Longevidade

Um jogo “apaixonante” que estimula a mente: na mesa de bridge, “a cabeça está sempre a pensar”

Com uma fatia relevante de jogadores acima dos 60 anos, o bridge é um jogo em que as cartas estão na base, mas que envolve outras vertentes, como a memória, o raciocínio ou o cálculo, além da dimensão social. O Expresso procurou perceber o que de especial tem esta modalidade para quem a pratica

Em 2022, quase metade (47,3%) dos 802 praticantes federados de bridge em Portugal tinha mais de 61 anos. Há “três vezes mais pessoas a jogar” que não são federadas – uma parte significativa em faixas etárias mais avançadas. O que caracteriza este que é conhecido como um dos desportos da mente – juntamente com o xadrez, as damas ou o go – e o que faz cativar esta franja da população?

“É um exercício intelectual extremamente interessante. O processo de aprendizagem do jogo requer esforço, prática e alguma disciplina. Não se aprende de um dia para o outro”, explica ao Expresso o presidente da Federação Portuguesa de Bridge, Pedro Salgueiro. Com mais prática, acaba muitas vezes por se tornar “uma verdadeira paixão”.

Reconhecido como modalidade desportiva em Portugal desde 1977, para jogar bridge é preciso um baralho inglês, de 52 cartas, e quatro jogadores, que jogam a pares sentados à mesa. O jogo divide-se em duas partes, o leilão e o carteio, e o objetivo é fazer vazas. Tal exige “estar sempre a contar os pontos e a avaliar a distribuição das cartas”, num “processo de acumular e processar informação”, o que faz com que seja “um estímulo constante à mente, à lógica, ao raciocínio e ao treino da memória”.

O responsável assegura que, “com mais ou menos dificuldade, toda a gente pode aprender”. Luísa Beltrão e José Cupertino aprenderam em jovens. A escritora, agora com 80 anos, recorda que aprendeu “em miúda” com os pais e nunca deixou de jogar, com maior ou menor frequência, ao longo da vida. José começou por volta dos 20 anos, parou e, agora reformado e com 65, teve “todo o interesse em recomeçar” na academia que frequenta, em São Domingos de Benfica.

Mãe de sete filhos, aos quais se dedicou em exclusivo até por volta dos 40 anos, Luísa começou a escrever depois dos 50. E foi nessa altura que recomeçou a jogar mais. “Era uma maneira de espairecer a cabeça, de me distrair”, relembra. Por influência do marido, deixou de jogar apenas entre amigos e passou a participar em competições. “Não achei tão engraçado porque é um jogo muito competitivo”, aponta. Ainda assim, serviu de inspiração para escrever Todos Vulneráveis, “um thriller que é passado num clube de bridge”. “As pessoas da alta competição jogam muito, dedicam-se de tal maneira que se torna quase uma obsessão.”

Segundo a autora, o jogo é “apaixonante”. “É um jogo de parceiros, portanto obriga a um diálogo permanente, a uma compreensão relativamente ao outro”, indica. “É um jogo de estratégia e, sobretudo, é preciso um grande domínio das emoções. E muita memória”, acrescenta. Luísa destaca a importância do convívio, da amizade e do “fair play à mesa”. “É a capacidade de conter a frustração ou o contentamento, não estar a humilhar os outros. É uma escola de vida também.”

José gosta de “tudo no jogo”. “A cabeça está sempre a pensar. Primeiro pela análise do nosso jogo, depois no chamado leilão, depois no jogar das cartas”, enumera. “Não tem idades, não tem classes sociais, não tem raças. O fundamental é ter muito treino e ir jogando muito.”

Foi o que voltou a fazer quando a oportunidade surgiu: a Academia de São Domingos, onde é aluno e professor de algumas disciplinas, incluiu o bridge no ano letivo passado. “Sabia de amigos que já tinham voltado a jogar e queria retomar. Para mim não foi difícil porque já jogava. Houve outros colegas que começaram do zero, mas vários desistiram. Não é dos jogos mais fáceis de aprender”, reconhece. No entanto, houve um grupo de “resistentes”.

As universidades seniores que disponibilizam a modalidade “têm procura”, enquadra Pedro Salgueiro. Este público tem “mais disponibilidade de tempo”, que deseja ocupar “aprendendo coisas novas”, além de ser “um pretexto para sair de casa” e “precisar de um parceiro para jogar”. “O bridge é altamente social. E a aprendizagem pelo erro é estimulante. A seguir não quero falhar, quero fazer melhor.”

José está “muito empenhado em continuar”. “Em termos de saúde mental é importante”, considera. Para Luísa, o bridge é agora “um divertimento”, num quotidiano muito preenchido por “intervenção cívica e social” – em outubro, foi distinguida com um prémio de envelhecimento ativo, que reconhece pessoas com 80 ou mais anos com atividades de relevo na sociedade.