Há já várias reações de apoio aos anúncios feitos este domingo de reconhecimento do Estado da Palestina pelo Reino Unido, Canadá e a Austrália – a que se juntará ainda hoje Portugal –, mas também há críticas e ameaças de retaliação por parte de Israel. Em Portugal, os partidos mais à esquerda saúdam. O Chega mantém distância.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, veio afirmar que “nenhum Estado palestiniano será criado a oeste do [rio] Jordão”, num vídeo dirigido aos líderes ocidentais, nomeadamente do Reino Unido, Canadá e Austrália. E não se ficou por aqui, afirmando que o Governo vai expandir a colonização judaica na Cisjordânia ocupada.
Dentro de Israel há vozes discordantes. O líder do principal partido da oposição israelita, Yesh Atid, considerou o reconhecimento do Estado da Palestina um “desastre diplomático” pelo qual responsabiliza Netanyahu. Trata-se de “um passo prejudicial que recompensa o terrorismo”, criticou, em declarações ao jornal “The Times of Israel”, citado pela Europa Press.
Uma das reações mais entusiastas a favor veio naturalmente do presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, que considerou o reconhecimento do Estado da Palestina pelo Reino Unido um passo em direção a “uma paz justa e duradoura”.
Para Abbas, citado pela agência palestiniana Wafa, o reconhecimento “abrirá o caminho para a implementação da solução de dois Estados”, que permitiria à Palestina viver “ao lado do Estado de Israel em segurança, paz e boa vizinhança”. A prioridade, defendeu, é alcançar “ um cessar-fogo, a entrada de ajuda humanitária, a libertação de todos os reféns e prisioneiros”, bem como “a retirada total israelita da Faixa de Gaza” e “o fim da atividade de colonatos e do terrorismo de colonos”.
Os anúncios do Reino Unido, Canadá – os dois primeiros países do G7 a fazê-lo – e Austrália, a que se juntará Portugal, este domingo às 20h15, ocorre na véspera da realização da conferência, promovida por França e Arábia Saudita, sobre a solução dos dois Estados, no âmbito da semana de alto nível da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, que decorre em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Portugal reconhece ao fim do dia
O reconhecimento português será feito pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, em Nova Iorque, onde está também o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com a missão também de promover a candidatura de Portugal ao Conselho de Segurança da ONU em 2027-2028.
A decisão tem o “pleno apoio” do Presidente da República, disse Marcelo. “O caminho é defender a moderação, afastar-se dos radicalismos. Portugal, desde sempre e com todos os presidentes, defendeu sempre o princípio de dois Estado soberanos. Atuar neste momento é atuar para haver uma hipótese no sentido de haver dois Estados”, afirmou aos jornalistas em Nova Iorque.
França, se tudo correr como o previsto, reconhecerá o Estado palestiniano durante a conferência de segunda-feira. Outros países que deverão fazê-lo no mesmo encontro são a Bélgica, Malta, Luxemburgo, Andorra e São Marino.
Apoiar sim, mas com condições
O PCP, o Livre e o Bloco de Esquerda já vieram saudar a decisão de Portugal. André Ventura, líder do Chega, questionado pelos jornalistas à entrada da Feira de São Mateus, em Viseu, mantém reservas. Sem ser muito claro sobre a posição do partido, sublinhou que não é isso que está a preocupar os portugueses neste momento. E falou na necessidade de haver condições, nomeadamente a libertação dos reféns.
O PCP considerou que o reconhecimento do Estado da Palestina por Portugal é uma “medida que peca por tardia e que há muito se impunha”. Pediu ainda, citado pela Lusa, que “seja feito sem exigências ou condições que coloquem em causa os direitos do povo palestiniano, nomeadamente a um Estado livre e independente”, devendo ser criado com as fronteiras de 1967 e a capital em Jerusalém Leste.
Satisfeito com a decisão de Portugal, o Bloco de Esquerda considerou, no entanto, que não será mais do que um gesto simbólico se não forem criadas condições objetivas para a viabilidade de um Estado palestiniano. Sublinhou que outros estados da ONU já fizeram este reconhecimento, propondo um embargo total de venda de armas a Israel, além de sanções aos responsáveis políticos e militares israelitas.
“Com o ataque terrestre à cidade de Gaza, o Governo de Israel acelera este processo de extermínio, que já tirou a vida a mais de 65 mil pessoas e feriu mais de 160 mil, a maioria mulheres e crianças. Entre as vítimas contam-se ainda mais de 230 jornalistas – o registo mais elevado de profissionais de comunicação mortos num único conflito”, sublinhou o Bloco em comunicado.
O BE manifestou ainda apoio à missão humanitária da Global Sumud Flotilla, destinada a quebrar o bloqueio imposto por Israel, onde está a líder do partidos, Mariana Mortágua: “Assume um papel determinante para assegurar o acesso de ajuda vital e denunciar, junto da comunidade internacional, o cerco que agrava o sofrimento da população de Gaza.”
O porta-voz do Livre, Rui Tavares, também já veio saudar o reconhecimento, por Portugal do Estado da Palestina, apesar de o considerar tardio. Não obstante, frisa que envia uma “mensagem muito poderosa” a Israel e não é um ato “meramente simbólico”.
“É muito importante o reconhecimento da independência da Palestina, nomeadamente nesta situação que temos desde o 7 de outubro e depois da contraofensiva do Exército israelita em Gaza, que elementos extremistas do Governo israelita tentaram aproveitar para criar factos no terreno que impossibilitassem a solução dos dois Estados”, afirmou Rui Tavares.
O candidato presidencial António José Seguro também já reagiu, defendendo tratar-se de “um passo simbólico, mas profundamente político e moral”. “Pugno pela paz duradoura naquela região do mundo, só possível com a existência de dois Estados viáveis, reconhecidos e seguros, a viver lado a lado”, sublinhou.
E acrescentou: “O reconhecimento simbólico da Palestina enquanto Estado soberano visa impedir que sejam destruídos definitivamente os pilares basilares de um Estado palestiniano (expulsar população palestiniana, reocupar territórios palestinianos e poder político, destruir a Autoridade Palestiniana) e, por outro lado, relançar um processo de paz mais amplo e alargado no Médio Oriente que permita viabilizar ‘de facto’ a solução de dois Estados.”
Mas defende: “Este reconhecimento não é, nem deve ser, um gesto contra Israel. Pelo contrário, é um gesto a favor da paz, que exige, repito, dois Estados viáveis, reconhecidos e seguros, a viver lado a lado. É também um sinal de que a Europa e Portugal não abdicam da sua responsabilidade histórica e diplomática num conflito que continua a marcar gerações”.
O também candidato presidencial Luís Marques Mendes saudou a decisão de Portugal em reconhecer o Estado da Palestina, alinhado na mesma ocasião com França e Reino Unido, Canadá, considerando que o mais importante é o passo que é dado.
Questionado sobre o facto de a AD estar dividida sobre o reconhecimento da Palestina, Marques Mendes referiu que tal “não impede qualquer decisão do Governo”. Portanto, “é uma questão de gestão dos dois partidos, não me vou meter nessa questão”, afirmou.
“Acho que é mais importante nesta altura saudar a decisão. Eu acho que esta decisão de reconhecimento do Estado da Palestina devia ser feita no quadro da União Europeia, isso era o ideal”, prosseguiu. “Não sendo possível no quadro da União Europeia, porque a União Europeia se divide, acho que Portugal faz bem em alinhar na mesma ocasião com países como a França, como o Reino Unido, como o Canadá ou como a Austrália”, considerou.
O candidato referiu ainda que “esta decisão é importante porque é simbolicamente uma aposta a maior visibilidade, dignidade e legitimidade do povo palestiniano no quadro internacional e pode ser um passo que venha a ajudar um processo de paz construído na base da ideia de dois Estados”. “Portanto, para mim, acho que o mais importante é o passo que hoje é dado”, rematou.
Quase 150 países reconhecem o Estado palestiniano em todo o mundo, sendo que Reino Unido e Canadá tornaram-se hoje os primeiros do grupo das sete maiores economias desenvolvidas do mundo a fazê-lo.