Um homem originalmente do Afeganistão, residente em Itália há vários anos, a trabalhar para a Frontex, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, como intérprete na fronteira entre a Turquia e a Grécia acusa as autoridades gregas de agressão. Segundo a notícia do “New York Times”, o intérprete acredita ter sido confundido com um dos milhares de requerentes de asilo que todos os dias tentam passar o rio Evros, que separa a Turquia da Grécia.
O caso não é único, há já um vasto acervo de provas de que as pessoas que tentam passar pelo Evros são empurradas de regresso à Turquia, com recurso a violência física, conduzida por homens quase sempre escondidos atrás de lenços, óculos de ski, balaclavas, mas pode ser aquele que força a Grécia a enfrentar finalmente as acusações de práticas ilegais, como os chamados “pushbacks”, o termo utilizado atualmente pelos advogados especializados em migrações para definir as situações em que um migrante que tenta pedir asilo é reenviado ao país de onde tentou entrar sem que essa possibilidade lhe seja facultada pelas autoridades.
Acontece há anos, pelo menos desde os anos 1990, mas, desde o fim de 2019, mais e mais notícias sobre esta prática começaram a aparecer nos meios de comunicação internacionais. Também Portugal já esteve ligado, ainda que não de forma tão direta, a estas práticas. Em maio de 2020, um dos primeiros casos documentados envolveu um navio com bandeira portuguesa, registado na Madeira, que acabou por devolver à Líbia as cerca de 100 pessoas que resgatou do Mediterrâneo.
Os advogados que defendem os migrantes alvo de reenvios, uma prática ilegal à luz da lei internacional já que todas as pessoas em todo o mundo têm direito de pedir proteção internacional nos países signatários da Convenção de Genebra, que protege os direitos dos refugiados e outras pessoas em trânsito, dizem que a violência e as devoluções na fronteira entre a Grécia e a Turquia já não é a exceção, é um sistema.
As autoridades gregas, e a Frontex, sempre negaram estas práticas, incluindo em respostas ao “Expresso”, mas quer na Comissão Europeia quer nas Nações Unidas, o discurso oficial é que estes “pushbacks” estão a acontecer - mas apenas a Grécia pode investigá-los, internamente, já que as autoridades europeias não têm autoridade para tal.
O intérprete já fez uma queixa, e entregou à Frontex vídeos e fotografias de todo o processo, incluindo de episódios violentos - o que pode revelar-se problemático para a Grécia já que este homem tem cidadania de um país europeu e trabalha para a União Europeia. Ylva Johansson, comissária europeia para os Assuntos Internos, anunciou que já falou com o intérprete afegão, e que ficou “muito preocupada” com o que ouviu. “Além da sua história pessoal, o facto de este incidente não ser exceção é de extrema gravidade.”
O “New York Times” também falou com este homem, que garante ter sido devolvido num grupo de mais de 100 pessoas: foram detidos, despidos, revistados, ficaram sem os seus telefones, dinheiro, documentos. Quando tentou dizer à polícia que era intérprete da Frontex, os guardas riram e bateram-lhe mais por ele ter tentado falar e explicar. De seguida, foi levado para um centro de detenção, um armazém remoto, com as tais 100 pessoas. Algumas horas depois foram colocados em barcos e empurrados pelo Evros de regresso à Turquia. Quando foi apanhado, num autocarro para Salónica, na Grécia, estava no seu dia de folga mas dias antes tinha estado, disse o próprio, em trabalho junto de guardas gregos e da Frontex na mesma fronteira através da qual acabou reenviado.
O Governo grego disse ao jornal norte-americano que as investigações preliminares a este caso mostram que “os factos não são os que foram apresentados”.