As teorias da conspiração foram normalizadas. A imagem do teórico da conspiração como um paranoico isolado do mundo pertence a uma época em que o melhor remédio contra estas teorias era desligar o televisor. Hoje, qualquer falsidade pode ser partilhada e difundida, beneficiando daquilo a que chamamos efeitos de rede. Mas devemos nós estar preocupados com hordas de teóricos da conspiração que ameaçam tomar de assalto o poder e a razão? Convém que tomemos medidas porque a resposta é um claro e sibilino sim!
Pensemos naquele colega de trabalho que nos confidenciou que os humanos já mantiveram contactos com extraterrestres ou no familiar que afirma a pés juntos que o VIH-SIDA foi criado em laboratório e intencionalmente disseminado. Agora imaginemos que estas pessoas não estão isoladas em frente à televisão e partilham os seus “factos alternativos” com “amigos”, através das redes sociais, um pouco por todo o mundo.
Num click, o nosso colega ou familiar com opiniões excêntricas estão inseridos em comunidades virtuais à escala global que partilham a mesma visão concêntrica do mundo. Os algoritmos comerciais das redes sociais alimentam o crescimento orgânico destes grupos através de incentivos à criação de comunidades homogéneas, sugerindo outros amigos, artigos ou vídeos que prendem a atenção do utilizador e o mantêm, literalmente, ligado à máquina. Este ecossistema online é, também, um sistema de eco, uma vez que as mensagens são difundidas em câmaras de ressonância que repelem o contraditório.
Designemos este processo como a fórmula conspirativa: Falsidades + Rede Sociais + Câmaras de Ressonância = Difusão de Teorias da Conspiração. Assustador? Com base nos exemplos apresentados, não haverá razões suficientes para fazer soar o alarme. Num estudo comparativo feito no âmbito da nossa investigação na Universidade de Cambridge, constatámos que, apesar de beneficiarem dos efeitos de rede, estas teorias da conspiração não têm impacto social assinalável nem, acrescentaria, agenda política viável. Os ovniologistas não ameaçam a democracia porque as teorias que defendem são, actualmente, pouco susceptíveis de manipulação politica.
Como demonstra o nosso estudo, há, no entanto, outras teorias da conspiração que nos devem exortar à acção. Por exemplo, a circulação de falsidades ligadas ao nativismo e à negação da ciência encerra riscos de tipo existencial. Para a maioria da população portuguesa, é fácil perceber por que razão rejeitar evidências científicas, negando a eficácia das vacinas ou as alterações climáticas, representa um risco para a nossa existência individual e colectiva. Já os perigos de uma extrema-direita travestida de populismo e envergando vestes nativistas carece de explicação. Preocupemo-nos. É apenas a sobrevivência da democracia que está em jogo.
Em países como a Hungria, Polónia, Itália, Reino Unido e Estados Unidos, a resiliência dos sistemas democráticos está a ser posta à prova por projectos de hegemonia cultural e politica de movimentos e partidos nativistas que aplicam a fórmula conspirativa, forjando ameaças ligadas aos fenómenos migratórios. Como verificámos no nosso estudo, o número assombroso de inquiridos na Europa e nos Estados Unidos que acredita que os governos mentem acerca da quantidade de imigrantes existentes nos respectivos países ou que a migração de Muçulmanos faz parte de um “plano de substituição populacional” diz-nos que os nativistas estão a condicionar o discurso politico e a disputar a hegemonia cultural. Os resultados eleitorais e os elevados níveis de adesão a embustes nativistas demonstram que a fórmula conspirativa, potenciada pelas redes sociais, resulta e que a manipulação politica de certas teorias da conspiração constitui uma séria ameaça à democracia.
Chegados a esta encruzilhada de contornos – meço as palavras – cataclísmicos, a pergunta impõe-se. O que fazer? É difícil evitar a exposição à fórmula conspirativa porque as redes são a forma natural de estruturação das sociedades, mas proponho uma profilaxia. Desliguemo-nos, ainda que temporariamente, das “redes sociais”. Sabendo que a autorregulação é uma fantasia e faltando aos poderes políticos coragem para desmantelar os monopólios digitais, só nos resta o exercício da cidadania: desligar a máquina para salvar a democracia.