Longevidade

A pé e de cadeira de rodas, sete idosos fazem Caminho de Santiago: “Tudo é possível, de forma adaptada”

Durante quatro dias, um grupo de idosos do Centro Social Paroquial dos Pousos fez uma viagem que envolveu espiritualidade, cultura e gastronomia: cumpriram o sonho de fazer os Caminhos de Santiago. Dois participantes – incluindo a mais velha, de 91 anos – contam ao Expresso como viveram momentos inesquecíveis, incluindo dormir em beliches. “Qualquer experiência na vida não tem de ter idade”, resume a coordenadora da iniciativa

Tudo começou com uma brincadeira. Uma senhora comentou que gostaria de ir a Santiago de Compostela, pensando no autocarro como meio de deslocação. Alguns responderam que um peregrino anda a pé. A ideia acabou por tornar-se real: durante quatro dias, sete idosos do Centro Social Paroquial dos Pousos, em Leiria, percorreram os Caminhos de Santiago, juntamente com nove cuidadores.

Aos 91 anos, Maria do Céu Violante encarou o desafio com entusiasmo. “Quero ver aonde chego”, dizia a participante mais velha antes de a aventura começar. A preparação envolveu “validar cada metro” a percorrer, destaca ao Expresso a coordenadora da Academia dos Sonhos, projeto responsável pela iniciativa. “Quatro dias, numa média de cinco a seis quilómetros por dia, em percursos tendencialmente adaptados”, explica Alexandra Neves, que também integrou o grupo.

A pé e de cadeira de rodas, o trajeto começou em Santa Luzia, em Viana do Castelo. Seguiu-se Vila Praia de Âncora, com paragem em Moledo antes de chegar a Caminha. Já depois da passagem da fronteira, em Valença, houve ainda uma visita a Padrón antes do tão aguardado momento: a chegada a Santiago.

“Radiante” é a palavra mais usada por Manuel Costa, prestes a fazer 80 anos, para descrever a experiência. “Gostei muito. Fiquei encantado. Nunca mais me esqueço”, diz com o entusiasmo de quem cumpriu um desejo já com alguns anos, que cresceu sobretudo após a neta o ter feito.

Um dos momentos mais especiais foi a forma como foram recebidos por quem estava no local: tiveram direito a uma ovação nas ruas. “Quando lá chegámos, em frente da catedral, todos bateram palmas”, relembra Manuel. “Na praça estava muita gente, todos a aplaudirem. Recordo-me muitas vezes disso”, aponta Céu.

“O sentimento ao chegar não tem explicação. Foi uma emoção muito grande”, sintetiza Fátima, trabalhadora na cozinha do Centro, que na viagem esteve como cuidadora. Depois de quatro meses de baixa, quis participar e enfrentar a “batalha”, que acabou por se transformar em “conquista”.

“Todos os dias éramos surpreendidos por peregrinos, com tanta cadeira de rodas não éramos muito discretos. As pessoas vinham ter connosco, queriam fazer perguntas, saber de onde éramos e cumprimentar”, relata Alexandra. Em Valença, cruzaram-se com um bracarense que esteve envolvido nas marcações do Caminho Português da Costa, que se mostrou “muito emocionado” com o que estava a presenciar.

Mas nem só de espiritualidade se fez a viagem: a cultura e a gastronomia também ocuparam parte importante. “Comemos de tudo”, confessa Céu. Com humor, Alexandra acrescenta que as doenças ficaram em Leiria. Não houve quedas e tudo correu bem, até as dormidas em beliches em albergues – que a Manuel fizeram lembrar “a tropa” –, mesmo com o ressonar de alguns vizinhos ouvido por Céu.

Ambos já pensam nos próximos destinos: Londres e Paris estão na lista. No ano passado, a nonagenária esteve em Roma com o Papa Francisco: mais um desejo realizado pela Academia dos Sonhos, cujo orçamento depende totalmente de angariação de fundos. O projeto está sediado no centro social paroquial, mas os sonhos que procura cumprir não são apenas de utentes seniores ou funcionários, mas também de pessoas em cuidados paliativos no Hospital de Leiria.

A “mensagem” que querem transmitir é a de que “qualquer experiência na vida não tem de ter idade”, resume Alexandra. “Trabalhamos o idadismo, que é o preconceito pela idade. Tudo é possível, de forma adaptada”, realça. Os Caminhos são disso exemplo: a organização implicou um trabalho cuidadoso, com “risco calculado” e aprovação da equipa médica. “Queremos inspirar outros. Porque se nós conseguimos, os outros também conseguem.”