ministro José Sócrates em condições de apoio a um grupo concorrente (Lena) a que o Tribunal de Contas deu dois vistos prévios negativos, demonstrando que o projeto seria financeiramente inviável.

(*) Valores não justificados quantitativamente

Na sequência deste conflito, o novo governo de Passos Coelho, em 28 de Junho de 2011, cancelou oficialmente a participação do país nesse empreendimento, onde a União Europeia contribuiu com 43 M€ a fundo perdido.

O papel desempenhado pelo Tribunal de Contas incidiu sobre a falta de um sistema de incentivo e de penalizações para os que assessoram o dono da obra e o estabelecimento de um regime que fomente a estabilidade e a responsabilização dos gestores dos empreendimentos das grandes obras públicas não tiveram acolhimento por parte do Governo.

Também promoveu a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos como o fator mais determinante para o acolhimento das recomendações feitas em 2009, o que, acrescenta, se traduziu numa melhoria dos sistemas de informação e do seu conteúdo, quer em termos de gestão, quer no que respeita à uniformização dos procedimentos e divulgação de dados sobre contratação pública, apesar de se considerar que o conteúdo é ainda insuficiente.

Assim, o Tribunal de Contas recupera grande parte das recomendações feitas em 2009 ao Governo, como uma avaliação custo-benefício dos projetos de investimentos em obras públicas que preceda a decisão de implementação, com a criação da figura de gestor de empreendimento, que seja responsável pela execução da obra durante todo o seu ciclo de vida, uma programação de custos e prazos que inclua todo o ciclo de vida do projeto e que seja vinculativa para as entidades gestoras dos projetos.

4 – A ATUAL RETOMADA DO PROJETO LISBOA-PORTO

Em 2020, dada a imprevisível ocorrência da pandemia Covid-19, seguida do importante acréscimo do apoio da União Europeia, que se cifra em 10.800 M€ e a que se soma 45.000 M€ a fundo perdido, foi retomado pelo Governo Português o interesse na construção da linha ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e Porto.

Este tema foi abordado por António Costa Silva no seu trabalho “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020 – 2030”, publicado em 21 de Julho de 2020.

O assunto da RFAV é referido diversas vezes neste documento, nos seguintes termos:

“Para reforçar a sua ligação com Espanha e ao continente europeu”

“A ligação de Portugal com a rede de transportes europeia”

“A maior penetração de Portugal no espaço ibérico e europeu”.

Observa-se que não é mencionada apenas a ligação Lisboa – Porto, apesar de ter havido intervenções ministeriais que manifestaram oficialmente o interesse em construir essa mesma obra, sem qualquer referência à importância da ligação à Espanha e Europa.

Foram referidas numerosas vezes a ordem de grandeza do investimento (4.500 M€) e a promessa de Lisboa e Porto ficarem à distância de 1 hora e 15 minutos (esquecendo os 50 minutos por via aérea).

Em suma, está-se caminhando outra vez de olhos fechados para investir as verbas disponibilizadas pela UE num projeto que aparentemente não possui viabilidade económica comprovada e consensual.

5 – ALTERNATIVAS CONTEMPORÂNEAS DE INTERESSE GERAL

A Engenharia de Transportes tem proposto recentemente numerosas contribuições para a conceção, projeto e execução de novos sistemas de movimentação de veículos à superfície da Terra.

Grande parte dessas inovações têm incidido sobre novos tipos de pavimentos das auto-estradas, com a capacidade de captar energia externa e de armazená-la convenientemente para apoiar o fluxo de viaturas que utilizam essas vias de comunicação, assim como abastecer as povoações vizinhas.

A figura seguinte resume alguns dos principais tipos de sistemas energéticos já existentes ou em fase de desenvolvimento.

Captação e armazenagem de energia em estradas (segundo Center for Advanced Infrastructure and Transportation - Rutgers)

Em termos gerais, os principais sistemas disponíveis podem classificar-se nos seguintes grupos:

  1. Pavimentos que absorvem energia solar por meio de células fotovoltaicas, por materiais termoelétricos e fluxos de calor.
  2. Utilização de conversores da energia mecânica libertada por veículos, principalmente os pesados, e seguidamente convertida em energia elétrica por diversos processos.
  3. Captura de tensões mecânicas transmitidas aos pavimentos e enviadas a geradores eletromagnéticos.
  4. Captação de energia geotérmica nos terrenos de fundação das vias, por bombas caloríficas e com armazenamento subterrâneo dessa energia.
  5. Geração de energia elétrica sustentável a partir do pavimento, em resultado da energia cinética libertada pelas viaturas, usando materiais piezoelétricos no pavimento.
  6. Recarga de veículos de tração elétrica em movimento.
  7. Utilização de viaturas autónomas sem condutor.

Nem sempre estas inovações têm tido sucesso, embora os maus resultados forneçam informações valiosas.

Cita-se o caso concreto de França, que em 2016 inaugurou um trecho de rodovia que considerou a primeira autoestrada solar do mundo. Tratou-se de um quilómetro de via coberto com painéis solares considerados capazes de fornecer energia elétrica para uma povoação de 5.000 habitantes chamada Tourouvre, na Normandia. Três anos depois foi decretada a demolição do pavimento em consequência da sua baixa captação de energia solar, atingindo apenas 229 MWh em vez da previsão de 642 MWh.

As principais razões deste fracasso deveram-se à degradação rápida do pavimento sob a ação dos automóveis em circulação, mesmo com um limite de velocidade de 70 km/h.

A substituição dos painéis solares por outros mais resistentes e com geradores de energia elétrica mais poderosos permitiu obter uma melhor rede de abastecimento de eletricidade à povoação vizinha.

Nos E.U.A. também se desenvolvem estes temas com crescente interesse dos utilizadores à medida que os resultados evoluem.

Exemplo de estrada com pavimento solar reforçado (Solar Roadways)

Os novos painéis contêm iluminação com Led Lights que se ligam para criar linhas e sinais sem necessidade de pinturas. Contêm elementos para derreter a neve, evitando a acumulação de gelo, ou mesmo painéis com microprocessadores que os tornam inteligentes.

São constituídos por vidro temperado que permite suportar o peso de veículos pesados e já se encontram instalados em parques de estacionamento e ruas de muitas povoações.

Um exemplo real de custos indica a incidência de painéis solares a 120 dólares por metro quadrado de superfície substituindo asfalto. Os custos de uma estrada solar atinge 310 a 460 dólares por metro quadrado.

Exemplificando com uma estrada de 332 km (caso Lisboa-Porto) e 10 metros de largura, teria um custo total de:

332 000 x 10 x 400 = 1. 328 M $ = 1. 195 M €

Este valor representa apenas 26.5% do custo total previsto para a linha férrea Lisboa – Porto (4 500 M€).

A China, o maior mercado automóvel do mundo, quer proibir no futuro a produção e venda de veículos movidos a combustíveis fósseis. Algumas das mais importantes autoestradas do país, como aquela que liga Pequim e Xangai, já contam com milhares de pontos de recarga elétrica.

Existe já uma autoestrada com painéis solares para recarregar veículos elétricos, tendo um quilómetro de extensão, sendo a primeira via rodoviária do género na China inaugurada na cidade de Jinan, no Norte do país, mas sofreu atos de vandalismo poucos dias após a abertura, com o roubo de partes dos painéis solares.

Com seis faixas, o solo da estrada estará apetrechado de painéis solares, que carregam automaticamente os veículos, visando descongestionar o trânsito de uma outra estrada paralela.

O pagamento das portagens será também executado automaticamente, através de um ‘chip’ instalado em cada um dos veículos.

Imagem de pavimento com painéis solares na China

Esta solução possui vantagens adicionais, como sejam a forte redução de dióxido carbónico e

a geração de energia elétrica para os fins mais diversos ao longo do traçado.

Em suma, esta nova tecnologia tem as portas abertas para apoio ao progresso futuro dos países mencionados.

6 – CONCLUSÕES

Procedeu-se a uma breve análise da viabilidade económica da ligação Lisboa – Porto em comboios de alta velocidade e obtiveram-se diversos resultados que conduzem a uma avaliação negativa desse empreendimento em face das seguintes realidades:

  • Trata-se apenas de uma conexão entre as duas cidades, sem ligações a Espanha e à Europa. Esta circunstância diminui consideravelmente o número de utilizadores dessa opção, contribuindo para a redução de receitas essenciais à respetiva viabilização;
  • A previsão de custos de construção atinge um valor excessivo em comparação com os benefícios expectáveis;
  • As empresas estatais que foram indigitadas para gerir o projeto e a sua futura administração são caraterizadas por alcançarem saldos negativos permanentes;
  • A incidência financeira do empreendimento português, expressa em Euros por habitante e por custo de construção em quilómetro de via férrea, é de 3.43 vezes superior ao valor médio desse mesmo quociente para os países Espanha, França e Itália.

Em suma, estas possibilidades de ligação entre as duas principais cidades portuguesas através de sistemas inovadores de pavimentação das rodovias terão certamente vantagens económicas em relação ao sistema convencional proposto, abrindo amplas oportunidades de virem a dominar novas opções tecnológicas com futuro aberto para o desenvolvimento do país.