Lançado em junho de 1978, “O Primeiro Dia”, de Sérgio Godinho, tornou-se um eterno hino reconhecido por portugueses e estrangeiros aos primeiros versos. “A princípio é simples anda-se sozinho/passa-se nas ruas bem devagarinho.” Quem não reconhece a letra? Uma reflexão sobre o tempo e os vários ciclos da vida que nos levam tantas vezes a evocar a tal “frase batida”: hoje é o primeiro dia do resto da tua vida. E, deambulando por todos os recomeços, o músico do Porto deixa-nos uma lição que é hoje estudada por cientistas e investigadores: o que é, afinal, o princípio da vida e quantas renovações nos são permitidas.
Não parecem restar dúvidas de que a longevidade — que reflete a cada vez maior esperança média de vida em Portugal — é preparada no período de gestação do feto, na primeira célula. Mas há problemas que nascem também nesta fase tão decisiva para o futuro de um novo ser humano. “Existe um período que são os primeiros mil dias. Do feto até aos dois anos sabemos que existem fatores adversos que afetam precocemente a vida e deixam marcas para sempre”, explica Luís Pereira da Silva, médico pediatra e neonatologista que participou esta semana no primeiro painel de debate das Conversas Sem Fim, no Edifício Impresa, dedicado ao tema “Longevidade dos 0 aos 10: Nutrição e Cuidados Neonatais”.
Esta é, segundo a nutricionista Mariana Abecassis, a altura da vida em que se verificam maiores transformações. “Até aos 10 anos devemos acompanhar melhor a mudança nas necessidades das crianças.” Do aleitamento à introdução da diversificação alimentar, o trabalho neste período cabe aos pais e aos educadores. “Estamos numa fase de dependência. É preciso estar atento, existem alimentos considerados calorias vazias. Uma criança pode ter excesso de peso e não estar nutrida”, afirma. O excesso de peso, que afeta 30% das crianças portuguesas, é também uma preocupação do pediatra. “Uma alimentação desregrada da mãe, com excesso de peso, é um fator que pode provocar obesidade.”
Dificuldades económicas: uma barreira à longevidade com saúde
Nem sempre os pais estão atentos, e o fim do período de licença de maternidade coincide, por vezes, com um agravamento das condições de alimentação. “Existem estudos que o comprovam”, alerta Luís Pereira da Silva. “Uma criança sai da maternidade bem alimentada e aos quatro meses há uma queda abrupta. No momento da diversificação alimentar [em regra aos seis meses], aos poucos, os pais afastam-se da vigilância. Nem todas as crianças têm pediatra ou nutricionista.” A escola obedece a um plano de alimentação equilibrada, mas existem fatores que dividem os pais, como nota Mariana Abecassis: “Os pais de classes mais altas gostam de controlar, os das mais baixas sentem um certo alívio.”
Num país tão desigual como Portugal — 17% da população estava em risco de pobreza em 2023 —, as dificuldades económicas representam uma barreira à longevidade com saúde. “O envelhecimento ativo e saudável começa na garantia de uma gravidez segura, acompanhada. Uma mulher grávida que não tenha acesso a todos os nutrientes e consultas está desde logo a condicionar a saúde do seu filho”, afirma Mónica Ferro, diretora do Fundo das Nações Unidas para a População no Reino Unido. “A sociedade de hoje tem informação para atuar de forma preventiva e criar adultos saudáveis. Mas as barreiras económicas limitam muito as escolhas.”
Adolescência: a fase da autorregulação ou falta dela
Consensual entre os dois painéis em discussão foi a necessidade de promover mais exercício físico na adolescência e juventude. Falando do período entre os 11 e os 20 anos, a psicóloga Margarida Gaspar de Matos lembra que se trata de uma fase de “maior autorregulação”, em que as decisões são muitas vezes tomadas pelos próprios adolescentes e jovens. “Na escola, a oferta desportiva é muito limitada e os professores estão muito orientados para o sucesso. Puxam mais pelos melhores, quando deviam motivar os que não gostam tanto.” Mais uma vez o exemplo pode ser o gatilho: filhos que veem os pais a praticar desporto terão mais propensão para também o fazer.
Convém lembrar que em Portugal morrem 80 pessoas por dia devido a patologias cardiovasculares. E muitos dos fatores de risco são desenvolvidos nas idades mais precoces. Continua a ser necessário estar atento a outros fatores de risco, como o álcool. “Uma coisa é beber um copo à refeição, outra é não beber durante a semana e, seguindo os padrões da Europa do Norte e Oriental, beber e intoxicar-se ao fim de semana.”
A vida social, o sono, o desporto, a alimentação e a participação cívica são tudo fatores que influenciam a longevidade dos atuais adolescentes e jovens. E, segundo José Pereira Azevedo, investigador do PLATE — Programa de Literacia Alimentar de Base Tecnológica nas Escolas, na prevenção da obesidade na adolescência tem sido feito um caminho importante. Mas é preciso mudar a perspetiva das várias literacias necessárias, financeira, digital, de saúde. “As escolas têm um espaço de cidadania, mas os professores não têm formação específica nem uma visão global. É preciso dar mais formação concreta, mas a oferta não deve ser numa lógica de escolha ou apenas mais um conteúdo. Falta uma estratégia eficaz.”
Frases das Conversas Sem Fim
“Os hábitos alimentares dos pais são fundamentais, devem estar dispostos a mudar em benefício dos filhos”
Mariana Abecassis
Nutricionista
“Em Portugal as crianças consomem leite, proteína animal e açúcar em demasia. 30% têm excesso de peso”
Luís Pereira da Silva
Pediatra
“Temos de ouvir mais os jovens, as suas ideias devem ser implementadas e responsabilizá-los por elas”
Margarida Gaspar de Matos
Psicóloga
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