Mind the Vote

Mind the Vote #8: Vermelho e verde é o Reino Unido desejado por Jeremy Corbyn

Foi dia de Jeremy Corbyn. O programa eleitoral do Partido Trabalhista veio à luz e é… radical, sem exagerar. Impostos sobre multinacionais e gente rica, generosidade na política social e, sobretudo, fortíssimo investimento público são os ingredientes da oposição – em desvantagem nas sondagens – para que a campanha seja menos centrada no Brexit e mais no dia-a-dia

Jeremy Corbyn lançou esta quinta-feira aquele o “programa eleitoral mais radical do Partido Trabalhista desde há décadas”. A avaliação é do diário “The Guardian”, geralmente próximo dos trabalhistas, que refere um “blitz de investimento a ser financiado pelos ricos”. Foi na Universidade de Birmingham que o líder esquerdista pediu “esperança” aos eleitores, ao apresentar o documento a que chamou “É Hora de Mudança Real”.

A proposta do líder da oposição assenta em investimento público, mas Corbyn promete que não mexerá no IVA e que 95% dos britânicos não sofrerão qualquer aumento de impostos, pois só haverá agravamento para quem ganha mais de 80 mil libras (93 mil euros) por ano, num montante global de 82 mil milhões de libras (96 mil milhões de euros). Promete, em contrapartida, aumentar os funcionários públicos em 5% já em 2020, Internet de banda larga universal até 2030 (financiada tributando multinacionais), construir 150 mil casas de habitação social por ano (financiada tributando casas de férias) e garantir seis anos de formação gratuita a todos os adultos. Todos os maiores de 15 anos que trabalhem receberão um salário mínimo de 10 libras (11,67 euros) por hora.

Para pagar tudo isto, Corbyn exigirá mais às grandes empresas e aos ricos, conforme detalha num “livro cinzento” com o custeamento de todas as suas promessas. Conta, por exemplo, auferir 11 mil milhões de libras (12.800 milhões de euros) cobrando um novo imposto às corporações que exploram petróleo e gás. Cobrado uma única vez com base na pegada ecológica de cada firma avaliada desde 1996, constituiria um “fundo de transição justa” para adaptar a economia à nova era, reconvertendo trabalhadores e adotando tecnologias amigas do ambiente. “Não podemos continuar a negar a emergência climática. Vemo-la por toda a parte, como mostraram as recentes inundações em Yorkshire e East Midlands. Não há tempo a perder. A crise exige ação rápida, mas não seria correto a enfermeira, o operário de construção ou o trabalhador do setor energético arcarem com os custos da emergência climática”, defendeu. As grandes empresas “que lucram aquecendo o planeta” que paguem, concluiu o homem que quer expulsar da Bolsa de Valores de Londres as que não cumprirem as metas de redução de emissões de carbono.

Outros alvos do fisco serão as transações financeiras, dividendos e ganhos de capital, e os contribuintes mais ricos, sujeitos a taxas de IRS de 50% caso aufiram mais de 125 mil libras (146 mil euros) por ano. Mas um Governo trabalhista também recorreria a endividamento para criar um “fundo de transformação nacional”, orçado em 400 mil milhões de libras (467 mil milhões de euros para renovar infraestruturas: ferrovia, correios, serviços de água e energia, todos eles nacionalizados, bem entendido.

Se quiser perceber melhor a proposta de Corbyn, porque não ouvir o próprio? O líder trabalhista aceitou o desafio de desbobiná-lo em 60 segundos...

Radical? Corbyn prefere falar de “um programa cheio de políticas populares que o sistema político bloqueou durante uma geração”. É notório o intuito de chamar à campanha assuntos domésticos e quebrar o monopólio de que tem gozado o Brexit – em que, de resto, o Partido Trabalhista peca por ter posição menos clara do que a do Governo conservador de Boris Johnson. Corbyn mantém-se fiel ao lema “para muitos, não para poucos” e jura que reduzirá para metade o recurso a bancos alimentares, no prazo de um ano, eliminando a sua necessidade por completo até 2022.

Claro está que não se pode fugir à questão europeia. Se forem poder, os trabalhistas deitarão para o lixo o acordo negociado por Johnson e dar-se-ão três meses para obter outro em Bruxelas. Esse novo documento será sujeito a referendo, com a opção de ficar na UE, até seis meses depois de o novo Governo tomar posse. E Corbyn obedecerá ao eleitorado. Noutra matéria associada, a imigração, os trabalhistas prometem manter a livre circulação caso o povo escolha permanecer na UE e, caso contrário, negociar um esquema que melhore os direitos de reagrupamento familiar e afrouxe as exigências para obter vistos, sobretudo em setores profissionais de que o Reino Unido está carente.

Os trabalhistas aumentariam o investimento no depauperado sistema nacional de saúde (NHS na sigla inglesa) 4,3% por ano. Agravariam a tributação de bebidas açucaradas, regulariam o teor de sal nos alimentos e proibiriam restaurantes de fast food perto de escolas, restringindo também a publicidade a comida pouco saudável. Na educação, mantêm a promessa de abolir as propinas universitárias e daria 30 horas por semana de cuidados gratuitos a crianças abaixo da idade pré-escolar. Neste sector, como na saúde, Corbyn reverteria privatizações em curso.

O manifesto de Corbyn, com 97 páginas, inclui ainda medidas como reavaliar o passado colonial do Reino Unido; abolir a Câmara dos Lordes; medidas antilóbi e pró-transparência; obrigar as grandes empresas a atribuir 10% das ações aos seus trabalhadores, rendendo-lhes dividendos de até 500 libras (583 euros) por ano, e um terço dos lugares nos conselhos de administração. O líder trabalhista tem três semanas a contar de hoje para convencer os britânicos de que tudo isto é possível e desejável. O agregador de sondagens do “Telegraph” dá uma vantagem de 12,7% aos conservadores, mas o jornal recorda que Theresa May ia 17,3% à frente, a esta distância das eleições de 2017, mas acabou por desbaratar a maioria absoluta.

Quem não está convencido é o Instituto de Estudos Fiscais, organismo independente segundo o qual os planos de Corbyn conduziriam à maior carga fiscal desde a II Guerra Mundial. Este think tank explica que ao abrigo do programa eleitoral trabalhista o país “angariaria mais em IRC, como porção do rendimento nacional, do que qualquer outro país do G7 e do que quase todos da OCDE”, o que acarretaria “riscos substanciais”. O aumento de impostos para financiar os projetos “colossais” de Corbyn, diz o instituto, teria de ser mais distribuído. O seu diretor, Paul Johnson, lembrou na ITV que “os impostos sobre as empresas acabam por afetar os indivíduos” e considerou “simplesmente não credível” a ideia de que os cidadãos comuns não pagarão mais.

A FOTO DO DIA

Foi o dia das grandes certezas e também de algumas surpresas. Os trabalhistas já tinham revelado algumas das medidas que estariam no programa eleitoral para as eleições de 12 de dezembro, mas, analisado como um todo, é um manifesto de esquerda “à Corbyn”, ou seja, com impostos sobre quem mais ganha e promessas de nacionalização de sectores estratégicos. Já começaram a chegar algumas reações e nem todas são boas: analistas económicos colocam em causa a sustentabilidade de congelar a idade da reforma nos 66 anos e também contrariam a promessa de que os impostos não vão subir para “95% das pessoas”, como Corbyn prometeu. A apresentação do programa, na Universidade de Birmingham, teve um público entusiasta, que pendurou pelas varandas do edifício e também pela sala onde Corbyn falou, vários panos com algumas das principais medidas
Christopher Furlong

A FRASE

“Se preferirmos um futuro a que possamos chamar casa, temos de deixar de apoiar – ainda que passivamente – esta agenda conservadora voraz e insaciável, antes que nos devore, e aos nossos filhos como sobremesa.” Alan Moore, escritor e autor de banda desenhada, criador de êxitos como “Watchmen” ou “V de Vendetta”, não costuma votar, mas desta vez abrirá uma exceção. Exercerá o direito pela segunda vez na vida para levar Jeremy Corbyn ao poder.

UMA HISTÓRIA FORA DO RADAR

O ex-primeiro-ministro escocês Alex Salmond foi acusado de tentar violar mulheres na sua residência oficial e irá a julgamento em 2020, decidiu esta quinta-feira um tribunal de Edimburgo. O antigo líder do Partido Nacional Escocês (SNP, hoje no governo regional e liderado por Nicola Sturgeon) enfrenta 14 acusações que vão de agressão sexual a comportamento indecente. As alegações são apresentadas por dez mulheres e dizem respeito a um período que vai de junho de 2008 a novembro de 2014, quando Salmond chefiava o executivo escocês. Nove das 14 ocorrências terão acontecido em Bute House, a residência oficial – onde teria tentado forçar uma mulher a ter relações sexuais, impedindo fisicamente a sua saída do local –, ao passo que outras dizem respeito ao castelo de Stirling e a um restaurante em Glasgow. O político terá beijado uma mulher na boca e tocado nas suas nádegas e peito e tentado beijar os pés de outra. Salmond diz-se inocente e reserva explicações para o julgamento.

Há meses refutou “absolutamente” qualquer conduta imprópria e já ganhou uma ação cível relativa a este assunto, embora por motivos processuais e não de substância, o que obrigou o erário público escocês a pagar 500 mil libras (583 mil euros) de custas judiciais. Esta quinta-feira a primeira-ministra Sturgeon, que sucedeu ao seu mentor político Salmond à frente do SNP, não quis comentar um caso que está a decorrer, pedindo apenas “que se faça justiça”. Salmond, casado e com 64 anos, liderou o partido um total de 20 anos, em dois períodos, e o governo regional entre 2007 e 2014. Demitiu-se quando os escoceses rejeitaram em referendo a sua proposta de independência. Ainda foi deputado no Parlamento britânico mas perdeu o assento nas eleições de 2015. Presentemente apresenta um programa de debates no canal russo RT.

NAFTALINA ELEITORAL

Houve um tempo em que ser dono de uma panela era condição para votar no Reino Unido. Criado e 1265, o Parlamento (na altura inglês, hoje britânico) começou por não ter um sistema eleitoral fixo. A escolha dos representantes de cada localidade ou condado variava muito: de eleições abertas a votação restrita a latifundiários ou mesmo escolha pela autarquia local, havia de tudo. No século XIX, um dos critérios para dar o direito de voto a alguém era possuir uma grande panela. Tal era visto como indício de que o cidadão possuía uma lareira suficientemente grande para cozinhar, o que significava que era um dono de casa e chefe de família responsável. O direito de voto era visto como uma recompensa pelo contributo de alguém para a comunidade, de tal forma que os licenciados até tinham direito a votar duas vezes: até 1948 as universidades britânicas tinham o seu próprio contingente de deputados, escolhidos por sufrágio pelos respetivos alunos.

SONDAGEM DO DIA

A novidade de hoje não é o avanço que os conservadores levam sobre os trabalhistas (44%-28%, diz o instituto Ipsos Mori, numa sondagem para o vespertino “Evening Standard”, que dá ainda 16% aos liberais e um empate a 3% entre os Verdes e o Partido do Brexit). Mais revelador do estado de coisas é o dado sobre a certeza que os eleitores têm de que a sua opção não vai mudar até 12 de dezembro, dia da ida às urnas. Do total de inquiridos, 59% dizem estar seguros. Entre os que escolhem o Partido Conservador, 71% prometem não vacilar; dos que dizem apoiar o Partido Trabalhista só 54% garantem não alterar o sentido de voto; quanto aos votantes dos Liberais Democratas, só 40% consideram a sua decisão definitiva.

SAÍDO DO MANIFESTO

Se permanecer no poder após as eleições legislativas, o Partido Conservador vai aumentar para o dobro as penas por agressão a agentes da polícia, prometeu esta quinta-feira a ministra do Interior. Priti Patel foi aplaudida ao anunciar a medida na festa do centenário da Federação Policial de Inglaterra e País de Gales, conta o diário “The Daily Telegraph”. Há pouco mais de um ano a pena de prisão máxima foi prolongada de seis para doze meses, graças a uma proposta de lei do deputado conservador Chris Bryant, que mereceu o apoio do então Governo de Theresa May. Patel garante que vai esticar esse prazo máximo para 24 meses de cadeia, para “fazer com que os bandidos que atacam polícias pensem duas vezes”.