Boris Johnson quer mesmo fazer amigos, mesmo entre os “malucos dos comunistas”, como já apelidou a turma de Jeremy Corbyn. E tanto quer que enviou ao líder dos trabalhistas as perguntas que espera ver respondidas no primeiro debate entre os dois, com início marcado para as 20h desta terça-feira (mesma hora em Portugal Continental). Corbyn pode já levar preparadas as respostas para as seguintes perguntas:
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Os trabalhistas propõem um segundo referendo sobre a UE. Nesse referendo, o senhor recomendaria que o Reino Unido permanecesse ou que saísse?
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Como primeiro-ministro, o senhor manteria ou alargaria a livre circulação de pessoas?
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A imigração seria maior ou menor sob os trabalhistas de Corbyn?
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Quanto estaria disposto a pagar para o orçamento da UE em troca de “acesso aos mercados”?
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Consegue garantir que todos os candidatos trabalhistas apoiam sua política de Brexit?
Para Corbyn será como subir uma inclinada colina escocesa, para Johnson será mais como tentar equilibrar-se numa daquelas cordas que os trapezistas usam para passar de um lado para o outro do circo. Corbyn, meia década depois de ter sido eleito líder da oposição, continua a tentar atingir os objetivos mais simples, os óbvios para um líder do maior partido da oposição: ser levado a sério como alternativa a Boris Johnson, o que parece difícil, já que as sondagens continuam a pender fortemente para o lado dos conservadores.
Partimos para este primeiro debate com o partido no poder a reunir 45% das intenções de voto, enquanto os trabalhistas conseguem apenas 28%, a diferença mais ampla das últimas duas semanas. Mas o formato bidirecional do debate permitirá que o líder trabalhista se apresente como única alternativa a mais cinco anos de Governo conservador e como válvula de escape para os que ainda sonham com o fim do Brexit ou, pelo menos, com uma saída que preserve a maioria das ligações do Reino Unido com o resto do bloco europeu.
Embora a popularidade de Johnson tenha melhorado nas últimas semanas, o Executivo conservador é impopular e Corbyn procurará responsabilizar o primeiro-ministro pelos nove anos de poder (incluindo os mandatos de David Cameron e Theresa May), durante os quais a austeridade marcou alguns serviços públicos de forma profunda. A avaliação permanente que as autoridades fazem da condição económica das pessoas com deficiência que pedem ajuda ao Estado, com intuito de a reavaliar e reduzir, marcou a agenda mediática e decerto será um dos temas mais emocionais pelos quais Corbyn pode puxar.
A possibilidade de que esse esquema de avaliação de necessidades possa passar para as mãos de uma empresa privada é o mote ideal para Corbyn lançar a discussão que lhe interessa: a de que, num cenário pós-Brexit em que a economia do Reino Unido começasse a sofrer e a precisar urgentemente de ‘amigos’, o Reino Unido se torne uma espécie de Makro, onde tudo se vende por atacado, incluindo o Serviço Nacional de Saúde, no qual Donald Trump tem o seu olho guloso. Uma investigação do Channel 4 mostra que já houve conversas entre representantes britânicos e norte-americanos do sector farmacêutico e que os preços dos medicamentos podem subir em flecha se o Reino Unido se vir obrigado a trocar o mercado europeu pelo dos EUA.
As dificuldades para Johnson podem bem extravasar as estritamente políticas. O caso de Jennifer Arcuri, a norte-americana sua “amiga próxima” que conseguiu apoios financeiros e viagens de negócios enquanto Johnson se sentava na cadeira de mayor de Londres, podem surgir - e podem ser um embaraço. Até porque Arcuri tem dado bastantes entrevistas nas quais se mostrou extremamente perturbada pela parede de assessores, sinais de telefone interrompido e silêncio no geral que Johnson ergueu entre os dois.
O debate de uma hora terá plateia ao vivo, com cerca de 200 pessoas. Os dois líderes vão estar atrás de púlpitos, Corbyn no lado esquerdo da tela e Johnson no lado direito. Cada um terá um minuto para as declarações de abertura e 45 segundos para as declarações de encerramento, com Corbyn escolhido, por sorteio, para falar e encerrar em primeiro lugar. As perguntas são feitas por telespectadores da ITV, selecionadas com o maior grau possível de diferença regional, profissional e política.
Foto do dia
A frase
“Existem aspetos da cultura política no nosso país que lembram um Estado falhado da América Latina”, disse Nigel Farage, referindo-se ao que considera a “quase corrupção” dos conservadores quando tentaram alegadamente convencer membros do seu Partido do Brexit a não concorrer em certos assentos em troca de posições futuras num Governo conservador.
Uma história fora do radar
O Momentum, movimento esquerdista que é o mais forte apoio de Corbyn dentro do Partido Trabalhista, foi buscar o mais recente símbolo da luta de classes, o “Joker” do filme realizado por Todd Phillips, para personificar a luta contra as grandes corporações, os evasores fiscais e todos os que sugam o trabalho do vizinho sem pagar decentemente por isso. Num vídeo divulgado no Twitter, o Momentum usou o vilão mítico da DC Comics para criticar os “milionários” [ler: Batman] que “compram iates e não pagam impostos”, inviabilizando por isso o tratamento público para a doença mental do Joker, facto que o leva a agir daquela forma um pouco violenta juridicamente conhecida também por assassínio.
Está por concluir se o vídeo resultou ou não junto do eleitorado. As reações divergem nas redes sociais: há quem elogie a ideia mas também há quem quem compare Batman a um filantropo e quem critique a subversão da história e a glorificação de um niilista com tendências assassinas como vítima de forças capitalistas.
Naftalina eleitoral
Que pena não haver neste debate um terceiro elemento que tanto Corbyn quanto Johnson pudessem cortejar. Em 2010 essa pessoa foi Nick Clegg, então líder dos Liberais Democratas, que meia hora antes do debate com Gordon Brown e David Cameron ficou a saber que as sondagens lhe davam alucinantes 51% de intenções de voto. Durante o debate, tanto o trabalhista Brown como o conservador Cameron repetiram várias vezes a frase “I agree with Nick”, premonição sobre a possibilidade de terem de vir a entrar em coligação. Essa frase tornou-se uma espécie de lema dos Lib Dems e foi impressa em milhares de panfletos, T-shirts e cartazes como prova da abrangência da sua mensagem. O problema é que quando Clegg entrou em coligação com Cameron, muitas das promessas que lhe deram mais de 50 deputados na Câmara dos Comuns foram quebradas e o resultado foi uma queda pelo menos tão estrondosa quanto tinha sido a vitória: em 2015, o seu grupo parlamentar ficou reduzido a oito elementos. Ele demitiu-se de líder e ficou deputado, mas veio a perdeu o assento em 2017.
Sondagem do dia
Será que os britânicos deixaram de ser a casa espiritual do mercantilismo, do mercado aberto, da meritocracia, do enriquecimento justo? Quem sabe. A maioria dos britânicos acha que ninguém devia ser milionário ou, dito de outra forma, ninguém devia ser Batman. Dentro dos trabalhistas há quem o diga publicamente: o deputado Lloyd Russell-Moyle afirmou na rádio que os multimilionários não deveriam existir. A mensagem foi recebida com a comum consternação entre os trabalhistas mais moderados quanto às posições mais radicais do seu partido e com júbilo pelos conservadores, claro.
Mas uma nova pesquisa do YouGov revela que o sentimento de antipatia perante quem tem mesmo muito dinheiro é amplamente popular entre os britânicos: embora 35% digam que é possível merecer verdadeiramente a entrada no “clube das três vírgulas”, metade (51%) acredita que ninguém deve ter mais de mil milhões de libras em nenhuma circunstância. Mais de um terço (37%) também considera um aumento no número de multimilionários um sinal de que a sociedade está em decadência.
Saído do manifesto
Os ataques com armas brancas tornaram-se uma espécie de epidemia, principalmente em Londres. Os conservadores querem julgar os suspeitos mais rapidamente como parte da sua estratégia geral para combater o crime com eficácia, ou como parte da sua estratégia geral para parecerem mais preocupados com o crime do que os trabalhistas. Os conservadores prometem prender imediatamente todos os que forem apanhados a manusear facas em público, formular acusação em 24 horas e levar o suspeito a tribunal dentro de uma semana - três vezes mais rápido que a média atual.