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O júri deliberou: Derek Chauvin considerado culpado de todas as acusações no caso da morte de George Floyd - arrisca pena de 40 anos

Morte do afro-americano George Floyd foi filmada em maio de 2020 na cidade de Minneapolis: as imagens mostram o polícia Derek Chauvin a exercer pressão com o joelho sobre o pescoço de Floyd durante mais de nove minutos. Sentença é conhecida dentro de oito semanas

ANGELA WEISS/Getty Images

Ricardo Lourenço (correspondente nos EUA), Ana França e Mara Tribuna

Durante nove minutos e 29 segundos o joelho de Derek Chauvin pressionou o pescoço de George Floyd até este morrer. Hoje, quase um ano depois, o polícia foi condenado pelos três crimes de que era acusado - homicídios de segundo, terceiro grau e involuntário. A pena, que vai ser posteriormente anunciada pelo juiz encarregado do caso, Peter Cahill, pode chegar aos 40 anos de prisão.

Prevê-se, no entanto, que a defesa recorra para o Supremo Tribunal do estado do Minnesota, processo que se pode arrastar durante cerca de um ano. Na segunda-feira, durante as alegações finais do julgamento, o próprio Cahill reconheceu que o advogado de Chauvin tinha condições “mais do que suficientes” para o fazer.

A convicção do magistrado relaciona-se com as declarações da congressista democrata Maxine Waters, no passado fim de semana, em Minneapolis, interpretadas como uma incitação à violência caso o desfecho terminasse na absolvição do acusado. O direito a um julgamento justo estaria assim comprometido.

A decisão desta terça-feira era considerada a mais provável. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, reconheceu segunda-feira que o volume de provas contra o agente era “esmagador”. Sinal disso mesmo, os 12 elementos do júri levaram pouco mais de 11 horas para concluir ao veredicto.

A morte do afro-amerciano George Floyd em maio de 2020 acicatou ainda mais a tensões raciais nos Estados Unidos, espoletando uma série de protestos nas ruas contra a violência policial. Num trabalho a ser publicado na próxima edição imprensa do Expresso, vários políticos locais e especialistas em história afro-americana contam como, apesar do desfecho favorável à família de Floyd, a comunidade negra continuará a ser alvo de intolerância nos EUA.

Sentença conhecida dentro de oito semanas

Chauvin estava a ser julgado por três acusações: homicídio não intencional em segundo grau por ter causado a morte de Floyd “sem intenção” ao cometer ou tentar cometer agressão; homicídio em terceiro grau por ter causado a morte de Floyd ao “perpetrar um ato perigoso para terceiros e evidenciar uma mente depravada, sem consideração pela vida humana”; homicídio involuntário em segundo grau por ter causado causado a morte de Floyd por “negligência culposa pela qual a pessoa cria uma situação de risco para uma terceira que não é justificável pela situação e conscientemente executa atos que podem causar morte ou lesões corporais graves”.

A pena máxima para o crime de homicídio não intencional de segundo grau é prisão até 40 anos. Já a pena máxima para homicídio em terceiro grau é prisão não superior a 25 anos. Por último, a pena máxima para homicídio involuntário em segundo grau é de 10 anos e/ ou 20.000 dólares (cerca de 16.620 euros).

O júri é constituído por 12 pessoas - seis brancas, quatro negras e duas de “origem variada”, segundo a classificação que eles mesmos apresentaram nas folhas de inquérito para o cargo. Os jurados, reunidos na cidade de Minneapolis, deliberaram por mais de 10 horas durante dois dias.

Depois de ler os veredictos do júri que declarou Chauvin culpado de todas as acusações, o juiz Peter Cahill anunciou que a sentença vai ser conhecida dentro de oito semanas. Até lá, o ex-polícia vai ficar detido.

Contexto de leitura: as alegações finais

As circunstâncias que levaram à morte de Floyd a 25 de maio de 2020 na cidade norte-americana de Minneapolis, no estado do Minnesota, talvez pareçam óbvias para quem viu o vídeo em que Floyd pede incessantemente a Chauvin que o deixe respirar, mas durante estas duas semanas de julgamento novos factos surgiram - e todos entraram na ponderação dos jurados.

Ficou mais claro, por exemplo, que o movimento de colocar o joelho sobre o torso ou a traqueia de alguém não é algo que esteja previsto nos treinos dos polícias que não façam parte de uma brigada de resposta a situações de extrema violência e também são agora mais conhecidas as doenças das quais Floyd sofria, o que, alegou a defesa de Chauvin, foram a real causa da morte que enfureceu as ruas - de Minneapolis a Lisboa.

Foi a defesa que deu início à fase das alegações finais. “O réu não tem de andar a correr para tentar provar o que seja, assiste-lhe a presunção de inocência e é o Estado que tem de provar a sua culpa para lá de qualquer razoabilidade”, disse Eric Nelson, advogado de defesa do polícia de Minneapolis. Foi a primeira frase da exposição final mas a ideia regressou de outras formas várias vezes ao longo do discurso de Nelson como forma de lembrar aos jurados que, mesmo que ele pareça culpado, todos tinham de ter a certeza de que Floyd morreu exclusivamente como consequência daquele joelho no pescoço.

Nelson mostrou depois imagens da câmara que Chauvin tinha na sua farda e pediu aos jurados que se tentassem colocar no cenário da altercação. “O réu chega à cena do problema, vê que há resistência ativa e que potencialmente houve agressões e neste momento é apropriado o uso de técnicas ao seu dispor como “a imobilização controlada” porque o suspeito “estava ativamente a resistir” à polícia. Este foi um dos eixos centrais da defesa - o facto de que há muita informação além do vídeo que deveria ser considerada pelos jurados, já que, segundo Nelson, justifica a força usada por Chauvin; o outro foi o passado de Floyd, com episódios recorrentes de consumo de drogas, hipertenso e doente cardíaco.

A acusação falou logo a seguir, apesar de já ter tido anteriormente 43 minutos de alegações finais - é permitida uma resposta do Estado depois de a defesa apresentar as suas razões. O advogado da acusação Jerry Blackwell começou por dizer na refutação que houve uma 46ª testemunha neste julgamento: o “senso comum”. “Vou começar a falar sobre aquilo a que chamo a 46ª testemunha. Na verdade, vocês ouviram 45 testemunhas no depoimento, mas há uma 46ª testemunha. Esta testemunha estava já a exercer a sua função mesmo antes de alguém ter entrado neste tribunal e a única que vai continuar a falar-vos quando estiverem em deliberação. E essa testemunha, senhoras e senhores, é o bom senso. O caso contra Chauvin realmente não é complicado.”

Na mesma linha, Blackwell disse que o caso é “tão simples que até uma criança poderia entendê-lo porque, na verdade, houve uma criança que entendeu tudo”, disse o advogado, relembrando aos jurados que uma das testemunhas foi uma menina de nove anos que, durante a apreensão de Floyd, terá gritado repetidamente “sai de cima dele”.

Sobre que papel podem as doenças de Floyd ter tido na sua morte, Blackwell disse que a interpretação da lei feita pelo advogado de defesa foi errada. “O que precisamos de provar é que as ações do réu foram um fator causal substancial na morte. Não é preciso que sejam o único factor nem precisam de ser o maior fator. Só precisa de ser um deles”, disse Blackwell. E se a defesa alegou que o coração de Floyd era “demasiado grande” e que isso pode ter sido uma causa da sua morte, a acusação disse antes que Floyd morreu porque Derek Chauvin tem “um coração demasiado pequeno”.