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Comissão responde à AstraZeneca: “Lógica de que é servido quem chega primeiro pode funcionar no talho mas não nos contratos”

A Comissária da Saúde responde ao presidente da AstraZeneca para dizer que a empresa tem responsabilidades morais e contratuais e deve entregar as doses contratualizadas, tenham sido produzidas no Reino Unido ou na UE. Stella Kyriakides rejeita o argumento da farmacêutica de que o acordo era fazer "o melhor esforço" possível e insiste que a farmacêutica tem de dar explicações e cumprir o contrato

REUTERS

A tensão continua a subir entre a Comissão Europeia e a AstraZeneca, por causa dos anunciados atrasos na entrega de vacinas. Bruxelas vem agora rejeitar o argumento do CEO da farmacêutica, Pascal Soriot, de que o Reino Unido foi mais rápido (três meses) a fechar contrato com a farmacêutica.

"Rejeitamos a lógica de que quem chega primeiro é que é servido, pode funcionar no talho do bairro mas não nos contratos", ironizou esta tarde Stella Kyriakides. A Comissária da Saúde afirma que "não existe uma cláusula de prioridade no contrato", deixando claro que espera receber atempadamente as doses de vacinas acordadas, tenham elas sido produzidas nas unidades de produção localizadas na União Europeia ou no Reino Unido.

O contrato assinado com a AstraZeneca inclui quatro unidades de produção localizadas "na Europa", não estabelecendo qualquer hierarquia entre as duas que estão em solo britânico e as duas que estão na União, uma na Bélgica e outra na Alemanha.

Um dos problemas apontados pela empresa para a redução na entrega do número de doses em fevereiro e março é precisamente uma quebra de rendimento ligada à cadeia de distribuição na UE. Segundo fonte comunitária, a empresa indicou que o problema é na unidade belga, mas as explicações não só não esclareceram a Comissão, como se mantêm as suspeitas de que possam estar a ser desviadas doses para outros mercados. Além disso, o executivo comunitário rejeita que as unidades britânicas sejam apenas para fornecimento do Reino Unido.

A comissária insiste ainda que a AstraZeneca recebeu um adiantamento para desenvolver e produzir "um bem que na altura não existia e que ainda hoje não está autorizado". E que se isso aconteceu foi precisamente "para assegurar que a empresa construía uma capacidade de produção", de forma a estar pronta para "entregar um certo número de doses no dia em que fosse autorizada".

Stella Kyriakides foi esta tarde à sala de imprensa da Comissão para rebater outro dos argumentos utilizados por Soriot na entrevista dada esta quarta-feira a várias publicações europeias. Segundo o presidente da AztraZeneca, o acordo feito com Bruxelas previa apenas que a empresa "fizesse o melhor esforço", sem garantia de sucesso, mas para a Comissária essa lógica "não é correta nem aceitável".

É certo que existe "uma cláusula de melhores esforços" no contrato assinado, mas segundo a Comissária isso acontece porque a vacina ainda não tinha sido autorizada, rejeitado que se aplique à capacidade de produzir a tempo as doses pré-acordadas.

"As empresas farmacêuticas e produtores de vacinas têm responsabilidades morais, sociais e contratuais que têm de respeitar", afirma Kyriakides, lembrando o elevado número de pessoas que continua a morrer todos os dias vítima de Covid19.

Questionada sobre qual o pré-financiamento pago à AstraZeneca e qual a diferença entre as doses acordadas e as que a farmacêutica diz que vai entregar, Kyriakides escusou-se a entrar em detalhes, escudando-se na confidencialidade do contrato. O executivo comunitário diz que já pediu autorização à farmacêutica para divulgar os documentos, mas ainda não há uma resposta final.

A AstraZeneca prevê entregues 31 milhões de doses à UE até final de março, mas de acordo com fonte comunitária, o contrato apontava para "os três digitos" (algo mais perto dos 100 milhões de doses a serem entregues até ao final do primeiro trimestre). No total e ao longo do ano, o contrato prevê a compra de 300 milhões de doses, com possibilidade de aquisição de mais 100 milhões adicionais.

Para quarta-feira, ao final da tarde, está marcada uma nova reunião entre a empresa anglo-sueca, a Comissão Europeia e representantes dos 27 Estados Membros. Uma porta-voz do executivo comunitário chegou a confirmar que a AstraZeneca tinha informado que não iria participar. Pouco tempo depois, a farmacêutica veio depois dizer que afinal marcaria presença, em mais um episódio de um braço-de-ferro que começou na sexta-feira.

Apesar da guerra aberta com a farmacêutica, Kyriakides tenta pôr alguma água na fervura, pedindo à AstraZeneca para que se empenhe, "reponha a confiança" e forneça toda a informação pedida. Diz a comissária que o objetivo é que o problema se resolva, tal como se resolveu com Pfizer, quando a companhia anunciou os primeiros atrasos.

A vacina da AstraZeneca deverá ter luz verde da Agência Europeia de Medicamentos na sexta-feira, no Reino Unido foi autorizada no final de dezembro.