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O polícia que matou George Floyd vai ser condenado? O que diz a História

A história indica que a tendência do sistema de justiça criminal americano, e dos próprios jurados quando casos semelhantes vão a julgamento, é para tomar o partido da polícia

KEREM YUCEL/Getty Images

Em 1991, um operário de construção civil negro, com 25 anos, chamado Rodney King foi espancado por quatro polícias em Los Angeles na sequência de uma perseguição rodoviária. A cena foi filmada e as imagens de King caído no chão a ser pontapeado revoltaram a América e o mundo. No entanto, quando os polícias foram a julgamento, acabaram absolvidos, o que desencadeou motins na cidade. O saldo final foi de 53 mortos, milhares de feridos e prejuízos de milhões de dólares.

Anos mais tarde, quando o antigo jogador de futebol americano O.J. Simpson foi julgado pelo homicídio da ex-mulher e de um amigo com quem ela se encontrava, as provas eram bastante claras e só uma minoria das pessoas no país podia duvidar da culpa do desportista. No entanto, também Simpson acabou por ser absolvido por um júri constituído de larga maioria negra, um factor que se disse ter pesado na decisão, interpretada por vários comentadores como uma forma de 'payback' pela brutalidade policial os negros de Los Angeles.

Também pode ter sucedido, simplesmente, que pessoas habituadas a ver membros da sua comunidade serem alvo de suspeita por parte das autoridades, tenham desenvolvido uma desconfiança liminar em relação à polícia e aos orgãos de justiça criminal.

Outros casos

Ao longo dos anos, outras histórias de brutalidade policial sobre negros capturaram as manchetes. Em julho de 2014, um homem que supostamente vendia ilegalmente cigarros em Nova Iorque morreu depois de um polícia o imobilizar numa posição de estrangulamento. Eric Garner, a vítima nesse caso, implorou onze vezes que não conseguia respirar. Apesar dos protestos públicos, o agente envolvido não foi acusado criminalmente. Anos depois, a polícia despediu-o e a família de Garner recebeu uma indemnização de 5,9 milhões de dólares [cinco milhões de euros ao câmbio atual].

Ainda em 2014, um cidadão negro de 18 anos, Michael Brown, foi atingido seis vezes a tiro na sequência de uma alegada altercação com um polícia em Ferguson, no estado do Missouri. O caso deu origem a motins. O agente não chegou a ser acusado, mas foi paga uma indemnização à família da vítima. A morte de Brown, tal como a de Garner, forneceu um estímulo ao movimento Black Lives Matter ('as vidas negras importam'), que protesta contra as mortes de negros desarmados.

Outro caso, que não envolveu um polícia, foi o de Trayvon Martin, um adolescente morto por um autodenominado vigilante num bairro da Florida. George Zimmerman, o autor do crime, alegou autodefesa e foi absolvido, tendo mais tarde leiloado a arma do crime (que entretanto lhe fora devolvida pela polícia) através da internet.

Mortos pelas costas, mortos em casa

Nas duas últimas décadas, as mortes de negros às mãos da polícia norte-americana contam-se pelas dezenas. Entre os casos mais notórios de anos recentes, houve um rapaz de 12 anos, Tamir Rice, morto por um polícia que tomou a sua pistola de brinquedo por uma arma real, um motorista mandado parar pelas autoridades que foi abatido depois de ter dito que tinha na sua posse uma arma legalizada e um homem morto pelas costas quando fugia.

Neste caso, o vídeo não permitia dúvidas e o agente foi condenado por homicídio em segundo grau, com uma pena de 20 anos, rara quando o autor do crime é um polícia.

Em 2020, uma mulher chamada Breonna Taylor que se encontrava com o namorado na sua casa em Louisville, Kentucky, foi morta quando a polícia tentou executar um raide sem aviso prévio. Os agentes envolvidos não seriam acusados, mas a cidade pagou uma indemnização de 12 milhões de dólares. A tragédia levou a repensar algumas práticas policiais, nomeadamente os 'no-knock warrants', ou seja, a execução de mandatos de busca sem bater à porta. A crescente militarização dos departamentos policiais, com armamento excedentário comprado ao exército, tem sido igualmente debatida.

"Imunidade qualificada" e estatísticas

Os sindicatos policiais opõem-se ao movimento Black Lives Matter. Donald Trump, enquanto presidente, tomou partido pela polícia, contestando, por exemplo, o gesto de dobrar um joelho que alguns jogadores de futebol americano passaram a fazer quando se canta o hino nacional no início dos jogos. Trump chegou a defender o despedimento desses jogadores, e o pioneiro do gesto, Colin Kappernick, não tem equipa para jogar desde 2017, mas o gesto espalhou-se - a morte de George Floyd deu um impulso decisivo - e atualmente também polícias são vistos a fazê-lo.

A condenação policial de agentes que matam pessoas desarmadas, em especial negros, permanece rara. A nível cível, beneficiam da "imunidade qualificada", que apenas não se devia aplicar em casos onde haja uma óbvia e grave violação dos direitos fundamentais da vítima.

Segundo um estudo publicado em 2019 na "Proceedings of the National Academy of Sciences", um negro norte-americano em cada mil pode esperar ser morto pela polícia no decurso da sua vida - uma percentagem 2,5% superior à de um branco de sofrer um destino idêntico. O estudo refere esta discrepância com um fator visível de desigualdade nos Estados Unidos.

Uma história prévia de violência

Na prática, é muito difícil conseguir a condenação criminal de polícias, uma realidade reconhecida esta semana pelos procuradores que acusam Derek Chauvin, o agente acusado de ter assassinado George Floyd. Durante quase nove minutos, Chauvin manteve o seu joelho a fazer pressão sobre o pescoço de Floyd. Algemado e deitado no chão, Floyd disse repetidamente que não conseguia respirar e chamou pela mãe antes de morrer.

Agora, a defesa de Chauvin diz que Floyd morreu por problemas de saúde pré-existentes e não por causa de Chauvin. A acusação, ciente de que a tendência dos jurados é quase sempre para acreditar na polícia, acusou-o de vários crimes em alternativa. O mais grave deles, homicídio em segundo grau, tem uma pena que pode chegar aos 40 anos.

Chauvin tem um cadastro profissional de 18 queixas e uma história de brutalidade. Numa das situações, em 2017, pressionou o joelho durante minutos contra um rapaz de 14 anos que também se queixou de que não podia respirar e que chegou a desmaiar. O dono de um estabelecimento noturno onde Chauvin trabalhava como segurança, diz que o agente era excessivamente violento, sobretudo quando havia mais clientela negra.