Longevidade

Seniores partilham casa com estudantes universitários: debaixo do mesmo teto, criam-se laços entre diferentes gerações

A dificuldade de acesso a alojamento por parte dos estudantes universitários é um problema conhecido, assim como o é o isolamento e solidão em que vivem muitas pessoas mais velhas. Em Coimbra, o programa “Abraço de Gerações” procura responder às duas questões: estudantes e idosos partilham casa e desenvolvem relações que, espera-se, se prolonguem no tempo

Desde que ficou viúva, Maria vivia sozinha. Tudo mudou para a octogenária quando surgiu a oportunidade de partilhar casa com Tânia, que se mudou de Paredes para Coimbra para estudar Direito. Para a jovem de 24 anos, foi uma forma de “contribuir para algo positivo e dar algum significado à mudança”.

“Cada vez são mais os idosos que estão isolados e que não têm sequer alguém com quem falar e isso sempre me fez alguma confusão, pensar que um dia somos nós que chegamos a mais velhos e não temos ninguém e saber que eu, com pouco, podia ajudar, no caso a dona Maria”, conta Tânia em conversa com o Expresso.

Este é apenas um exemplo daquilo que o programa “Abraço de Gerações” – dinamizado pela Associação das Cozinhas Económicas Rainha Santa Isabel (ACERSI), em parceria com a Associação Académica de Coimbra e a Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra – procura promover.

“O objetivo é proporcionar alojamento gratuito a estudantes da Universidade de Coimbra, principalmente aos que têm dificuldades económicas, e quebrar a solidão da população sénior”, indica Teresa Sousa, assistente social da ACERSI. Estudantes e idosos interessados em participar são sujeitos a uma avaliação a nível social, económico e psicológico.

“É de acordo com o perfil que traçamos de ambas as partes que promovemos a integração. Antes dessa integração, apresentamos o estudante à pessoa mais velha e são eles que decidem se querem ou não avançar”, explica a responsável. Existe ainda um “acompanhamento sistemático” ao longo de todo o processo, nomeadamente através de contactos e visitas, com o intuito de “garantir que está tudo a correr bem”.

Os universitários não pagam alojamento, mas participam nas despesas da casa. Em termos de logística, é necessária disponibilidade de acesso à cozinha e casa de banho e o quarto tem de ter uma secretária. O idoso que acolhe “não pode estar com um declínio cognitivo avançado nem estar dependente, tem de ter ainda algum grau de autonomia”.

Estabelecer laços

Autonomia é precisamente o que caracteriza Maria. “É muito independente, embora não saiba ler, tem 85 anos e é super ativa, não precisa de mim para quase nada”, destaca Tânia. A jovem ajuda-a na leitura de cartas importantes, por exemplo, além de a acompanhar em idas ao médico. “É ajudar nas pequenas coisas e tentar fazer alguma companhia.”

A criação de uma relação é um dos principais objetivos do projeto. “Temos percebido que o próprio estudante procura um ambiente mais familiar e que, muitas vezes, também se sentem sozinhos. A solidão não afeta só as pessoas de mais idade, mas também os mais jovens. Este projeto acaba por colmatar não só a questão económica, mas a questão da solidão, dos mais novos e dos mais velhos, promovendo um encontro intergeracional”, retrata Teresa Sousa.

Com o tempo que passam juntas e as experiências que partilham, Tânia e Maria acabaram por ser tornar “quase como uma avó e uma neta”, diz a estudante. Todos os dias tomam o pequeno-almoço e o almoço juntas, momentos em que aproveitam “para pôr a conversa em dia”, e também vão beber café de vez em quando.

“É fundamental criar esta relação, que venha a ser uma relação familiar, não digo de avô e neto, porque isso serão as pessoas que sentirão se é assim ou não, mas uma relação que perdure além do projeto, que termine o tempo dos estudos e o estudante ainda visite o idoso, faça contactos, que ainda mantenha alguma ligação”, aponta Teresa Sousa.

Tal irá certamente acontecer no futuro de Tânia e Maria. Mas, por agora, não vale a pena abordar o assunto. “Em casa não posso falar muito disso porque a dona Maria começa logo a chorar. Ainda não pensámos muito que é para não sofrer por antecipação.”