Longevidade

Um novo Orçamento do Estado, os velhos desafios

Política. Governo aposta tudo nos jovens e quase deixa de fora os idosos. Falta uma estratégia concreta para o envelhecimento e já se sabe: é preciso mais investimento nos cuidados de saúde, infraestruturas e capacitação dos cuidadores
Último Conselho Consultivo abordou as prioridades do OE 2024, sessão que contou com a presença de António Mendonça Mendes, secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro
NUNO FOX

Longevidade. Em mais de 400 páginas do Orçamento do Estado esta palavra surge apenas uma vez no documento apresentado no passado mês de outubro. Portugal é atualmente o terceiro país mais envelhecido da União Europeia. Com uma média de idade de 45,8 anos, é apenas superado pela Itália e Alemanha. Uma estatística que não faz parte das contas do Governo para 2024, que pretende apostar tudo nos jovens, numa lógica de intergeracionalidade: salários e carreiras mais dignas para compensar a pobreza na terceira idade.

“Falta uma estratégia para o desenvolvimento económico da longevidade”, disse Ana Sepúlveda, especialista em economia da longevidade e envelhecimento sustentado, diretora da 40+ Lab, durante a última reunião do Conselho Consultivo do projeto Longevidade. Num encontro que contou com a presença do secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes, foram apontados vários desafios que Portugal enfrenta no contexto do envelhecimento: é preciso apostar mais na resposta social a pessoas com dependência, na rede de cuidados continuados, na capacitação dos cuidadores e no apoio domiciliário.

Segundo a proposta do Governo para o OE 2024, o sector da Saúde terá um reforço de €1,2 mil milhões. Mas para o ex-ministro da Saúde Adalberto Campos Fernandes este valor será destinado apenas à “despesa corrente”. “Não podemos dissociar a transição demográfica do conjunto das políticas, a ­saúde é apenas uma parte. Não existem políticas integradas”, afirmou. Ainda assim, segundo o documento em discussão na Assembleia da República, os custos associa­dos ao envelhecimento terão uma dotação orçamental de €29 milhões, destinados à rede nacional de cuidados continuados integrados. No OE do ano passado o valor era de €27 milhões.

“Vivemos mais mas não vivemos melhor”

“Nos últimos 40 anos ganhámos 20 anos de vida. O que significa que existe um intervalo significativo entre a idade da reforma e aquilo que é o tempo útil de trabalho. Há um caminho para explorar do qual a sociedade não está a tirar partido”, acrescentou o ex-ministro da Saúde. Por outro lado, como frisou Manuel Caldas de Almeida, vice-presidente do Secretariado Nacional da União das Misericórdias, “o aumento das necessidades vai representar um custo muito elevado”. O número de idosos vai aumentar e a sua longevidade também. “É preciso pensar a longo prazo na qualidade de vida. Temos de apostar numa resposta clara para as pessoas com grande dependência, rever o modelo dos lares, perceber que um idoso dependente e frágil carece de cuidados de saúde especiais”, afirmou.

Este ano, o Governo lançou o plano de ação para o envelhecimento ativo. E no documento do OE o Governo assume que as respostas sociais para os mais velhos são uma prioridade. Mas a verdade é que o financiamento provém sobretudo de verbas contempladas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). E neste capítulo estamos perante o maior investimento de sempre nas chamadas estruturas residenciais para pessoas idosas (ERPI): o compromisso do Governo é aumentar em 30% este tipo de resposta social, financiando cerca de 14 mil camas adicionais, acrescendo ainda 18 mil camas ao abrigo do PARES (Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais).

Tudo isto para contrariar uma estatística para a qual Luís Jerónimo, diretor do Programa Gulbenkian Desenvolvimento Sustentável, chama a atenção: “Vivemos mais mas não vivemos melhor. Se observarmos o número de anos de vida saudável depois dos 65, estamos muito abaixo da média europeia, que é de 12 anos. Os países nórdicos andam nos 18 e Portugal anda nos sete anos. Vamos viver mais, mas só teremos sete anos com saúde, prevendo-se períodos de morbilidade muito grandes.”

Para Luís Jerónimo, “a questão dos cuidados é fundamental”. Para tal é preciso agilizar o trabalho entre o Ministério da Saúde e o do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. “Aguardamos com expectativa a resposta em breve: mil milhões de euros, um acréscimo de 40% da resposta, são dados promissores. Mas há muito a fazer, até porque quando falamos em cuidados acabamos sempre a falar em lares. São importantes, mas há muito a fazer pelos lares.”

Nenhum idoso abaixo do limiar da pobreza

Atualmente há cerca de 100 mil idosos a viver em lares. Mas este número corresponde apenas a 5% da população idosa. “É preciso pensar nos restantes 95%”, disse Luís Jerónimo, acrescentando que a prestação de cuidados ao domicílio, assim como a capacitação dos cuidadores informais, é fundamental. “Temos de pensar na prestação dos cuidados fora dos lares.” Sobre o assunto, António Mendonça Mendes reconhece a necessidade de investir na capacitação dos cuidadores informais. “Os investimentos demoram tempo a produzir resultados, mas o facto de termos cria­do o Centro de Competências para o Envelhecimento Saudável e Ativo é da maior importância. No entanto, não podemos achar que essa capacitação será feita de um dia para o outro.”

Referindo-se ao OE 2024, considera existir uma medida estrutural que poderá incrementar a qualidade de vida na terceira idade. Trata-se de elevar os rendimentos através do Complemento Solidário para Idosos, uma medida que vai garantir que nenhum idoso viva abaixo do limiar da pobreza. Um aumento de €62 por mês, totalizando €550. Maria Sales Luís, CEO da Multicare, acredita que um incentivo do Governo à criação de seguros nas pequenas e médias empresas poderia contribuir para uma longevidade mais sustentada, o que já acontece com 30% da população. “Seria uma forma de promover a longevidade, a prevenção, o autocuidado, o diagnóstico, o rastreio e a consciencialização das pessoas.”

P&R

Qual o orçamento destinado à pasta da Saúde em 2024?

O Governo prevê uma despesa total consolidada de €15.709 milhões no próximo ano. Este valor representa um acréscimo de €786 milhões relativo a 2023. No entanto, o peso do sector no OE tem vindo a reduzir-se nos últimos anos: trata-se do segundo menor aumento percentual entre todos os ministérios, que se traduz em cerca de €1,2 mil milhões.

Deste valor, quanto é que o Governo estima gastar com despesas associadas ao envelhecimento?

De acordo com o documento em discussão na Assembleia da República, o Executivo de António Costa prevê custos com “envelhecimento e qualidade de vida” na ordem dos €29 milhões. Em 2023 este valor era menor: sensivelmente €27 milhões para aplicar na rede nacional de cuidados continuados integrados.

Que verbas estão previstas no Plano de Recuperação e Resiliência para a longevidade?

De acordo com Nuno Marques, presidente do Observatório Nacional do Envelhecimento e coordenador do Centro de Competências para o Envelhecimento Ativo, o valor total a ser investido por via do PRR é de €1000 milhões, partilhados entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Será maioritariamente investido em infraestruturas.

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LONGEVIDADE

É o ano dois do projeto que o Expresso lançou em 2022, com o apoio da Fidelidade e da Novartis. Durante este ano vamos olhar para os desafios da longevidade que se colocam às pessoas, às comunidades, às empresas e ao Estado. Agora que vamos viver mais anos, a meta é chegarmos novos a velhos.

Textos originalmente publicados no Expresso de 3 de novembro de 2023