As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte a nível global. Ao mesmo tempo, a diabetes continua a crescer a um ritmo acelerado: as estimativas indicam que, em 2050, o número de casos deverá ultrapassar os 1300 milhões – por agora, são cerca de 500 milhões. Os números falam por si, mas há uma relação que precisa de especial atenção.
“A diabetes é uma das causas principais para o aparecimento das doenças cardiovasculares. Quase 40% dos enfartes, e uma probabilidade semelhante na insuficiência cardíaca e nos AVC, são hoje causados pela diabetes”, aponta ao Expresso o diretor clínico da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), João Filipe Raposo. O risco aumenta com a duração e respetivo grau de controlo, isto é, “mais anos e pior controlo da diabetes estão associados a maior risco de ter complicações, inclusive cardiovasculares”.
É por isso que a organização, juntamente com a Federação Internacional da Diabetes na Europa (IDF Europa), apela à criação de um plano europeu integrado contra a diabetes e as doenças cardiovasculares – repto que têm lançado junto da presidência do Conselho da União Europeia, que está no segundo semestre do ano nas mãos da Hungria. “Sabemos que as doenças cardiovasculares têm um peso muito significativo na população europeia, fruto do envelhecimento, do excesso de peso, da obesidade, mas muito da diabetes. Se olhamos apenas para o rótulo de doença cardiovascular, podemos estar a pôr o foco nas fases finais da doença”, enquadra o médico endocrinologista.
Ou seja, a existência de respostas adequadas para quando alguém sofre um enfarte ou um AVC são fundamentais, mas se nada for feito “a montante”, iremos “continuar a desperdiçar recursos” porque haverá “sempre cada vez mais pessoas a lá chegar”. “Aquilo que queremos é que se associe nesse plano a necessidade de haver um combate e um tratamento adequado às pessoas que têm diabetes”, explica o também presidente da Sociedade Portuguesa de Diabetologia.
Os dados mostram que um terço das pessoas com diabetes desenvolve alguma doença cardiovascular, que representa ainda a principal causa de internamento hospitalar. “Queremos ter bons tratamentos para as pessoas que têm um enfarte, mas gostaríamos muito que as pessoas não tivessem um enfarte. Se pensarmos que 40% dos enfartes são causados pela diabetes, se calhar se tratássemos muito bem as pessoas que têm diabetes e se a preveníssemos estaríamos a poupar esses tratamentos e custos”, diz João Filipe Raposo.
A ideia assenta em desenvolver uma abordagem conjunta, com trabalho sobre as causas e não apenas nas consequências. A estratégia passa, desde logo, pelo “modelo de organização”, com uma “melhor definição da integração dos cuidados” a quem já tem o diagnóstico de diabetes, assim como por “melhores sistemas de informação”. Isto porque a fragmentação entre várias especialidades dificulta uma “visão integrada e centrada nas necessidades da pessoa” e contribui para o “abandono das terapêuticas”.
Outra área relevante é o acesso à tecnologia e inovação, que se associa a mais custos, exigindo “mecanismos” que consigam avaliar mais ativamente os resultados. É também necessário apostar no rastreio das complicações, de forma a cobrir, “idealmente, os 100% da população”, continua o especialista, nomeadamente ao nível da visão – em Portugal, a diabetes é “a principal causa de cegueira e de baixa visão”.
A tudo isto é preciso somar a “educação e capacitação das pessoas com diabetes para fazer a autogestão da sua doença”, dado que “têm de tomar decisões e ajustar terapêuticas, têm de ter cuidado com a alimentação e atividade física, têm de gerir as suas outras doenças e isso não é uma coisa que seja inata, tem de se aprender”, realça. Na população portuguesa entre os 20 e os 79 anos, a prevalência da diabetes é de 14,1%, o que equivale a cerca de 1,1 milhões de pessoas.
Fatores como as escolhas alimentares que são “facilitadas e dificultadas” ou o modo como nos deslocamos também estão aqui em causa, uma vez que uma “abordagem na prevenção” contempla diferentes dimensões e um “trabalho integrado”. “Na prevenção, não podemos escudar-nos apenas numa intervenção das estruturas de saúde. Todo o outro tipo de intervenções depende muito das respostas comunitárias e do modelo de sociedade em que escolhemos viver.”
Lançado em 2022, Longevidade é um projeto do Expresso – com o apoio da Novartis – com a ambição de olhar para as políticas públicas na longevidade, discutindo os nossos comportamentos individuais e sociais com um objetivo: podermos todos viver melhor e por mais tempo. Este projeto é apoiado por patrocinadores, sendo todo o conteúdo criado, editado e produzido pelo Expresso (ver Código de Conduta), sem interferência externa.