Guerra no Médio Oriente

Analistas acreditam que reconhecimento do Estado da Palestina nada mudará na ocupação israelita

O reconhecimento é um gesto simbólico: o bloqueio a Gaza não desaparecerá automaticamente e a violência continuará por tempo indefinido, avisam dois analistas de políticas internacional

Guerra em Gaza
Mahmoud Issa/ Reuters

Analistas portugueses de política internacional coincidem na opinião de que um reconhecimento do Estado da Palestina, que Portugal formalizará no domingo, será apenas simbólico e que “nada mudará no imediato a ocupação israelita”.

Em declarações à agência Lusa, quer o professor na NOVA School of Law de Lisboa, Felipe Pathé Duarte, quer o vice-presidente do Observatório do Mundo Islâmico (OMI), João Henriques, sustentaram que o bloqueio a Gaza não desaparecerá automaticamente e que a violência continuará por tempo indefinido.

João Henriques lembrou que, atualmente, 146 dos 193 Estados-membros da ONU reconhecem o Estado da Palestina, número que aumentará já no domingo com Portugal, tal como anunciado na sexta-feira pelo Mnistério dos Negócios Estrangeiros.

Na segunda-feira, Portugal juntar-se-à a outros nove países que se reunirão numa conferência promovida por França, incluindo Andorra, Austrália, Bélgica, Canadá, Luxemburgo, Malta, Reino Unido e São Marino, em que todos reconhecerão a Palestina como Estado.

“Israel já disse que a guerra não vai parar apenas por causa do reconhecimento, uma vez que deixou muito claro que não aceita imposições externas sobre o Estatuto da Palestina”, pelo que, a haver impacto, será sempre “simbólico” no imediato, sustentou Pathé Duarte.

“O potencial reconhecimento não vai mudar no imediato a ocupação israelita da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental. Na prática, isso vai continuar. O bloqueio de Gaza não vai desaparecer automaticamente. O Hamas vai continuar a controlar Gaza, o que vai criar um problema complicado, nomeadamente em termos de dois tipos de autoridade, porque temos o caso na Cisjordânia, nas mãos da Fatah, da Autoridade Palestiniana, e, no caso de Gaza, o Hamas. Portanto, a ONU não reconhece o Hamas como um governo legítimo”, justificou o analista de politica internacional.

Segundo Pathé Duarte, um reconhecimento da Palestina como Estado fará com que se deixe de ver apenas o povo palestiniano sob ocupação e passar a tratá-lo como um país soberano, com direitos e deveres iguais aos de qualquer outro, sobretudo o reconhecimento diplomático e jurídico-político.

“O reconhecimento é, sem grande margem para ilusões, simbólico, já que a ocupação e a violência de que é alvo a população palestiniana marcarão o seu dia-a-dia por tempo ainda não definido”, sublinhou, por sua vez, João Henriques, argumentando com o “permanente desrespeito de Israel por todas as decisões que contrariam a sua caminhada pela expansão territorial”.

Por outro lado, para o professor na NOVA School of Law de Lisboa, na perspetiva do governo de Benjamim Netanyahu, enquanto o Hamas continuar a existir “há de ser sempre visto como uma ameaça existencial a Israel, ou uma potencial ameaça existencial a Israel”.

“Qualquer solução de dois Estados que eventualmente Telavive aceite, nunca será com a possibilidade de existência do Hamas. E é o que está a acontecer. Israel vai acentuar a invasão na tentativa de eliminar completamente o Hamas. E só depois daí, eventualmente, é que poderá considerar a possibilidade negocial dos Estados”, disse.

A este respeito, João Henrique salientou que, independentemente do reconhecimento do Estado de Israel por mais países, as Forças de Defesa de Israel (FDI) “vão acentuar a invasão na tentativa de eliminar o Hamas”, o que será “difícil”.

“O Hamas tem ainda cerca de 10.000 efetivos prontos para combater, muitos deles jovens, pois as primeiras figuras foram eliminadas”, referiu, sublinhando que o movimento islamita “nunca irá deixar de confrontar Israel” e que “eliminará os reféns que ainda tem em seu poder antes da chegada das FDI”.

Sobre o papel dos Estados Unidos, Pathé Duarte defendeu que Washington “dificilmente aceitaria de bom grado” ver a Palestina como Estado, pois reagiria como “oposição política imediata, utilizando o veto no Conselho de Segurança da ONU para bloquear várias resoluções que reconheçam ou fortaleçam esta possibilidade de um Estado palestiniano”.

No entanto, apesar de os Estados Unidos não disporem da possibilidade de utilizar o veto, de facto, na Assembleia Geral das Nações Unidas, que começa na segunda-feira em Nova Iorque, poderiam sempre manifestar uma rejeição política e não reconhecer bilateralmente a Palestina.

“Os Estados Unidos aqui dificilmente reconheceriam e fariam tudo por tudo para que isso não acontecesse. A reação será sempre negativa e de oposição ativa, utilizando o Conselho de Segurança, de críticas muito fortes, acompanhadas talvez de sanções financeiras, de críticas políticas e levantando sempre a bandeira de que só reconhecerão a Palestina resultado de negociações diretas com Israel e não decisões unilaterais das Nações Unidas ou da chamada Comunidade Internacional”, concluiu.

Já o vice-presidente do OMI, questionado sobre o posicionamento dos Estados Unidos no conflito, sustentou que irá refletir-se “inevitavelmente nas relações de natureza diplomática”, tanto a nível regional como global, “em particular com alguns dos seus aliados europeus e do Médio Oriente”.

“Este cenário poderá vir a diminuir a capacidade de os EUA ditarem as suas leis no campo das decisões multilaterais, podendo assim favorecer o maior protagonismo da União Europeia [UE], dos países árabes, da Rússia, e da China também, o que contraria os mais recentes propósitos do Washington para a região”, sustentou.

Para João Henriques, poderá dar lugar igualmente a “um endurecimento das posições norte-americanas através da aplicação ou agravamento das sanções já existentes, o que exigirá o bom senso do atual inclino da Casa Branca, o que é bastante duvidoso”.