Longevidade

Yoga do riso: “Pessoas que não falavam, depois de uma ou duas sessões, começaram a cantar fado”

O yoga do riso alia exercícios de respiração e de riso, num método que trabalha tanto o físico como a mente. Uma formadora e uma praticante contam ao Expresso o que lhes trouxe (e ainda traz) esta experiência – e, sobretudo, a diferença que pode fazer no bem-estar dos mais velhos

Maria de Jesus diz-se uma jovem: aos 76 anos e com a mãe já centenária, praticamente todos os dias cantam e riem. Mas nem sempre foi assim. Em criança, era “um pouco tímida” e a conotação associada ao riso não era a mais positiva. “Pareces uma tonta a rir dessa maneira”, ouviu dizer muitas vezes.

Cresceu, formou-se em enfermagem, deu aulas e uma estranha sensação foi ganhando forma. “Parecia que havia qualquer coisa que me faltava”, partilha em conversa com o Expresso. Começou a pesquisar sobre o riso e aprender a rir, até que descobriu o yoga do riso através da formadora Sabrina Tacconi, e decidiu experimentar.

As Nações Unidas indicam que o yoga é “mais do que uma atividade física”, praticada “de várias formas em todo o mundo” e cuja popularidade “continua a aumentar”. Tal como o tradicional yoga, o yoga do riso tem origem na Índia: a prática surgiu nos anos 90 pelas mãos do médico Madan Kataria. “É um método que combina exercícios de riso com exercícios de respiração para induzir o riso verdadeiro. Começamos através de um riso fingido, que à medida que o grupo vai interagindo, se torna verdadeiro através do contágio”, explica Sabrina Tacconi.

Ao trabalhar “o físico, a mente e as emoções”, o yoga do riso traduz-se em diferentes benefícios: reforça o sistema imunitário e ajuda na função cardiovascular, além de ser “uma forma de tonificar todo o organismo”. “A mente não distingue o riso fingido do riso verdadeiro. Quando percebe que estamos a rir, o cérebro começa a fazer uma libertação de substâncias químicas favoráveis – os chamados químicos da felicidade –, que são a serotonina, um antidepressivo natural; as endorfinas, que são paliativas da dor; a dopamina, que nos traz mais energia; e, por outro lado, faz descer o cortisol, que é a hormona responsável pelo stress”, sintetiza.

Quando começou a praticar, há cerca de dez anos, primeiro Maria de Jesus estranhou, mas acabou por sentir que queria seguir este “caminho”. “Comecei a rir comigo e para mim. Houve muitas atitudes que mudei, que hoje têm uma repercussão nos outros. Não é preciso rir às gargalhadas, mas termos um sorriso”, avalia. Um simples exemplo: sorrir ou dizer uma palavra simpática ao trabalhador que está na caixa do supermercado não custa nada e pode ter “um impacto tão grande” na disposição da pessoa.

Trata-se de encarar as situações com um novo olhar. “Acharmos graça às coisas, à própria vida”, resume a septuagenária. Muitas vezes, as pessoas não se permitem rir, relatava ao Expresso em janeiro o médico e humorista Carlos Vidal, que estudou os benefícios terapêuticos do humor: “Crescemos um bocado com esta ideia de que o riso, às vezes, não é uma coisa muito bem vista e parte de nós também mudar esse conceito e percebermos que não é por nos rirmos que os assuntos perdem seriedade ou credibilidade.”

Foi precisamente num ambiente sério – através da experiência profissional – que Maria de Jesus começou a pensar que “o riso podia ser uma terapia”. Certo dia, estava à conversa com um doente em fase de recuperação de uma intervenção cardíaca, quando este dá “uma grande gargalhada”. “E disse-me: ‘Só a senhora é que me fazia rir assim. Doeu, mas olhe que valeu a pena’.”

Rir perante os desafios

Por vivências como esta enquanto professora e enfermeira, defende a existência, nos cursos da área da saúde, de uma disciplina para “ensinar as pessoas a fazer sorrir e rir os outros”. “Até com alunos em estágio pratiquei algumas vezes, com pessoas de idade, fazê-las rir. Em vez de estarem a chorar, a lamuriarem-se. Isso dava um bem-estar muito grande.”

Sabrina Tacconi comprova-o há 18 anos, altura em que foi uma das primeiras a implementar o método do yoga do riso em Portugal. Fala numa “experiência incrível” com os mais velhos, tanto em lares de idosos como em universidades seniores. “Pessoas que não falavam, estavam no lar há 15 dias, depois de uma ou duas sessões de riso começaram a cantar fado. Pessoas que estavam prostradas, que não queriam saber nada do mundo, começaram a interagir”, conta.

As dinâmicas representam “uma forma de voltar a acordar”. Acima de tudo, são um estímulo – tanto para a mente como para o corpo. “O riso traz muita energia cá para fora. O yoga do riso não é uma terapia por si só, mas ajuda no processo terapêutico de todas as pessoas, desde crianças até seniores”, salienta a especialista. Com os seniores, importa particularmente a “regularidade da prática”, idealmente uma vez por semana, para incrementar os resultados.

“Através dos exercícios de riso que fazemos, tentamos que os desafios do dia a dia deles sejam mais leves. Por exemplo, muitos não gostam de tomar os comprimidos. Então fazemos o riso do comprimido, que é brincar que estamos a lançar um comprimido uns aos outros à boca. Não chegam aos atacadores, então brincamos que temos de chegar aos atacadores. Rimos disso”, retrata.

“O yoga do riso vem-me transformando e levando a transformar”, diz Maria de Jesus. O tal “caminho” levou-a ao voluntariado: agora, ensina o que aprendeu sobre o riso, numa associação de reformados e idosos na zona da Parede, em Cascais. “Devemos ajudar as pessoas até ao último momento da sua vida a estarem felizes, a rir, a sentirem-se bem.”