Internacional

Conflito na Etiópia está para durar e pode incendiar o Corno de África

Mais de 30 mil pessoas foram para o Sudão em fuga ao conflito destas últimas duas semanas. Ambos os lados, Etiópia e Tigray, reclamam a vitória, o que é um princípio de instabilidade garantido. A ONU alerta para uma crise humanitária certa

Deslocados vindos da região do Tigray aguardam auxílio
EL TAYEB SIDDIG/Reuters

Os líderes da região rebelde de Tigray recusaram-se esta quarta-feira a render-se às tropas federais. Em vez disso, reclamam vitória numa guerra capaz de inflamar a fricção étnica regional e desestabilizar ainda mais o Corno de África.

A Frente de Libertação Popular do Tigray (TPLF, na sigla inglesa) declarou estar a vencer "o inimigo" e que os seus cidadãos "nunca se ajoelharão". Esta resposta veio um dia depois de as forças do Governo federal terem lançado ataques aéreos à capital do Tigray, Mekelle, e terem feito avançar tropas por terra, por ordem do primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed.

É praticamente impossível confirmar os números dado todas as comunicações estarem virtualmente bloqueadas, mas fala-se em centenas de mortos em ambos os lados, além do êxodo da população em direção ao vizinho a oeste, a República do Sudão.

Apesar das declarações de vitória por parte do líder do Tigray, Debretsion Gebremichael, o chefe do exército federal, Berhanu Jula, disse estarem a ganhar em todas as frentes e que as forças do Tigray estavam "em estado de desespero".

Achas para a fogueira nacional e regional

"Não é tarde demais para parar antes que a guerra saia fora do controlo", defendia um artigo da organização não governamental de monitorização de situações de conflito International Crisis Group (ICG).

O ICG recomendava que todos os parceiros externos da Etiópia teriam de persuadir ambos os lados envolvidos a chegar a "um cessar fogo incondicional" e recomendava que, uma vez caladas as armas, a classe política feudal etíope deveria lançar um diálogo nacional de forma "a acabar com as divisões profundas que existem no país", a começar pelo sistema federal do país.

Abiy Ahmed, vencedor do Nobel da Paz de 2019, afastou qualquer tentativa ou sugestão de conversações e insistiu na força quando parte dos militares etíopes estacionados na província do Tigray, no norte do país, na fronteira com a Eritreia, estão a tomar o partido do TPLF. Uma vez que esta organização política esteve no poder nos últimos 30 anos até 2018, é de pressupor que o confronto seja prolongado e violento.

O perigo é, num primeiro momento, prevalecente na Etiópia, que é o segundo país mais populoso de África com os seus 115 milhões de habitantes, mais ainda para a região do Corno de África, uma das mais instáveis do continente.

Guerra étnica ou política?

Parte dos que fugiram para o Sudão disseram que as milícias de Amhara, o estado vizinho, os atacaram por causa da sua etnia, o que é negado pelo Governo de Abiy, reporta a Al-Jazeera.

"O Governo federal denuncia, nos termos mais fortes, a caracterização errónea que diz que esta operação tem carácter étnico ou outro", afirmou em comunicado nesta quarta-feira.

O primeiro-ministro Abiy, de 44 anos, pertence ao grupo étnico mais numeroso no país, os Oromo, e é um antigo camarada militar do Tigray. Fez antes parte do mesmo Governo com eles, antes de assumir a chefia do Governo em 2018.

Por enquanto, e apesar da pressão internacional, Abiy insiste que só aceita negociações depois de o TPLF ser desarmado e os líderes do Tigray detidos.

Segundo a Al-Jazeera, diplomatas defendem não ser certo que as tropas federais sejam capazes de vencer rapidamente as forças do Tigray, que lutam em terreno montanhoso bem seu conhecido.