Guerra na Ucrânia

A “Nova Rússia” apresentada por Putin inclui uma “limpeza cultural” na Crimeia: guerra na Ucrânia, dia 764

Perante uma multidão em festa no centro de Moscovo, o líder do Kremlin garantiu que todos os territórios ucranianos sob ocupação ilegal fazem parte do futuro da Rússia – incluindo a Crimeia, anexada há dez anos e onde estão a acontecer perseguições étnicas e religiosas, denuncia a Amnistia Internacional

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Esta segunda-feira foi um dia de festa na Rússia: a península da Crimeia foi anexada há dez anos, e o Kremlin organizou um concerto na Praça Vermelha para assinalar a data.

“O regresso à pátria acabou por ser mais difícil, mais trágico. Mesmo assim, conseguimos e isso é um grande marco na história do nosso país”, declarou Vladimir Putin no centro de Moscovo, perante uma multidão de apoiantes. O Presidente russo garantiu que a Crimeia faz parte da “Nova Rússia” – assim como Kherson, Donbass, Zaporijia e Kherson, as regiões ucranianas atualmente ocupadas pelas forças russas.

Putin sublinhou que estão a ser construídas ligações ferroviárias entre a Rússia e estes territórios – dado que as populações locais já expressaram o "desejo" de voltar a ser parte da Rússia, apontou o chefe do Kremlin, referindo-se ao processo de anexação através de referendos ilegais à luz do direito internacional.

"A Crimeia não é apenas um território importante do ponto de vista estratégico, não é apenas a nossa história, a nossa tradição. A Crimeia é principalmente o seu povo", afirmou Putin, lembrando que a península é “um porta-aviões indestrutível” e tem laços históricos com a “mãe Rússia”.

Amnistia Internacional denuncia limpeza cultural na Crimeia

Também para assinalar a anexação da Crimeia, a Amnistia Internacional publicou esta segunda-feira um relatório que denuncia os esforços das autoridades russas para “sistematicamente erradicar a identidade ucraniana e tártara” do território – incluindo a proibição destas línguas nas escolas, nos meios de comunicação social e em outros aspetos da vida em sociedade.

As acusações foram feitas por Patrick Thompson, investigador da organização não-governamental: o Kremlin está a promover a expulsão de populações locais, e também a “transferir cidadãos russos” para a Rússia.

"A Rússia deve cessar a repressão das identidades nacionais não russas nos territórios ocupados e pôr termo às violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos", acrescenta o responsável, em comunicado divulgado hoje pela Amnistia Internacional.

As autoridades russas na Crimeia criaram um novo currículo educativo para “doutrinar as crianças em idade escolar", e estão a ameaçar professores, pais e alunos que demonstram oposição à medida, acrescenta ainda a organização de direitos humanos. "Isto acontece no contexto da imposição das leis e normas russas, incluindo a repressão dos direitos de expressão e de reunião", denunciam.

No campo das violações contra a liberdade religiosa, o relatório lembra que 50 cidadãos tártaros na Crimeia foram obrigados a pagar multas pesadas por promoverem “ideias religiosas” ilegais à luz da lei russsa. Há ainda muçulmanos perseguidos e condenados a penas de prisão até 24 anos, e Testemunhas de Jeová declarados membros de uma “organização extremista”.

Além disso, a Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Kiev, que se separou de Moscovo, foi igualmente perseguida e os sacerdotes foram obrigados a abandonar a Crimeia.

Outras notícias

> A celebração acontece um dia depois das eleições presidenciais, que Putin venceu sem real oposição por 87%. É a maior fraude eleitoral de sempre, apontou uma organização russa pela defesa dos eleitores (Golos). O sufrágio não foi “justo nem livre”, lamentou a NATO e vários governos ocidentais. O Kremlin “limitou quem poderia concorrer, e assassinou um dos maiores membros da oposição, além de os resultados terem sido manipulados”, lembra ao Expresso William Alberque, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, em Berlim.

> Líderes autoritários em todo o mundo apressaram-se a dar os parabéns a Putin pela vitória: “mostra o apoio do povo russo por si”, elogiou Xi Jinping, presidente chinês; foi um resultado “espetacular” que “prova o compromisso da Rússia com a democracia”, sublinhou Nicolás Maduro, da Venezuela. O presidente da BIelorrússia telefonou hoje ao seu maior aliado para lhe dar os parabéns, e o ditador da Coreia do Norte enviou-lhe uma mensagem privada.

> Do lado ucraniano, Zelensky insiste com o Congresso norte-americano: é “extremamente importante” que Kiev receba mais equipamento militar, afirmou o Presidente após receber o senador republicano Lindsey Graham, que apoia o atual bloqueio imposto pelo seu partido no Congresso e não se comprometeu com uma mudança de posição. Também hoje, os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE aprovaram mais um plano de apoio à Ucrânia no valor de €5 mil milhões – “e não será o último”, garantiu João Gomes Cravinho, do Governo português.

> Sobre outra forma de ajudar a Ucrânia, o chefe da diplomacia de Bruxelas garante que já há um “consenso forte” entre os estados-membros para canalizar as receitas dos capitais russos congelados para reforçar a Defesa ucraniana. Contudo, Josep Borrell admite que a decisão ainda não é “unânime” entre os governos. O montante em causa estará entre €2 mil e €3 mil milhões.