Guerra no Médio Oriente

Negociações Israel-Hamas: O que diz a proposta? Alguém já disse ‘sim’? O que se segue?

Estados Unidos, Egito e Catar são os mediadores de serviço num processo negocial arrojado — e muito delicado — entre Israel e o Hamas. Mais do que um cessar-fogo, a ambição passa também por um fim duradouro para a guerra que dura há mais de dez meses. Um roteiro para perceber o estado das conversações em curso

Uma família em fuga à destruição, em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza
Hatem Khaled / Reuters

O Médio Oriente está em suspenso, à espera que Israel e Hamas decidam pousar as armas e deem uma oportunidade à paz na Faixa de Gaza. Em cima da mesa do diálogo, está uma proposta apresentada ao mundo por Joe Biden.

O ANÚNCIO

O documento sobre a mesa das negociações tem na origem um plano apresentado por Joe Biden, a 31 de maio, numa intervenção a partir da Casa Branca.

A proposta resulta de meses de esforços envolvendo diplomatas e responsáveis dos serviços secretos norte-americanos, focados “não apenas num cessar-fogo, que seria inevitavelmente frágil e temporário, mas num fim duradouro para a guerra”, realçou o Presidente dos Estados Unidos.

“Depois de intensa diplomacia levada a cabo pela minha equipa e das minhas muitas conversas com os líderes de Israel, Catar, Egito e outros países do Médio Oriente, Israel apresentou uma nova proposta abrangente. É um roteiro para um cessar-fogo duradouro e para a libertação de todos os reféns. Esta proposta foi transmitida pelo Catar ao Hamas.

A 10 de junho, a proposta foi aprovada pela Resolução 2735 do Conselho de Segurança da ONU, com 14 votos a favor e a abstenção da Rússia.

A PROPOSTA

O plano contempla um processo em três fases.

1.ª FASE

Prevê “um cessar-fogo imediato, total e completo com a libertação de reféns, incluindo mulheres, os idosos e os feridos”. Contempla também “o regresso dos restos mortais de alguns reféns, a troca de prisioneiros palestinianos, a retirada de forças israelitas das áreas povoadas de Gaza”.

Enquadra ainda “o regresso de civis palestinianos às suas casas e bairros em todas as áreas de Gaza, incluindo no norte, bem como a distribuição de ajuda humanitária segura e efetiva em toda a Faixa de Gaza a todos os civis palestinianos necessitados, incluindo casas entregues pela comunidade internacional”.

Se, nesta fase, as negociações durarem mais de seis semanas, “o cessar-fogo continuará enquanto as negociações continuarem”.

2.ª FASE

Contempla “a cessação permanente das hostilidades, em troca da libertação de todos os outros reféns”, incluindo os soldados do sexo masculino, e também “a retirada total das forças israelitas de Gaza”.

3.ª FASE

Tem início “um grande plano plurianual de reconstrução de Gaza”. Esta fase inclui ainda “a entrega dos restos mortais de quaisquer reféns ainda em Gaza às famílias”. Neste grupo, estará Hadar Goldin, cuja história a mãe contou ao Expresso em abril.

A proposta “rejeita qualquer tentativa de alteração demográfica ou territorial na Faixa de Gaza, incluindo quaisquer ações que reduzam o território”.

E reitera “o seu compromisso inabalável com a visão da solução de dois Estados”. Neste contexto, salienta “a importância de unificar a Faixa de Gaza com a Cisjordânia sob a [liderança da] Autoridade Palestiniana”.

A 2 de julho, o Hamas comunicou que aceitava a proposta, abdicando da exigência de um cessar-fogo total e permanente antes de se comprometer com qualquer acordo. Mas subsistiram reservas do lado de Israel.

O ‘PLANO-PONTE’

Para colmatar lacunas e aproximar posições, a 16 de agosto, os Estados Unidos avançaram com aquilo que designam de “bridging plan” (um plano-ponte, numa tradução livre), visando encurtar distâncias entre as partes.

“Esta proposta baseia-se em áreas de acordo durante a semana passada e colmata lacunas remanescentes de uma forma que permite uma implementação rápida do acordo”, explicaram Estados Unidos, Egito e Catar, num comunicado conjunto.

Este plano foi discutido, na semana passada, durante dois dias de conversações em Doha, no Catar. Israel enviou uma delegação chefiada pelos chefes da Mossad e do Shin Bet, mas o Hamas esteve ausente. Está prevista uma nova ronda negocial, esta semana, no Cairo.

Esta segunda-feira, o secretário de Estado norte-americano anunciou que Israel aceitou a ‘proposta-ponte’. Antony Blinken fez o anúncio no término de um encontro de duas horas e meia com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em Jerusalém.

“Numa reunião muito construtiva com o primeiro-ministro Netanyahu, hoje, ele confirmou-me que Israel apoia a proposta-ponte”, disse o norte-americano, na segunda-feira. “O próximo passo importante é o Hamas dizer ‘sim’.

De Israel, Blinken — que realiza o seu nono périplo pelo Médio Oriente desde o 7 de Outubro — seguiu para o Cairo, de onde partirá para Doha.

Egito e Catar são países centrais no processo: o primeiro faz fronteira com a Faixa de Gaza e o segundo abriga o escritório político do Hamas.

A REAÇÃO DO HAMAS

Após aceitar o plano inicial proposto por Biden (e aprovado no Conselho de Segurança), o Hamas acusou Israel de introduzir novas exigências e disse que a nova proposta se afastava da versão anterior.

A imprensa israelita já fez eco de divergências entre responsáveis políticos e da área da segurança relativamente à proposta de cessar-fogo.

“Altos funcionários, incluindo o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o chefe das FDI [Forças de Defesa de Israel], Herzi Halevi, terão dito [...] ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que a sua insistência em novos termos sabotaria o acordo de cessar-fogo e a libertação de reféns em negociação, relatou “The Times of Israel”, no início do mês.

Após Blinken informar que Israel aprovou a proposta, a bola passou para o meio-campo do Hamas. Com o líder, Yahya Sinwar, escondido nos túneis de Gaza, a reação do Hamas tem-se feito ouvir pela voz de Osama Hamdan, um alto responsável do grupo palestiniano.

Na segunda-feira, Hamdan disse que a proposta à qual Israel anuiu “suscita muitas ambiguidades” já que “não foi o que nos foi apresentado nem o que acordámos”.

OS PONTOS DE DISCÓRDIA

Entre as várias divergências, há um diferendo de resolução complexa. Israel exige manter a sua presença militar ao longo do Corredor de Philadelphi — 14 quilómetros de comprimento na fronteira entre Gaza e o Egito, no sul —, para impedir o contrabando de armas desde a Península do Sinal (Egito).

Igualmente, Israel quer controlar o Corredor de Netzarim, que divide Gaza em dois, para aí montar postos de controlo para revistar os palestinianos de regresso às suas casas no norte, e detetar militantes do Hamas.

Outros obstáculos resultam de uma profunda falta de confiança entre as partes que inviabiliza a mínima cedência. O Hamas teme que, após a transferência do primeiro grupo de reféns — cerca de 30 dos mais vulneráveis ​​(1.ª fase) —, Israel retome a ofensiva em Gaza.

Por seu lado, Israel quer garantias que as negociações previstas para a segunda fase — a qual prevê a libertação dos últimos reféns vivos — não se prolonguem indefinidamente.